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CAPÍTULO 6 – OS CUIDADOS DO CURRÍCULO EM AÇÃO E SEUS EFEITOS

6.2 Parceria e Registro das Vivências Curriculares

As dez professoras egressas, ao relatarem as muitas dificuldades enfrentadas no decorrer do curso, ora de maneira explícita, ora nas entrelinhas, expressam uma das formas que encontraram para a superação dos impasses vivenciados durante o curso. A parceria foi uma alternativa utilizada nos muitos estudos teóricos que o curso proporcionou. Explicam que essa estratégia proposta por seus professores, ou mesmo por iniciativa dos próprios cursistas, ajudou sobremaneira nos avanços que conseguiram atingir. Em duas falas, reproduzidas a seguir, demonstram o quanto foi significativa a parceria para o entendimento do material teórico indicado no curso de Pedagogia, como também evidenciam uma parcela de suas identidades.

–O que foi mais ruim no curso foi o seu início. A dificuldade de entender textos tão grandes e complexos. Por exemplo, o livro da Magna Soares240, foi muito difícil, marcou para todo mundo. No entanto, foi de grande proveito. A sala se envolveu toda, reuniu em grupo. Aqueles que entendiam mais falavam e explicavam para os outros. Embora tenha sido muito difícil, foi muito proveitoso para todos. Esse texto foi trabalhado em uma das primeiras disciplinas. Tinha aluno que estava com vinte anos que não estudava. Foi uma verdadeira sacudida, facilitando o que veio depois. (2a Professora)

– Eu gostava dos textos que eram debatidos entre nós alunos e no final a professora fazia um comentário geral, sintetizando o que havia sido discutido nos grupos, a partir do material. Isso eu faço com os meus alunos. Eles reescrevem o texto a partir de suas discussões e compreensões nos estudos de grupo. Antes de fazer o curso de pedagogia eu não dava abertura para isso. (3a Professora)

De acordo com Fazenda241, a parceria se constitui em um dos fundamentos da interdisciplinaridade e emerge da necessidade que temos de nos apropriarmos de novos e múltiplos conhecimentos para desenvolver uma atividade interdisciplinar. A ação interdisciplinar requer saberes que nem sempre são dominados por aquele que pratica a ação. Dialogar com o outro, em efetiva parceria, traz infinitas possibilidades de avanço nas compreensões e nos trabalhos desenvolvidos. A parceria, ao incitar o diálogo, permite a sintonia com outras formas de conhecimentos, ocorrendo uma interpenetração do que um sabe com o que os outros sabem, gerando conhecimentos mais elaborados.

A parceria abre inúmeros leques de possibilidades, seja na produção científica, seja na efetivação do trabalho profissional; ela mostra sua relevância durante as dificuldades enfrentadas nos afazeres diários. Se a predominância do tempo Cronos marca de forma indelével o mundo contemporâneo, é mais do que necessário estabelecer a intercomunicação com um número cada vez maior de parcerias, criando um ambiente gerador de capacidades superiores em termos qualitativos.

Em conformidade com as falas apontadas, é possível observarmos que a parceria foi um aspecto intensamente vivenciado, moldando na atualidade uma das características das identidades dessas professoras. Além de perceberem e demonstrarem em seus relatos a importância da parceria para fins didáticos, esse sentimento fica mais evidenciado quando percebemos o envolvimento de todas, de forma bastante motivada, nos projetos da escola, como aquele denominado Pais e filhos alfabetizados que congrega a comunidade escolar e seus arredores, por meio de uma parceria em que pais, alunos, professores, pessoal de apoio, coordenadores, direção e colaboradores de outras instituições saem todos engrandecidos. Segundo a 7a Professora entrevistada, esse projeto origina-se de uma semente germinada no curso de Pedagogia. O projeto surgiu em decorrência do baixo rendimento e evasão dos alunos. “Os pais, quando chamados, diziam que não tinham condições de orientar em casa, uma vez que nem eles eram alfabetizados”242. O registro recorrente dessas falas dos pais

241 FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: qual o sentido?, p. 68-70. 242 Fala da 5a Professora entrevistada.

permitiu ao grupo de professores da escola, com a parceria da comunidade de seu entorno, elaborar e desenvolver o projeto. Duas falas dessa professora evidenciam como enfrentam nos dias atuais o cotidiano profissional:

– Hoje o modo de pensar e fazer são bastante diferentes de antes do curso. Hoje temos a preocupação de registrar e arquivar tudo o que passamos na escola. Este projeto que elaboramos e executamos tem uma semente germinada na Pedagogia. A possibilidade de alfabetizar e desenvolver outras ações com os pais de alunos é uma meta muito presente na escola. Antes parecia que tínhamos uma viseira. Não passávamos do rotineiro. Hoje conversamos mais sobre o que fazemos, trocamos idéias, trabalhamos juntos com outras instituições, tudo em benefício da comunidade escolar. Hoje nos planejamentos as horas passam que nem se apercebe. As discussões são tão boas e ricas. Trabalhamos em cima de dados. É a partir deles que construímos nossas ações. As discussões são acirradas, uma vez que os dados não mentem. Há um envolvimento e acompanhamento mais de perto. Antes aquelas leituras infindáveis sem acompanhamento prático já não acontecem mais nos planejamentos. Isso ficava muito cansativo. Hoje vamos direto no que acontece nas salas de aula e buscamos juntos alternativas para superar. (7a Professora)

– O projeto Pais e Filhos Alfabetizados teve sua origem pelo baixo rendimento e evasão escolar. Os pais quando eram chamados diziam que não tinham condições de orientar em casa uma vez que nem eles eram alfabetizados. A partir daí surgiu o projeto e seu desenvolvimento. Marcamos um chá da tarde para chamar os pais. Houve todo um cuidado para recepcionar os pais não alfabetizados. (5a Professora) – Foi todo um trabalho de conquista. Com esse trabalho temos observado uma melhora significativa no desempenho dos alunos. Enquanto os pais estão estudando eles permanecem com alguma atividade no interior da escola. É um trabalho diário de conquista. Os pais trabalham e têm uma vida muito atribulada. É muito bom, todos se envolvem, quando um está fazendo uma coisa o outro já está em outra, todos contribuem. Há uma preocupação na ação e não há quem compete. (7a Professora)

Os aspectos observados em suas falas, como “Hoje temos a preocupação de registrar e arquivar tudo o que passamos na escola; os dados não mentem”, denotam também situações vivenciadas no currículo em ação do curso de Pedagogia. A preocupação em desenvolver registros, resgatados pela memória, de suas histórias de vida, de resultados de trabalhos produzidos nas atividades vivenciadas no decorrer de cada disciplina e de relatos de ocorrências do processo de aprendizagem estava presente em vários componentes curriculares. O objetivo era fazer que produzissem textos escritos de suas histórias e que se aproximassem, na medida do possível, das categorias teóricas com que vinham tendo contato; textos registros dos processos trilhados para aprender, de forma que mostrassem a importância de perceber as facilidades e dificuldades no decorrer do processo desenvolvido por cada um, no cotidiano da implementação da disciplina. Além disso, havia preocupação e incentivo em retornar àqueles registros com certa frequência de modo a possibilitar a análise e o refazer com um novo olhar, qualitativamente superior. A esse respeito, apresentamos trecho da fala da 6a Professora entrevistada:

Outras atividades significativas foram aquelas realizadas por professores que exigiam a atualização do portfólio. Todo dia tínhamos que registrar o que tinha sido feito, o que tinha aprendido, as dificuldades enfrentadas e tudo isso era colocado em uma pasta. Depois o professor pegava a pasta e via o processo que cada um havia desenvolvido. Seja lendo ou nos colocando para ler os registros realizados. Isso produziu vários saltos qualitativos nas nossas aprendizagens.

Se Fazenda243 evidencia a importância da memória registro e o retorno a ela para o avanço do olhar na produção científica interdisciplinar, observamos na fala retrotranscrita quão importante é também essa estratégia no desenvolvimento da prática curricular. Ressaltamos, com satisfação, esses flashes que demonstram acertos do currículo vivo de Pedagogia. Se isso aconteceu naquele espaço de desenvolvimento do curso, presenciamos também acontecer no processo de desenvolvimento do trabalho pedagógico das professoras na escola. Não só estão sensibilizadas em agir por meio dessas estratégias, mas, melhor ainda, veem resultados palpáveis e superiores em termos qualitativos aos que atingiam antes na escola. Elas demonstram que estão mais completas nas atividades que desenvolvem; completas no sentido de estarem empenhadas de corpo e alma nos processos desenvolvidos.

6.3 Ludicidade no Currículo em Ação: teatro, literatura, cinema, dança, pintura,