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PARNASIANO NA FORMA, SIMBOLISTA NO VOCABULÁRIO

No documento Arthur de Salles: esboços e rascunhos. (páginas 189-193)

4 EDIÇÃO SEMIDIPLOMÁTICA DOS MANUSCRITOS DAS PASTAS 001 E

OBSERVAÇÕES – Joana Angela dos (†)

5 UM LEVANTAMENTO VOCABULAR NOS TEXTOS SALLESIANOS

5.1 PARNASIANO NA FORMA, SIMBOLISTA NO VOCABULÁRIO

Em notícia do jornal A Tarde, de Salvador, logo após a morte do poeta Arthur de Salles, foi dito que:

[...] nenhuma geração o combatia. Se entre os escritores e poetas acadêmicos contava com admiradores, menos querido e admirado não o era nas rodas dos literatos de tendência e convicções modernistas. Não vivia enclausurado em torre de marfim, acompanhava e participava das vibrações cívicas da juventude, formava com os moços em movimentos renovadores, dominado por uma sinceridade que todos lhe reconheciam e admiravam142.

Arthur de Salles não foi um escritor fechado em uma só vertente, não seguiu uma única escola, atualizou-se ao longo do tempo e buscou aquilo que de melhor cada movimento lhe oferecia. Escrevendo hinos, odes, sonetos, poemas, poemetos, transitou entre a poesia e a prosa, foi escritor, poeta e tradutor: um intelectual versátil, um homem de seu tempo.

Ívia Alves, por exemplo, ao falar sobre os colaboradores da revista Arco & Flexa, classifica Arthur de Salles entre os autores de tendências ecléticas do fim do século XX.143 Almeida Gouveia, no entanto, classifica Salles como simbolista, juntamente com Francisco Mangabeira e Pethion de Vilar.144

141 AULETE, Caldas. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. 2. ed. act. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira, 1925. 2v.; FIGUEIREDO, Cândido de. Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa: Bertrand, 1899. 2. v.; SÉGUIER, Jayme. Diccionario prático illustrado. Porto: Chardron, 1928.

142 MORREU Artur de Sales. A Tarde, [Salvador], 27 jun. 1952.

143 ALVES, Ívia. Arco & Flexa: contribuição para o estudo do modernismo. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978. p. 44.

144

GOUVEIA, Almeida. Pethion de Vilar: cavaleiro do sonho e do ideal (interpretação do simbolismo). Salvador: [s.n.], 1970. p. 15.

Salles, homem de vastíssima cultura, "versejara ora como simbolista, ora como parnasiano, ora praticando o classicismo, mas sempre artista impecável na estruturação de sua magnífica produtividade."145

Conforme se afirma, Arthur de Salles pode ser considerado parnasiano e simbolista, classificação que se comprova através do levantamento lexical de sua obra, pois se a forma de seus versos evidencia, por vezes, o parnasianismo, o vocabulário denota o simbolismo, e o inverso também é verdadeiro.

Ele mesmo, no entanto, se declarara parnasiano e, escrevendo ao amigo Durval, afirma:

Recebi a Terra do Sol e a Revista Social. Affonso Costa que ahi está, no Rio, disse-me que lhe mandasse producções para a Terra do Sol. Não mandei. Vejo que ella é futurista ou tem tendencias futuristas, o que não critico. Eu porem não sou futurista. Meu verso parnasiano não agradará aos srs. da Revista. 146

No final da vida, porém, ele foge aos grilhões do cânone, declarando, em sua última entrevista concedida à imprensa, ao ser questionado se se considerava parnasiano ou simbolista: "hoje sou um poeta, sòmente um poeta. Considero-me acima de escolas literárias, longe destas prisões literárias de antigamente."147

Todavia, transparecer em poetas dessa época características de duas escolas literárias não é, de forma alguma, um fato incomum. Isso ocorre, geralmente, na maioria dos escritores que acompanham a transição dos movimentos148, como foi o caso de Arthur de Salles.

De acordo com José Aderaldo Castello, o enquadramento nos movimentos literários é relativo, como foi o caso das escolas parnasiana e simbolista:

O enquadramento proposto, bastante relativo, lembra o caso anterior dos seguidores do Parnasianismo, quando nem todos foram parnasianos: agora, também, não quer dizer que todos sejam simbolistas. A heterogeneidade de atitudes, prevalecendo, naturalmente, a da preferência de cada um, provém da coexistência de poéticas e, conseqüentemente com elas, das persistências. Por exemplo, participante do grupo da Nova Cruzada, na Bahia, Artur Gonçalves de

145 SESSÃO em homenagem a Arthur de Salles. Estado da Bahia, [Salvador], 10 out. 1952. 146 Cf. doc. 071:0412 [carta não datada] do acervo de A.S.

147

TAVARES, Cláudio T. op. cit., p. 1 e 3.

Salles passa do Simbolismo para o Parnasianismo, ao mesmo tempo que exprime atitudes "realistas".149

Nos versos a seguir, ainda em processo de escritura, podem ver-se várias das características do parnasianismo, onde se cultua a forma através de uma métrica rigorosa (ababab; cdcdcd; ababab; cdcdcd) e rimas ricas (escuridão, solidão; voar, ar; cantar, par), e a arte justifica-se pela sua beleza formal, a arte pela arte, tendendo ao descritivismo150. Porém, seu vocabulário, muitas vezes, reporta a um universo etéreo e brumoso, da poesia pura, não racionalizada, que usa imagens e não conceitos, primando pelo subjetivismo e pelo mistério, nos limites do inconsciente, seguindo as características da escola simbolista151:

doc. 001:0009

f.1v

A noute vae alongada Pela immensa escuridão E eu leio, enchendo o silencio 5 Desta minha solidão

Na cella do frei poeta Sextilhas de Frei Antão. Lá fora de quando em quando Corre um ligeiro brilhar: 10 Luz de lampyrio que passa,

Como se estrella, ao voar, Deixara no largo voo Rastilhos de ouro no ar. Depois no ceo e na terra 15 Das trevas a densidão

E eu leio. E vão-me estes versos No mesmo diapazão

Á luz da lampa fumosa De morrediço clarão. 20 Vão-me as sextilhas sahindo

Mas, ai de mim! que o rimar Não tem a diva doçura Nem o celso cantar Que dimanavam das cordas 25 Daquella lyra sem par.

149 CASTELLO, José Aderaldo. op. cit., p. 22.

150 Cf. RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Panorama da poesia brasileira (Parnasianismo). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1959.

151

Cf. MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1952.

Outra característica do simbolismo, também destacada no vocabulário, é essa disposição de criar uma gramática psicológica e um léxico original, cunhando neologismos e regenerando arcaísmos, recorrendo a expedientes gráficos: usando, por exemplo, maiúsculas, onde estas seriam dispensáveis (como em Frei, no verso 7), ou y onde os dicionários da época já registravam i (lampyrio, verso 10, lyra, verso 25).152

Em Arthur de Salles, no entanto, as influências dos movimentos literários dos quais participou são tão marcantes que se encontrou, através do levantamento vocabular desses 36 documentos, que compreendem uma amostragem aleatória, uma interessante similaridade quantitativa nas palavras marcadas de ambas as escolas, 206 das que podem ser consideradas parnasianas e 316 das que podem ser consideradas simbolistas, o que em números relativos daria aproximadamente 40% e 60%.

Pode-se afirmar, portanto, a partir da análise destes documentos, que a influência de ambas as escolas literárias é bastante forte, com uma pequena predominância vocabular (20%) em favor do simbolismo, nos documentos desta amostra. O que, no entanto, contradiria o próprio autor, que se declarava parnasiano153, a princípio, e mais tarde, na entrevista já mencionada, afirma ter ultrapassado essas influências154.

Apesar de este trabalho ter se ocupado apenas de uma pequena parte dos documentos pertencentes ao Acervo de Arthur de Salles, influências das duas escolas literárias ficam evidentes na obra do poeta. E, o que mais chama a atenção, é que os ideais do parnasianismo e do simbolismo tiveram, ao que podemos constatar, a princípio, praticamente igual importância sobre a criação poética de Arthur de Salles.

152 Cf. AULETE, Caldas. op. cit.; FIGUEIREDO, Cândido de. op. cit.; SÉGUIER, Jayme. op. cit.; MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 7 ed. São Paulo: Cultrix, 1995. p. 475.

153

Cf. doc. 071:0412.

No documento Arthur de Salles: esboços e rascunhos. (páginas 189-193)