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Parque da Pena Palácio de verão

No documento Jardins do liberalismo: Portugal e Brasil (páginas 52-54)

3. Enquadramento Histórico

4.4. Parque da Pena Palácio de verão

No lugar onde hoje se ergue o Palácio da Pena, na serra de Sintra, foi construído no século XVI, por ordem de D. Manuel I, o Real Mosteiro de Nossa Senhora da Pena (Fig. 4.45). Depois do abandono a que foi votado após a extinção das ordens religiosas, D. Fernando II compra com verbas pessoais, em 1838, o mosteiro e cerca em hasta pública, na condição expressa de manter e conservar a igreja, considerada monumento nacional, de imediato começando a construção de uma estrada entre o mosteiro e S. Pedro. Logo em 1840 são encomendadas plantas para começar a florestação das encostas em redor do palácio, então nuas, que começa em 1841 com árvores chegadas da Alemanha.

As obras do novo palácio são entregues ao Barão de Eschwege (no início em conjunto do Possidónio da Silva) e arrancam em 1841. Após dois projectos recusados pelo rei, o edifício resultante (Fig. 4.46) é um perfeito exemplo do romantismo feito arquitectura, com um eclectismo extremo unificado num traçado hábil, nas palavras do Conde Rackzinsky “Os arqueólogos do ano de 2245 quebrarão a cabeça quando quiserem fixar a época das diferentes construções da Pena”. O manuelino do edifício original confunde-se com elementos acastelados, traços árabes, ornamentos neo-góticos e referências diversas à história de Portugal. Com a residência real fixada em Lisboa, no Paço das Necessidades, a Pena foi construída como residência de verão, época em que o clima fresco e húmido da serra convidava à permanência fugindo do calor de Lisboa.

O jardim, mais precisamente o parque, onde o palácio se insere e do qual faz parte integrante e indissociável numa integração paisagística levada ao extremo, mantém o ecletismo e a profusão de estilos e referências, como se na busca de um ideal romantizado fosse legítima a utilização de todo o património estético. O Pavilhão de Pintura do Rei, dominando uma encosta, mostra um estilo clássico com a sua colunata em redor, o Chalet da Condessa (Fig. 4.48) é um dos melhores exemplos do “natural gothic”, onde os ornamentos góticos são concretizados com elementos imitando a natureza, como falsos troncos e tábuas de madeira, a Fonte dos Passarinhos (Fig. 4.47), com os seus azulejos mouriscos de pedra seca, remete de imediato à arquitectura árabe.

O parque é desenhado segundo a estrutura paisagista, com uma rede de caminhos orgânicos e naturalizados, traçados para que parecesse que sempre ali estiveram, pontuado por construções, lagos ou outros elementos de interesse, com um aproveitamento das vistas proporcionadas pelo relevo acidentado. A escolha da flora a inserir no parque seguiu a perspectiva iniciada nas Necessidades de procurar plantas exóticas - apesar de nas Necessidades brilharem as palmeiras e na Pena as camélias e as árvores resinosas - concretizando um enorme mostruário do que a natureza pode oferecer. Por entre bosques densos encontramos clareiras com as mais belas flores, passando árvores nossas conhecidas encontramos os mais surpreenderes exemplares exóticos. Nas obras deste parque o rei contou com a colaboração do jardineiro real Bonnard, bem como do agrónomo - e também ceramista - Wenceslau Cifka.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008, p. 433

“Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Conheço a Itália, a Sicília, a Grécia e o Egipto, e nunca vi nada, que valha a Pena. É a cousa mais bela que tenho visto. Este é o verdadeiro Jardim de Klingsor, e lá no alto, está o Castelo do Santo Graal.” 175

A obra da Pena, que tem de ser encarada no seu conjunto indissociável, é um exemplo maior da intervenção na paisagem e um dos mais completos e complexos projectos de arquitectura paisagista concretizados em Portugal, em particular no aproveitamento do inegável genius loci - apesar de ser necessário lembrar que se o relevo já lá estava, as encostas eram nuas e agrestes e que o que hoje pensamos ser a vegetação espontânea da serra, não é mais do que resultado da reflorestação efectuada por D. Fernando.

Mais do que nas Necessidades, na Pena refletem-se as origens alemãs de D. Fernando, quer no que se refere a um imaginário dominado por florestas e bosques junto a montanhas e jardins, como Sanspareil, quer nas referências intelectuais do romantismo. O paralelo entre a Pena e “As Afinidades Electivas” de Goethe é estabelecido por Teresa Andresen , verificando-se uma assinalável 176

semelhança entre o jardim construído e descrito, particularmente em elementos como o Templo das Colunas ou o Chalet da Condessa. No seu ecletismo e aparente confusão de estilos, a Pena surge como uma obra profundamente intelectualizada, dentro dos ideais românticos de D. Fernando que imagina, cria e concretiza a obra.

“Os jardins das Necessidades foram um balão de ensaio para esta obra, o local onde D.Fernando fez as primeiras experiências de jardim inglês vistas em Portugal, implantou plantas exóticas e revolucionou a relação com a paisagem que o Homem português detinha. No Parque da Pena esta concepção foi enfatizada, a Pena é a obra de um sonhador, de um visionário, mas é também uma obra profundamente culta e literária, com forte apoio de uma corrente artística.” 177

A obra da Pena é o espelho de uma personalidade ímpar na cultura portuguesa, o seu Rei-Artista, D. Fernando II, que aqui cria o maior exemplo do romantismo em Portugal e um dos mais fascinantes jardins do país. A revolução estética iniciada com o jardim inglês têm aqui o culminar da sua vertente romântica. A forma como são aproveitadas as potencialidades do local - com a colocação do palácio no topo de uma alta colina, dominando todas as redondezas - outrora agreste e inóspito, o traçado dos caminhos adaptando-se ao terreno existente e as espécies exóticas escolhidas revelam uma mestria que, apesar de todas as colaborações com que poderá ter contado, temos de atribuir a D. Fernando II. Este apuro foi conseguido também graças aos trabalhos efectuados nas Necessidade - projecto ao qual a Pena está ligada indissociavelmente - onde num espaço mais contido foram experimentadas muitas das soluções utilizadas na Pena ao nível dos materiais, da aclimatação da vegetação e do traçado do jardim. As pré-existências e a área reduzida não permitiram que nas Necessidades fosse expresso o sonho do rei, que reservou para a Pena a concretização dos ideais românticos. 
178

Richard Strauss, cit. por Sousa, Tude M., Mosteiro, Palácio e Parque da Pena, Sintra Gráfica, Sintra, 1950, p. 57

175

M. Teresa L. Andresen, “Parque da Pena: o significado e uma proposta de intervenção”, in 1º Congresso de Arquitectura

176

Paisagista, Lisboa, 1998

João Albuquerque Carreiras, op. cit., 1999, p.42

177

José Augusto França, O Romantismo em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1993

No documento Jardins do liberalismo: Portugal e Brasil (páginas 52-54)