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Participação na resolução de conflito na África Austral

Foi no território cabo-verdiano que decorreu diversos e importantes encontros durante aproximadamente cinco anos entre os líderes políticos de vários países no intuído de conseguir a paz para a região da África Austral. O aeroporto internacional da ilha do Sal que esteve em causa no relacionamento entre os dirigentes do arquipélago e alguns líderes políticos da região africana acabou por servir de palco para importantes encontros de negociações para a paz na região. A título de exemplo, enumeram-se alguns encontros importantes em que os governantes cabo-verdianos serviram de mediadores e que tiveram lugar em Cabo Verde:

 No dia 8 de Dezembro de 1982, os membros do Governo angolano e sul- africano reuniram-se na ilha do Sal para discutirem o cessar-fogo entre os dois países, mas não chegaram a um consenso e ficou agendado mais encontros para o efeito;

 No dia 20 de Dezembro de 1983, o Presidente da República de Cabo Verde, Aristides Maria Pereira, foi designado pelos Chefes de Estado presentes em Bissau na IV Conferência dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa

1 Discurso do então Primeiro-ministro Pedro Pires na VI Conferência dos Chefes de Estado e de Governo dos países não - alinhados que decorreu em Havana em 1979.

36 (PALOP) coordenador da acção político-diplomática dos cinco respeitantes a África Austral;

 No dia 19 de Janeiro de 1984, no intuito de dar continuidade às negociações de paz, uma delegação angolana, chefiada pelo vice-ministro das Relações Exteriores, Venâncio de Moura, reuniu-se na cidade do Mindelo em São Vicente com uma delegação norte-americana chefiada pelo Subsecretário de Estado para os assuntos africanos, Frank Wisner, e com o Ministro dos Negócios Estrangeiros sul-africano;

 No dia 23 de Fevereiro de 1984, novamente no Sal, a nível governamental, uma delegação angolana e outra sul-africana reencontraram-se para dar continuidade à discussão de cessar-fogo e, mais uma vez ficou adiado o consenso entre as partes;

 Entre os dias 22 e 25 de Julho de 1984, também em Mindelo, a South-West Africa People’s Organisation (SWAPO)2

, representada por Sam Nujoma, reuniu com Willie Van Nickerk, o administrador-geral na Namibia, sendo a primeira vez que a África do Sul aceitou discutir directamente com a SWAPO. Estiveram presentes neste encontro o Ministro do Interior da República Popular de Angola e o referido Subsecretário de Estado dos EUA para os assuntos africanos;

 Entre os dias 28 e 30 de Agosto de 1984, o Subsecretário de Estado Adjunto norte-americano para os assuntos africanos, Chester Crocker, fez uma visita de trabalho a Cabo Verde, cujo objectivo era inteirar sobre o processo de paz na África Austral junto dos dirigentes cabo-verdianos. Nessa visita o referido Subsecretário encontrou-se com o então Presidente da República Aristides Maria Pereira e com o Ministro dos Negócios Estrangeiros Silvino da Luz, onde abordaram a questão da evolução política na região africana e a forma de encontrar uma via pacífica para a solução do conflito na África Austral;

 No dia 30 de Outubro de 1984, o mesmo Subsecretário de Estado Adjunto norte-americano para os assuntos africanos encontra-se na ilha do Sal com o Ministro sul-africano dos Negócios Estrangeiros, R. Botha, a fim de discutir um

2 Foi uma organização do Sudoeste do povo da África que lançou uma guerrilha para atingir a independência da Namíbia, anteriormente denominada Sudoeste Africano.

37 conjunto de propostas sobre o processo de paz na África Austral apresentado por Angola aos Estados Unidos da América; e

 No dia 18 de Março de 1985, uma delegação norte-americana chefiada pelo supracitado subsecretário norte-americano e uma delegação angolana chefiada por Alexandre Rodrigues e Kito encontram-se no Mindelo para apreciar as posições sul-africanas à proposta global angolana.

Parece inquestionável que, dos encontros acima referidos que tiveram lugar no arquipélago cabo-verdiano com a participação dos dirigentes políticos do país, se conseguiu chegar a algum consenso entre as partes em conflito na região da África Austral, o que foi importante ou senão mesmo determinante para a resolução do conflito naquela região. Ficou patente o mérito dos dirigentes cabo-verdianos nas negociações entre as partes envolvidas no conflito na região, com especial destaque para o papel desempenhado pelo então Presidente da República Aristides Pereira. Com o envolvimento do país neste processo de procura de paz num conflito de extrema sensibilidade e complexidade, ficou demonstrado quão útil poderá ser o papel do arquipélago de Cabo Verde e os seus dirigentes na mediação dos eventuais problemas que possam surgir na região africana.

Estas intervenções de Cabo Verde a nível da região africana foram mais um teste da diplomacia cabo-verdiana que culminou com o reconhecimento internacional da importância do arquipélago e da capacidade dos seus dirigentes em contribuir para a resolução por via pacífica dos eventuais desentendimentos que possam ocorrer a nível da região.

A estratégia política do arquipélago em fazer passar como país não-alinhado desde os primeiros momentos após a sua independência foi preponderante no seu reconhecimento e estima por parte dos seus vizinhos do continente africano e não só. Daí que a nomeação do então Presidente cabo-verdiano, Aristides Pereira, para coordenar as acções político- diplomáticas dos cinco - POLOP no que concerne ao problema da África Austral, foi aceite com naturalidade por parte dos outros dirigentes africanos, o que traduziu no reconhecimento das suas qualidades perante os seus homólogos.

Não surpreendeu os meios diplomáticos e jornalísticos a escolha do Presidente de Cabo Verde para o desempenho dessa função. Uns e outros compreenderam tratar-se de uma opção pragmática e justa. Com ela reconhecia-se o valor do papel que esse pequeno país e o seu presidente, em particular, desempenham na dinâmica da paz na África Austral e confirmava- se que os seus pares consideravam que Aristides Pereira se encontrava particularmente bem colocado para prosseguir essa missão complexa e delicada” (Cardoso, 1986: 11).

38 Parece ter ficado suficientemente claro que, durante esse período, Cabo Verde desempenhou um papel importante na região africana com o seu princípio de não- alinhamento mitigado, o que não significa uma absoluta neutralidade ou indiferença perante acontecimentos importantes que são os ideários do próprio princípio de não- alinhamento. Ou seja, sempre que for necessário, em defesa da liberdade, da paz, da prosperidade, da justiça e da cooperação entre os povos, os dirigentes das ilhas não hesitaram em alinhar na defesa desses princípios:

Cabral via a filosofia de alinhamento assente em dois pilares fundamentais: a paz e a liberdade nacional. De um deles decorre a coexistência pacífica, a não ingerência – não tomar parte nas querelas ideológicas que dividem o Mundo. Por outro lado, numa necessidade vital de alinhamento – tomar, sem equívocos e livre para o fazermos, a qualquer posição que vise servir a dignidade, a emancipação e o progresso dos povos” (Cardoso, 1986: 15).

Pode dizer-se que Cabo Verde emergiu pouco a pouco do anonimato absoluto a que a sua pequenez, pobreza e a sua recente tomada de independência o haviam votado, graças a uma política interna séria e coerente e à política externa caracterizada pela firmeza dos seus princípios e constantemente virada para a paz e o diálogo. A notoriedade do arquipélago tornou-se mais evidente a partir da sua intervenção no processo de paz na África Austral em que os dirigentes aperceberam-se de que o país poderia sobreviver e tornar-se útil ao Mundo através da adopção consciente de uma política que privilegie a unidade nacional no plano interno e a legalidade no plano internacional.

A diplomacia externa cabo-verdiana durante a década de 80 do século passado foi submetida a intensas e delicadas provas de resistências nas suas relações externas, o que tem deixado algumas marcas de frieza no relacionamento com alguns países, sobretudo os do Bloco Ocidental. Um dos casos que marcou pela negativa o relacionamento entre o arquipélago e Londres foi a recusa de Cabo Verde em aceitar o pedido para que o navio ou aeronave da força naval inglesa aportasse no arquipélago durante a viagem para a retomada das ilhas Malvinas/Falklands, aquando da Guerra das Malvinas em 1982. Essa recusa causou enormes dificuldades às operações inglesas, sobretudo o impedimento de utilizar o aeroporto do Sal, uma vez que os seus aviões da Royal Air Force necessitavam de reabastecer ao meio do percurso, o que lhes propiciava uma operação mais segura. Situação essa que foi contornada com a permissão do Governo do Senegal para a utilização do aeroporto deste país.

Como já se referiu oportunamente, na década de 80 do século passado a pressão sobre os governantes das ilhas foi intensa. O conflito angolano também foi um dos que desgastou muito a diplomacia do arquipélago. Pois, Cabo Verde prestou apoio diplomático

39 aberto ao Governo angolano ao permitir a utilização do aeroporto internacional do Sal pelos aviões cubanos que transportavam militares e equipamentos entre Cuba/Luanda e Luanda/Cuba. O desgaste diplomático, com pressões sobre o arquipélago entre os anos 1981 e 1984, era de tal ordem, a ponto que os governantes angolanos e cubanos aperceberam-se desse sufoco e começaram a procurar alternativa noutros países da costa africana, mas sem sucesso.