2.3 Princípios de Qualidade no Jornalismo Infantil
2.3.1 Participação
A participação corresponde à inclusão e à expressão das crianças na mídia; um espaço
assegurado pela Convenção sobre os Direitos das Crianças, mas inexpressível nos meios de
comunicação. Ainda prevalece uma visão de inferioridade sobre a expressividade e a
produção infantil em relação à adulta, o que “contribui para calá-las e destituí-las do papel de
criadoras” (LEITE apud FERREIRA, 2007, p.648). Como já citado, as crianças são
percebidas como receptoras passivas tanto de informações midiáticas quanto dos valores
culturais na sociedade. Porém, conforme Cohn (2005, p.25), as crianças não são “seres
incompletos, treinando para a vida adulta, encenando papéis sociais”; mas têm “um papel
ativo na definição de sua própria condição”. Assim, promover a participação das crianças
significa um investimento na qualidade dos produtos jornalísticos; porque as reconhece como
atores sociais capazes de elaborar sentidos pela reconstrução da sua cultura (COHN, 2005).
Além de também contribuir para o desenvolvimento de sua cidadania, já que, conforme
Feilitzen (2002, p. 33), “fortalece a capacidade e a curiosidade da criança, dá-lhe uma visão
crítica da mídia, aumenta seu conhecimento da comunidade local e inspira ação social”.
Por outro lado, a participação dessas crianças não pode ser alegórica, como uma
marionete a fim de entreter e atrair as audiências infantis. Ela tem que exercer a função de
produtora dessas informações, superando a configuração tradicional do adulto que fala para a
criança. No caso, do jornalista que “se reveste de uma fantasia infantil, para narrar, em
linguagem que ele acredita ser próxima daquela da criança, o que ele entende ser temas [..]
lidos” por elas (DORETTO, 2014 p.63). Assim, segundo fala Cohn (2005, p.35), a distinção
está no fato de que os significados elaborados pelas crianças “não se confundem e nem podem
ser reproduzidos àqueles elaborados pelos adultos; as crianças têm autonomia cultural”. As
informações por elas produzidas não são inferiores ou erradas, mas simplesmente diferentes.
Mas além de participarem de um processo de produção, também devemos pensar que a
criança exerce um papel muito importante como fonte das informações. Partindo do fato de
que elas reconstroem sentidos em suas experiências (COHN, 2005), podemos também
percebê-las como produtoras de opinião a respeito de diferentes temas. Compreender isso
foge à convencional participação das crianças nas matérias jornalísticas, onde sua voz é
aproveitada como uma mera ilustração. Uma “incapacidade de se comunicar com as crianças,
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de vê-las como sujeitos sociais” (COHN, 2005, p.45). Dessa forma, mesmo que a criança não
seja uma especialista, sua expressão é fundamental para o entendimento de muitas questões.
Principalmente, porque, como parte de uma sociedade, a criança também está envolvida pelos
fatos e problemática que a compõem.
Junto a isso, cabe a necessidade de respeitar a Autonomia das crianças durante a
produção, ou seja, a sua liberdade para se expressar sobre os temas. O que muitas vezes acaba
acontecendo é um controle, pela mídia, da fala das crianças; seja por preocupações com a
clareza da informação; seja por interesses editoriais. Porém, segundo o que defende Feilitzen
(2002, p.34), devemos “permitir a elas que falem por si mesmas, em seus próprios termos”;
principalmente se enfocamos uma informação de qualidade. Ao invés da mídia controlar a
expressão da criança, o ideal seria que elas fossem previamente informadas sobre “como a
mídia opera e qual o papel [...] em suas vidas.” (JEMPSON, 2006, p.133) Com isso, elas
estariam cientes sobre o que se espera no processo de produção, podendo também expressar
sua autonomia.
Porém, tratando de participação infantil, a cultura reproduzida pela mídia “ignora
experiências de desigualdade econômica e vivências da opressão sofrida por muitas crianças”
(Steinberg; Kincheloe, 2004, p. 43). Ou seja, em meio a essa inexpressiva participação, a
presença de crianças pobres e de minorias é muito mais inexpressiva, mesmo que elas
precisem “tanto quanto as outras de informação, diversão e subsídios para não apenas terem
opinião, mas para terem oportunidades diante das diferentes dificuldades que enfrentam”
(VARGAS, 2010, p. 33). Culturas cujos valores divirjam da nossa sociedade branca ocidental
também estão ausentes na mídia; tendo, nos escassos casos de representação, suas
diversidades niveladas. Conforme fala Block (2004, 245), trata-se de uma representação
“monocultural e sem falhas, embora algumas vezes as práticas entre culturas difiram”.
Partindo disso, promover uma diversidade de participação nos produtos jornalísticos infantis
tem seus efeitos qualificadores, já que torna as representações midiáticas mais realistas e
acessíveis a essa diversidade de atores sociais. É o que reforça Dorneles (apud BRANCHER,
2007, p.7) ao comentar que não devemos “continuar a falar-se de infância, mas de infâncias,
assumindo-se que ela varia de cultura para cultura, de sociedade para sociedade, e mesmo
dentro de grupos aparentemente uniformes”.
Por fim, tratando-se da participação infantil nos meios de comunicação, é válido
abordamos a qualidade pela interação. Conforme autores como Vittadini (apud
MIELNICZUK, 2000 p. 2), tal conceito envolve um campo de ação onde sujeitos podem
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entrar em contato entre si, sendo capazes de “influir no sucessivo desenvolvimento da
interação determinando-o com sua atuação”. Ou seja, partindo dos meios de comunicação, ela
seria resultado de premissas, que adotadas, permitiriam certa participação e influência do
receptor sobre os conteúdos. Porém, devemos ter claro que a noção de interação não
corresponde ao que é normalmente difundido pelas mídias, na qual a participação é restrita a
um número determinado de opções. Mas sim que se trata de um feedback¹ do receptor, capaz
de influenciar no processo de produção. Além disso, a interação é processo que se desenvolve
em maior ou menor grau dependendo da mídia, podendo atingir o que se conceituou chamar
de Interatividade: uma capacidade de influência e ação igualitária, melhor percebida no meio
digital, onde emissor e receptor atuam na construção dos conteúdos (MIELNICZUK, 2004).
Dessa forma, a noção de Interação, pensada para o jornalismo infantil em diversos suportes,
pode favorecer a qualidade nesses produtos a partir da possibilidade de participação do seu
público.
No documento
Qualidade no jornalismo infantil: estudo do programa TV Piá da TV Brasil
(páginas 40-42)