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CAPÍTULO III AS LUTAS POPULARES COMO VETORES DOS NOVOS

4.1 A FALA DO VIVIDO: DOS PAPÉIS DAS REPRESENTAÇÕES

4.1.2 Participação e voz do vivido

Tendo em mente que a participação política (cidadã) não se restringe apenas à presença física, como um simples espectador, mas ao direito à voz, a opinar no sentido de influenciar as decisões e realizações, contribuindo, de fato, no que está sendo abordado, nas ações da administração da cidade (o Orçamento Participativo, por exemplo), principalmente, quando se referem ao lugar do nosso cotidiano, é que, com isso em mente, procuramos identificar se existe alguma participação das entidades no Orçamento Participativo, nas reuniões da Comissão de Urbanização e Legalização da Posse da Terra (COMUL), no Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS) e no relacionamento com alguns Conselheiros de Conselhos Setoriais.

Foi apontado que há uma grande participação das representantes das entidades locais, em todas as etapas ou ciclo do Orçamento Participativo, com um percentual superior a 65%, sendo que, quando as plenárias regional e intermediária são realizadas mais próximas da área destas, os índices indicados aumentam acima de 78% e 73%, respectivamente. Esse aumento revela o quanto o baixo poder aquisitivo dessas líderes e o custo dos transportes podem inibir a participação.

O resultado se reverte quando dezessete das entrevistas (73,91%) alegam não ter influências pelo Orçamento Participativo para formarem alianças. Não foi uma surpresa, considerando a história da formação da comunidade (1981—82) e observando o quadro das datas de fundação das entidades (ver quadro 1), todas bem anteriores à implantação desse modelo de gestão (implantado em 2001).

Pois na cidade do Recife, na gestão do prefeito Jarbas Vasconcelos (1993/96), já houve um programa de participação popular11, como podemos verificar na fala de uma líder comunitária: “Não. Porque já tinha na época que Jarbas criou a prefeitura nos bairros, foi aonde às entidades mais se conheceram, e aí, a gente tem essa articulação, dessa época, desses encontros.” [Entrevista, n. 10, 24/11/2003]. Entretanto, acreditamos que as reuniões do atual Orçamento Participativo diferem do realizado na gestão do prefeito Jarbas, por serem mais abrangentes (como veremos no item 4.1.4 adiante), podendo contribuir para revigorar as articulações e mobilizações nas reivindicações futuras.

No que se refere à Comissão de Urbanização e Legalização da Posse da Terra — COMUL — e ao Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social — PREZEIS — as entrevistadas apontaram conhecer a COMUL com vinte (86,86%) e o PREZEIS com dezenove das indicações, 82,61%.

Quanto à participação nas reuniões da COMUL, só doze (52,17%) confirmaram; apresentando-se mais grave quando se refere ao Fórum do PREZEIS, com apenas oito das entrevistadas, 34,78%. Acreditamos que este relativo desinteresse decorre do fato que, tanto a população, como também as entrevistadas já conquistaram os seus imóveis em 1981-82 (como vimos no capítulo anterior), mesmo faltando a posse definitiva, pois possuem apenas as benfeitorias. Além das novas invasões nas margens do rio Beberibe e nos canais que limitam a área de estudo — Riacho Jacarezinho e canal do Arruda — não apresentarem as mesmas iniciativas de organização dos grupos passados.

11 Sobre o modelo de Orçamento Participativo na gestão do prefeito Jarbas Vasconcelos, ver o trabalho da profª.

Na mesma direção da COMUL e do PREZEIS, caminha o relacionamento com Conselheiros de Conselhos Setoriais. Os maiores destaques foram para as Secretarias de Saúde e de Educação do Município do Recife, com quinze (65,22%) e quatorze (60,87%) das entrevistas afirmativas, respectivamente; os demais conselhos setoriais ficaram abaixo de 27%. Percebemos um certo desconhecimento por parte de algumas lideranças entrevistadas do papel dessa nova modalidade de representação e participação da sociedade civil.

Os conselhos são órgãos de mediação entre população e poderes; alguns surgidos a partir de iniciativa da sociedade civil, outros de decretos governamentais e também, por exigências constitucionais, por exemplo, os Conselhos da Criança e Adolescente; Conselhos Tutelares — também de Crianças e Adolescentes etc.

Para Maria da Glória Gohn, esses:

“Conselhos gestores são importantes porque são fruto de lutas e demandas populares e de pressões da sociedade civil pela redemocratização do país. (...). As novas estruturas inserem-se na esfera pública e, por força de lei, integram-se com os órgãos públicos vinculados ao poder Executivo, voltados para políticas específicas, responsáveis pela assessoria e suporte ao funcionamento das áreas onde atuam. Eles são compostos, portanto, por representantes do poder público e da sociedade civil organizada.

Os gestores são diferentes dos conselhos comunitários populares (...) ou dos novos fóruns civis não-governamentais, porque estes últimos são compostos exclusivamente de representantes da sociedade civil, cujo poder reside na força da mobilização e da pressão e, usualmente, não possuem assento institucionalizado junto ao poder público. (...) são diferentes também dos conselhos de ‘notáveis’ existentes em algumas áreas do governo — como educação, saúde etc. — pelo fato de eles serem formas de assessoria especializadas e incidirem na gestão pública de forma indireta.” [2001a, p. 84-85].

Posição apontada também por Orlando Alves dos Santos Junior, quando coloca que os conselhos materializam os artigos da Constituição Federal de 1988, que estabelecem essa participação12. Sendo estes instituídos em âmbito federal, passam a ser obrigatórios em todos

12 Orlando Alves dos SANTOS JUNIOR, destaca que estar “presente em diversos capítulos: na saúde, com ‘participação da comunidade’(inciso III, art. 198); na assistência social, com ‘participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e controle das ações em todos os níveis’ de governo (inciso II; art. 204); e na educação, com ‘gestão democrática do ensino público’ (inciso VI; art. 206).”

os níveis de governo, vinculados ao repasse de recursos do governo federal para os governos estaduais e municipais [2001, p. 202], com caráter deliberativo e paritário.

Entretanto, Maria da Glória Gohn, alerta que “apesar disso, vários pareceres oficiais têm assinalado e reafirmado o caráter apenas consultivo dos conselhos, restringindo suas ações ao campo da opinião, da consulta e do aconselhamento, sem poder de decisão ou deliberação” [Op. cit. p. 88].

A referida autora chama ainda à atenção dizendo, “É preciso, portanto, que se reafirme em todas as instâncias seu caráter essencialmente deliberativo, porque a opinião apenas não basta.” [Idem]. E continua:

“Nos municípios sem tradição organizativo-associativa, os conselhos têm sido apenas uma realidade jurídico-formal, e muitas vezes um instrumento a mais nas mãos dos prefeitos e das elites, falando em nome da comunidade, como seus representantes oficiais, não atendendo minimamente aos objetivos de se tornarem mecanismos de controle e fiscalização dos negócios públicos.” [Idem, p. 88-89].

No que se refere ao “Programa de Saúde da Família” e as “Ações da EMLURB13” no bairro, as entidades entrevistadas apontaram o primeiro como regular com onze das indicações, 47,83%, seguido de bom com sete (30,43%) e só 17,39% que correspondem a quatro indicações como ruim.

Existe uma contradição em relação à questão que solicitava as entrevistadas, indicarem as melhorias que elas mais reivindicam (ver saúde no item 4.1.1). Para nós, tais resultados vêm apenas mostrar que, apesar da área se apresentar em “vantagem” quando comparada com os demais setores do município, a saúde ainda é um dos principais problemas não resolvidos, tanto na cidade do Recife, como em nível nacional.

No que se referem às ações da EMLURB correspondentes à coleta do lixo, às limpezas dos canais e às limpezas de galerias e capinação, as entrevistas indicam que mais de 69% estão satisfeitos com os serviços prestados pela mesma, como percebemos na fala de um líder entrevistado, “temos uma coleta de lixo diariamente, fora o domingo. Mas de segunda a sábado, todo dia passa, (...) é só amarrar no saquinho e botar na frente de casa, certo.” [Entrevista, 20, 12/12/2003]. Ficando a limpeza de galerias e capinação com onze, 47,83%,

no conceito bom, e as limpezas dos canais como sendo o pior serviço prestado à população local, sendo avaliado por dez entrevistadas, 43,47%, como ruim. Essa avaliação relaciona-se com o fato das enchentes do riacho Jacarezinho permanecerem sem solução, como aponta um líder entrevistado, “... com a ajuda do PROMETRÓPOLE, vai beneficiar muita coisa, inclusive esse canal mesmo, Jacarezinho, tá entendendo, se ele for aberto, vai acabar a maior bronca da comunidade.” [Entrevista, n. 5, 22/11/2003].

É necessário que certas obras emergenciais de infra-estrutura, sejam feitas pela iniciativa do próprio gestor, sem aguardar pela votação no Orçamento Participativo, pois nem a participação e nem a consciência política da população refletem as reais necessidades dos mesmos, como também, não aguardar por projetos como o PROMETRÓPOLE, como vem ocorrendo na área de nosso estudo (que já vai com aproximadamente cinco anos para concretizar-se. Além deste, incorporaram-se outros projetos mais antigos, como exemplo: o Projeto Nassau14), segundo um líder comunitário.

Foi apontado por dezesseis das entidades entrevistadas, 69,57%, terem algum relacionamento com a EMLURB e com o OP através de ofício, cobrando execução de alguns serviços (cinco indicações); seguido de reuniões com os órgãos com quatro indicações e por último com duas indicações a utilização dos postos de saúde.

Foi também indicada a participação e consulta das entidades quando da realização de obras na localidade. Ambas foram afirmativas com treze (56,52%) e dezesseis (69,57%), respectivamente; tendo como forma de participação nas reuniões para ver as propostas e escolhê-las (cinco), participando de reuniões para dar sugestões (duas indicações) e verificando os trabalhos (obras) de perto (duas) entre os demais com uma indicação.

Seguindo está linha, foi apontado por dezenove das lideranças, 82,61%, que tanto a população como sua representação tem sido consultada referente ao programa PROMETRÓPOLE, e que esta consulta foi realizada pela Prefeitura e governo do Estado com dezesseis (69,56%) e nove (39,13%), respectivamente.

Os resultados dos vários questionamentos acima indicam que na área em estudo, existe um “bom” relacionamento e participação das representações da população local com os diversos órgãos dos gestores, na busca de soluções dos problemas, confirmando a mudança

14 Em conversa com a secretária da gerente geral do programa PRPOMETRÓPOLE, em 11/08/2004, ela

confirmou o tempo de existência do programa dado pelo líder comunitário, e informou que o mesmo foi efetivado em 23/07/2003 pela Secretaria de Assuntos Internacionais — SEAIN. Mas discorda da incorporação do citado projeto pelo PROMETRÓPOLE, segundo ela, o projeto incorporado foi o PQA — Programa Qualidade das Águas.

nas estratégias de relacionamento dos movimentos de bairros com os órgãos públicos na década de 1980, utilizando-se agora da parceria, como já destacamos.

Já os papéis das lideranças do bairro no projeto PROMETRÓPOLE são, ao nosso ver, uma fração da participação destas na contribuição à administração da cidade. Sendo assim, para compreensão desse processo, utilizaremos as próprias falas das entrevistadas. Entretanto, destacaremos as falas que representam os grupos mais representativos.

Segundo as entrevistadas, os papéis das lideranças local no PROMETRÓPOLE são: participar, a ajudar com a comunidade, acompanhar os trabalhos, lutar para conseguir as melhorias, conscientizar o povo para melhoria da comunidade etc., como percebemos das falas abaixo:

“Eles fazem reunião às vezes. O papel da gente, né, assim que eles comunicam, vir para comunidade, né, marca a reunião com a gente. A gente participa junto com ele na comunidade. Mas tem aquele problema também, que é, digo a você, pensa que não, ele já tem decidido lá, a gente (eles) vai fazer isso, isso, isso. Tem de faz isso... [Entrevista, n. 1, 09/11/2003].

Eu acho que o papel das lideranças no PROMETRÓPOLE deve ser de participação direta e constante, porque a gente precisa fiscalizar, né, monitorar essa questão do PROMETRÓPOLE, na comunidade, para que a gente não seja novamente enganado, porque, muitas vezes, as obras começam e não terminam por falta até de acompanhamento das próprias lideranças da comunidade. [Entrevista, n. 11, 30/11/2003].

Muitos estão envolvidos lutando para conseguir as melhorias desse povo: moradia, saneamento, né. [Entrevista, n. 12, 30/11/2003].

É se formar e transmitir essa informação e, é falho em algumas lideranças por não trazer essa informação. [Entrevista, n. 13, 1/12/2003].

É conscientizar o povo, certo. Conscientizar o povo na melhoria que o PROMETRÓPOLE vai trazer para a comunidade no caso de ser realizado; ainda tem muitas águas rolando por aí. [Entrevista, n. 20, 12/12/2003].

Eu acho que é de fundamental importância, porque, principalmente, para os lideres comunitários que tenha uma visão maior de todo da comunidade, (...) e talvez o morador em si não tem.” [Entrevista, n. 7, 24/11/2003].

Quando indagamos: (a participação das entidades contribui para a administração da cidade?). Alguns apontaram que, quando a comunidade está envolvida, participando das assembléias, dos fóruns etc, ou discutindo e votando, está ajudando a cidade, como observamos nas falas abaixo:

“Quando nós estamos discutindo a saúde, nós estamos discutindo habitação, nós estamos discutindo violência contra a mulher, nós estamos construindo uma grande coisa para cidade. Nós estamos participando de feiras, nós estamos trazendo retorno para a comunidade. Também, as pessoas estão lá vendendo seus produtos; eu acho, é, tão participando, tão colaborando. [Entrevista, n. 13, 1/12/2003].

Eu fiquei admirado a contribuição que a gente, por exemplo: olhando o quadro do Desperta Povo, por exemplo, hoje todo elemento que participou da cúpula do Desperta Povo no início, umas dez pessoas, hoje são tudo liderança, são pessoas que se formaram em pedagogia, outros estão aí criando associações, outros criando grupos de meio ambiente; outra coisa também, a maior contribuição daquilo foi organizar a população para a sua luta. [Entrevista, n. 6, 22/11/2003].

Tem tanta coisa que a gente pode acrescentar, pelo menos discutir, sempre discute com a comunidade, com o grupo; todos os times da localidade se reúnem para trazer um projeto melhor para nossa comunidade. Desenvolver o esporte e o lazer de nossa comunidade. Se ele aceitar nossas opiniões, a gente tem muito a contribuir com certeza.” [Entrevista, n. 17, 7/12/2003]. As falas acima, mesmo de forma indireta, deixam claras as contribuições das representações na administração da cidade. Entretanto, outros alegam que não conseguem acrescentar nada, pois as coisas já vêm decididas pelo gestor, como vemos nas falas a seguir:

Eles trazem as coisas para a comunidade, eles às vezes não comunicam as pessoas; a gente já discutiu isso, esse problema do Prometrópole. Então fica por fora, muitas coisas que eles fazem, eles fazem a administração deles lá. Quando chega, a gente (eles) vai fazer isso, isso, isso, então fica um pouco, a gente não participa muito das ações deles. Não é porque a gente não se interessa, é porque as coisas já vêm decididas por eles. Eles não querem se unir com a pessoa, para a pessoa dizer tem de fazer isso aqui.” [Entrevista, 1, 09/11/2003].

Diante do exposto acima, temos a impressão que, quando é conveniente para o gestor escutar e aceitar a participação das lideranças, há uma aceitação por este, caso contrário não.

Nesta mesma linha, apontam os dados referentes à influência da participação das entidades nas decisões e/ou realizações do gestor público, observando-se um certo equilíbrio, com treze entrevistadas (56,52%) afirmando que, sim, havia influência; contra dez (43,48%) que disseram que não.

Já os exemplos mostram-nos uma certa necessidade de estratégias das entidades para poder influenciar nas decisões e ou realizações, como percebemos nas falas abaixo:

“Quando vai fazer uma obra que a gente não concorda que seja daquela forma, não é isso. Agora mesmo, agora pouco tivemos um exemplo aqui, aonde tinha uma construtora a Novo Rio, sei lá, que entrou aqui e não tava respondendo às expectativas da comunidade. Nós nos organizamos é, junto às outras lideranças e até negociamos com a URB até a empresa ser tirada. Porque vimos, ela não tava contribuindo de acordo. Tivemos acordados com a EMLURB, com a URB na parte de saneamento, isso é um exemplo. [Entrevista, n. 20, 12/12/2003].

Saneamento básico de Aderbal Jurema, Posto de Saúde e Terminal de ônibus. Quando vai, a gente vai para uma assembléia, vai ter uma plenária, a gente não vai só. A gente vai com quê? A gente vai logo com cartaz, faixa, não só cartaz, tudinho, reivindica, de lá às vezes tem um político, dois, três, vai para votação e a gente consegue através de quê? Junto com as outras lideranças comunitárias e a comunidade, que a liderança comunitária não pode só conseguir, tem que ser junto com a comunidade. [Entrevistada, n. 1, 9/11/2003].

Nessa gestão mesmo, a gente tem reivindicado muito a participação em alguns eventos, e a gente tem conseguido, principalmente, eventos culturais que antigamente, por exemplo, hoje é, falando em quanto Daruê, hoje o Daruê, desde essa gestão entrou, o Daruê faz parte da programação do carnaval da cidade. Eu existo, a instituição existe há quinze anos, a gente nunca tinha participado em nenhuma programação do carnaval da cidade, e a gente faz carnaval desde do início do trabalho, entendeu.” [Entrevista, n. 7, 24/11/2003].

Diante do exposto, vimos que, com a pressão e a mobilização de forças é possível influenciar a gestão. A participação popular contribui quando fiscaliza obras públicas, como foi o caso supracitado, evitando que empresas sem condições de realizar determinados

serviços, desperdicem o dinheiro público, prejudicando a população local; outrossim, tais posturas materializam a cidadania.

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