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Conforme mencionamos na seção anterior, optamos por trabalhar com pessoas surdas que necessariamente utilizassem a LS como meio principal de comunicação, nos mais diversos âmbitos da sua vida, e que fossem de fácil acesso à pesquisadora.

Foram selecionadas, inicialmente, três pessoas que se encaixaram no perfil de colaboradores que traçamos para este estudo: duas mestrandas do programa de Pós- Graduação em Linguística da Universidade de Brasília (PPGL/UnB) e uma professora efetiva do curso de graduação em Letras – Língua de Sinais Brasileira/Português como Segunda Língua, ofertado pela UnB.16 Posteriormente, contamos, também com a colaboração de mais uma participante surda, mestranda do PPGL/UnB e professora de LSB no Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT).17

A seguir, apresentamos as descrições das participantes deste estudo, com base nos questionários sociolinguísticos respondidos e que se encontram disponíveis nos Apêndices desta tese. Para os fins de preservação da identidade das participantes, neste trabalho referimo-nos a elas por um número, correspondente à ordem de coleta dos dados, seguido pela letra inicial do nome da participante.

2.2.1 Participante 1R

A participante 1R, aluna do curso de Mestrado em Linguística na UnB, é professora efetiva de Língua de Sinais Brasileira (LSB) na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

15 Agradecemos às tradutoras-intérpretes de Língua de Sinais Brasileira da Universidade de Brasília

(TILS/UnB), por contribuírem, de modo tão paciente e generoso, para que pudéssemos aprimorar o nosso método de coleta de dados, guiado por imagens.

16

Cabe ressaltar que as participantes alunas do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UnB, ao final da produção desta tese, já concluíram o seu curso, em nível de Mestrado.

17 Esclarecemos que essa participante, em específico, apresenta surdez bilateral profunda, e, apesar de ser

oralizada (denominação dada aos surdos congênitos ou adquiridos que utilizam qualquer língua oral para se comunicar), utiliza a LSB como meio principal de comunicação. Não sabemos, ao certo, se e o quanto de interferência da estrutura da língua portuguesa pode haver na produção linguística em LS dessa participante, mas partimos do pressuposto de que, como falante da LSB, ela produza sentenças perfeitamente gramaticais nessa língua. No caso dessa participante, em específico, a língua portuguesa, em suas modalidades oral e escrita, é por ela utilizada em contextos de interação com pessoas ouvintes e não falantes de LSB.

Segundo a participante, sua audiometria revela uma perda auditiva bilateral de 90% e ela se identifica como pessoa surda.18 Dessa forma, a LSB é a sua língua materna e, quando necessário, a Língua Portuguesa (LP), na sua modalidade escrita, é utilizada como segunda língua. Apesar de haver alguns desvios gramaticais na escrita em LP das suas respostas à entrevista, esses não comprometeram a sua comunicação nessa língua com os ouvintes.19

Como a LP é a sua segunda língua, a participante salienta a importância de as pessoas surdas terem fluência nessa língua para se comunicar com a maioria da população brasileira, que é de ouvintes, garantindo, inclusive, o seu acesso à saúde, educação e demais serviços públicos (o que não tira a responsabilidade das pessoas ouvintes de adquirir a LSB como segunda língua, uma vez que se trata de uma língua reconhecida pela legislação brasileira como sendo a língua de comunicação dos surdos, que lhes permite o acesso à cidadania e à inclusão social e linguística). Contudo, a participante relata se comunicar, prioritariamente, por meio da LSB.

2.2.2 Participante 2C

A participante 2C, aluna do curso de Mestrado em Linguística na UnB, é professora do Magistério Superior na mesma universidade.

Segundo a participante, o seu exame de audiometria detectou uma surdez bilateral profunda e ela se identifica como pessoa surda. Apesar de não se considerar proficiente na modalidade escrita da LP, não encontramos muitos desvios gramaticais em suas respostas às perguntas da entrevista. Entretanto, um certo desconforto na utilização da LP escrita é enfatizado quando a participante afirma não ser oralizada, por não se sentir confortável em se submeter a esse processo.20

18 Audiometria é um exame que avalia a capacidade do paciente para ouvir e interpretar sons e detecta

possíveis alterações auditivas. Apesar de os exames audiométricos revelarem perdas auditivas, não é óbvio que a pessoa com esse quadro se identifique como pessoa surda. Estudos sobre cultura e identidade surda mostram que muitas pessoas, apesar de apresentarem quadros desse tipo, não se identificam como pessoas surdas (ver Moura ( 2000 ), Felipe e Monteiro ( 2001) e Skliar ( 2001), entre outros).

19

Não tratamos mais detalhadamente das estruturas escritas em LP pelas participantes, uma vez que esse não é o foco deste estudo.

20 Na área dos estudos sobre a surdez, muitas questões são bastante delicadas e nada pacíficas entre os

estudiosos. Alguns grupos defendem a oralização como forma de inclusão social dos surdos no mundo ouvinte. Contudo, essa visão é fortemente contestada por outros grupos, que defendem que, historicamente, essa prática envolve processos extremamente longos e cansativos que não garantem aos surdos profundos uma proficiência na fala e na leitura labial, além de terem um caráter preconceituoso, provindo de uma visão patológica da surdez, que promove a dominação e a subjugação linguística, identitária e cultural dos surdos pelos ouvintes. Sobre essas questões, ver Stokoe ( 1960), Moura ( 2000 ), Felipe e Monteiro ( 2001), Skliar ( 2001), Goldfeld ( 2002), Pereira et al. ( 2011).

Quando questionada se considerava a LSB como sua língua materna, apesar de apresentar um quadro de surdez severa, de se identificar como pessoa surda e de utilizar a LSB como meio principal de comunicação, a participante diz que “não, era pequena que eu usava ser gestual e mimica da minha língua materna porque não tinha lei de libras”. Consideramos que esses usos que ela qualifica como de gestos e mímica correspondem a estágios iniciais da LSB, que deve ser compreendida como a sua língua materna.

2.2.3 Participante 3F

A participante 3F, professora do Magistério Superior na Universidade de Brasília, também é aluna do curso de Mestrado na mesma universidade. O seu exame de audiometria revela um quadro de surdez bilateral profunda total e ela se identifica como pessoa surda, cuja língua principal utilizada na sua comunicação é a LSB.

A participante afirma ter proficiência na modalidade escrita da LP, apresentando apenas poucas inadequações coesivas nos textos escritos das suas respostas à entrevista – nada que interfira na sua comunicação. Ela diz não ser oralizada, por não se sentir confortável com esse processo, uma vez que, apresentando surdez total, não consegue ouvir nenhum som emitido pela sua voz, fator apontado como dificultador do processo.

Assim como a participante 2C, a participante 3F não compreende a LSB como sua língua materna, uma vez que, segundo a sua perspectiva, utilizava basicamente de mímicas e gestos caseiros para se comunicar durante a sua infância, além de não haver, à época, uma legislação sobre essa língua.21

2.2.4 Participante 4S

A participante 4S, aluna do curso de Mestrado em Linguística na UnB, é professora de LSB no Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT). O exame audiométrico dessa participante revela um quadro de surdez bilateral profunda e ela se identifica como pessoa surda.

21 Devido ainda à falta de conhecimento sobre o estatuto linguístico das LS, no geral, as famílias rejeitam

o acesso das crianças surdas a essa modalidade linguística. Assim, por não conseguirem ouvir e se comunicar por meio de uma língua oral, criam-se os chamados “gestos caseiros”, que, apresentando certo nível de estrutura – bastante simplificado, se comparado às línguas naturais –, servem como meio de comunicação entre a família e a criança. Sobre esse tema, ver Quadros e Pizzio ( 2007) e Quadros ( 2012).

Diferentemente das demais, a participante é oralizada e afirma utilizar a LSB e a modalidade oral da LP como os dois meios principais de comunicação. Contudo, não se considera proficiente na modalidade escrita da LP. Assim como as últimas duas participantes, a participante 4S, por ter adquirido a LSB tardiamente, aos 18 anos de idade, não considera a LS como sua língua materna, por não a ter adquirido desde os primeiros anos de vida. Mesmo assim, consideramos que, apesar de a LS ter sido adquirida pela participante tardiamente, ela continua sendo a sua língua materna, uma vez que é a que atende ao canal mais apropriado para o input linguístico no caso dos surdos.