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2 BALIZANDO OS LIMITES: FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

2.2 F UNDAMENTOS TEÓRICO METODOLÓGICOS

2.2.3 Particularidade e totalidade

Ao lidar com o método marxiano, outra questão deve ser levada em consideração é a relação entre particularidade e totalidade. Nesta pesquisa, a dimensão do particular deve ser compreendida como o objeto que foi investigado, enquanto que a totalidade é a forma de reprodução do modo de produção capitalista. Compreende-se que tal relação já estava posta por Marx conforme pôde ser visto principalmente nos Grundrisse (2011), quando apresentou sua crítica à economia política, defendendo o que ele considerava como o “método científico correto”31. Em outra obra de Marx, Crítica à Filosofia do Direito de Hegel (2010b), também já

estava posta essa questão na crítica com relação ao idealismo hegeliano, assim como n’O Capital (1996), que é considerado uma de suas principais obras. Nesse último, especificamente, iniciou sua avaliação da mercadoria. Os economistas políticos defendiam que a coleção dessas representaria a riqueza da sociedade, todavia, Marx compreende que a mercadoria deve ser vista apenas como uma aparência materializada das relações capitalistas, que escondem e camuflam por trás de sua aparência objetiva uma totalidade das relações sociais.

Lukács possuía uma preocupação com relação ao método marxiano, e em especial com a relação entre essência x aparência e particularidade x totalidade, que já estava posta em uma de suas primeiras obras, História e consciência de classe, quando delineou a defesa do que ele chamou de “marxismo ortodoxo”. Para o autor, o chamado “marxismo ortodoxo” não significaria o reconhecimento acrítico dos resultados da investigação de Marx e tampouco uma “fé” ou uma interpretação de sua obra como uma “escritura sagrada”, mas, caberia retomar os

30 “Daí resulta que se a essência humana é concebida como trabalho oposto ao trabalho alienado, isto é, como

trabalho criador que implica no homem reconhecer-se em seus produtos, em sua própria atividade e nas relações que contrai com os demais, essa essência humana, que é negada realmente, efetivamente, nunca se realizou na existência do homem, razão pela qual aparece, ao longo da história, divorciada da sua existência” (VÁZQUEZ, 2007, p. 402).

31 O caminho desse método já foi exposto na seção 2.2.1, deveria partir do concreto, abstrair-se, para em seguida

princípios do método desenvolvido por Marx possibilitando o desenvolvimento de uma ferramenta de análise que permitisse “não sucumbir à aparência social produzida, e [...] ver a essência detrás da aparência” (LUKÁCS, 2013a, p. 95).

A relação entre essência e aparência é sempre dialética, isto porque “o fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só de um modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos” (KOSIK, 1995, p. 15). Com isso, torna-se necessária a atividade de investigação científica, uma vez que o mundo real é oculto pela pseudoconcreticidade e que converte a totalidade como algo “inalcançável”. Isso significa que “destruição da pseudoconcreticidade não [é] nega[r] a existência ou a objetividade daqueles fenômenos, mas destr[uir] a sua pretensa independência, demonstrando o seu caráter mediato e apresentado, contra sua pretensa independência, prova do seu caráter derivado” (KOSIK, 1995, p. 16).

A relação dialética entre essência e aparência é também uma relação entre o universal e o particular, pois é a manifestação concreta em determinada realidade histórica e social. Assim, é necessário, segundo o método marxiano, esclarecer concretamente a relação entre determinado fenômeno social com uma determinada estrutura econômica, pois assim é possível descobrir em que medida e em quais direções as transformações históricas modificam as particularidades (LUKÁCS, 1978). Isso significa que todos os fenômenos sociais – no caso desta pesquisa, a forma de contratação terceirizada ‒ não devem ser vistos de maneira isolada, como uma unilateralidade abstrata e artificialmente dividida, mas como parte de uma gama mais ampla que esconde e escamoteia a totalidade das relações sociais, e que, portanto, são dotados de razões políticas, econômicas e ideológicas. Assim, a relação entre o fenômeno – terceirização – e a totalidade – modo de produção capitalista – deve ser mediada para que seja possível compreender de que maneira a essência se esconde na aparência e de que maneira a aparência representa também parte dessa essência concretizada.

A dialética de universal e particular se manifesta na realidade histórico-social e como seria falso deduzir antecipadamente destes processos tão diversos um do outro, um esquema qualquer. A ciência autêntica extrai da própria realidade as condições estruturais e as suas transformações históricas e, se formula leis, estas abraçam a universalidade do processo, mas de modo tal que deste conjunto de leis pode-se sempre retornar – ainda frequentemente através de muitas mediações – aos fatos singulares da vida. É precisamente esta dialética concretamente realizada de universal, particular e singular. (LUKÁCS, 1978, p. 88).

Assim, nesta pesquisa, a relação dialética entre o fenômeno particular da terceirização e a forma singular como cada trabalhador entrevistado percebe sua condição possibilitaram analisar os impactos objetivos e subjetivos, assim como compreender esse fenômeno dentro de uma relação da totalidade social.

Totalidade não deve ser compreendida como uma soma de “todos os fatos”, ou então como um acúmulo de informações, mas, deve ser vista como um todo estruturado, no qual ou do qual um fenômeno qualquer pode ser compreendido racionalmente (KOSIK, 1995). Isso significa que o método inaugurado por Marx, na medida em que buscava a totalidade, apreendia as múltiplas e intrincadas relações, em um grau máximo de aproximação possível. Portanto, a totalidade não é um ato formal do pensamento, mas representa uma reprodução mental daquilo que existe realmente, isto é, elementos estruturais de complexos relativamente totais, reais e dinâmicos, cujas inter-relações dão lugar a complexos cada vez mais abrangentes tanto em sentido intensivo quanto extensivo. Assim retoma-se mais uma vez o argumento de Marx (2011), para o qual o concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações.

Assim sendo, conforme argumenta Mészáros (2009, p. 17), “quanto mais abrangente e mediado for o assunto escolhido, mais óbvio deverá ser seu vínculo com as determinações estruturais ‘totalizadoras’ da época histórica relevante”.

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