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PARTICULARIDADES DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL E SEUS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DA QUALIDADE

5 ONDE ESTÁ A EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA/RS?

5.1 PARTICULARIDADES DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL E SEUS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DA QUALIDADE

O primeiro processo de construção da qualidade das instituições dedicadas à Educação Infantil era de assistencialismo (não quer dizer que essa primeira construção não exista nos dias atuais), constituídas assim conforme a necessidade da sociedade de se ter um espaço em que as mães trabalhadoras pudessem deixar seus filhos para serem cuidados, isso vem desde os tempos da segunda guerra mundial em que se precisava da mão de obra feminina nas indústrias de guerra e ganhou forma na revolução industrial. Contudo os cuidados maternos eram considerados essenciais, insubstituíveis e exclusivos para o melhor desenvolvimento das crianças pequenas, e quando estes não podiam mais ser exclusivos, pois as mulheres começaram a se incluir no mercado de trabalho, os espaços criados para atender as crianças deveriam substituir com uma proximidade considerável, a maneira de cuidado materno. Essa ideia do cuidado materno até dentro das instituições foi denominado por Singer (1993) de ―vínculo pedagógico‖, influenciando a criação das crianças dentro desses ―lares substitutos‖ como denomina Dahlberg, Moss e Pence (2003).

Se entende que as instituições consideradas como lares para a primeira infância são conceitos construídos através de uma expressão com sentido de outra, estabelecendo uma semelhança, ou seja, estabelecer instituições como lar, foi uma estratégia de associar o privado e o público na vida da primeira infância, segundo Dahlberg, 1998:

Pode ser visto como uma incorporação ativa e como uma mistura de discursos que conecta a família e o privado com discursos relacionados ao social e ao público... Unir os símbolos e as representações das pessoas, os interesses da nação e o lar era uma técnica que tornava o mundo, por um lado, inteligível e, por outro, administrável como um objeto de intervenção (DAHLBERG, 1998, p. 5)

Pode-se observar que desde 1998 já se vinha elaborando maneiras para ligar o público ao privado. Sabendo que as instituições comparadas aos lares foram criadas por necessidade da sociedade e por lutas sociais, o Estado como poder público, usando de seus discursos, uniu seus interesses com a tomada de construções das instituições para a primeira infância como meio de intervenção social, assim mantinha ―por perto‖ essas famílias pertencentes ao mercado de trabalho e que necessitavam desses espaços para a criação dos filhos, sendo uma forma de controle social capaz de amparar a sociedade perante a pobreza, desigualdade, marginalidade. Sob a perspectiva foucaultiana, esse processo pode-se denominar ―governamentalidade‖, uma forma de poder que tem como foco a população e que funciona por convencimento, por condução através do controle da vida dos indivíduos indiretamente, por estratégias que reintegram parte da população que precisa ser ―controlada‖ para a redução de problemas sociais, como forma de dominação do Estado, trazendo essa população para sua ―visão‖ mas deixando que ela ache que tenha seu autocontrole e sua autodominação (FOUCAULT, 2008).

Observa-se outro processo de construção da qualidade para as instituições para a primeira infância, dentre elas aquelas que comparam essas instituições à uma fábrica, ao modelo fabril, de padronização, em que as crianças são a matéria-prima utilizadas para reproduzir determinados valores e conhecimentos dentro de uma cultura dominante que irá prepará-las para as necessidades econômicas do mundo adulto e do mercado de trabalho, tranquilizando a sociedade das disfunções sociais. Como fábrica, essas instituições padronizam seus espaços, a maneira como atendem as crianças, independente do contexto, servindo como modelo (DAHLBER, MOSS E PENCE, 2003). Problematizando isso nos dias de hoje (2019) temos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) que ―é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica‖ (BRASIL, 2018), Com essas definições de aprendizagens são configuradas referências para a construção do currículo em cada sistema de ensino.

Outro processo de construção da qualidade dessas instituições é a comparação dessas como um negócio, e como negócios são para adultos e não para crianças, esses espaços acabam sendo montados para viabilizar quem o escolhe, assim entendidos como produtos dentro de um mercado de compra e venda, ou seja, índices, reconhecimentos, resultados dão ―nome‖ à essas instituições (negócio) que são escolhidas pelos consumidores (pais) o melhor negócio para seus filhos (DAHLBER, MOSS E PENCE, 2003).

O cenário capitalista neoliberal da sociedade atual, visa o lucro, a competitividade e a acumulação de capital, refletindo dentro da construção dos espaços para a Educação Infantil. Retomando a história das características das instituições para a primeira infância, ainda se observa, tanto no público quanto no privado, escolas que são encaradas como empresas, ou parcerias que são conquistas pela troca monetária, sendo isso reflexo do contexto político e econômico, em que as escolas ficam a serviço dos negócios, dos consumidores e não como instituição social, cultural.

Como valorizar a infância dessas crianças? Se as crianças têm direito a uma escola de qualidade, direito a espaços adequados, etc, estes direitos estão sendo assegurados? De que maneira? De que qualidade estamos falando? Para o termo qualidade, existem muitas interpretações, conceitos, baseados em cada contexto e pensado inúmeras vezes, mas vamos nos deter ao conceito de qualidade que ―diz respeito, principalmente, à definição por meio de especificação de critérios, de um padrão generalizável em contraposição ao qual um produto pode ser julgado com certeza‖ (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p. 127). Assim como a escola é um espaço socialmente construído, o conceito de qualidade, segundo Campos e Cruz (2011) é ―socialmente construído, sujeito a constantes negociações; depende do contexto; baseia-se em direitos, necessidades, demandas, conhecimentos e possibilidades (CAMPOS; CRUZ. 2011, p.5).

Em relação à essa qualidade na primeira infância, foi preciso basear-se em condições mínimas de qualidade para a garantia dos atendimentos na Educação Infantil. Com isso, em 2006, foi criado pelo ministro da educação os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil que:

contém referências de qualidade para a Educação Infantil a serem utilizadas pelos sistemas educacionais, por creches, pré-escolas e centros de Educação Infantil, que promovam a igualdade de oportunidades educacionais e que levem em conta diferenças, diversidades e desigualdades de nosso imenso território e das muitas culturas nele presentes. (BRASIL, 2006, p. 3)

Tendo a finalidade de definir condições mínimas de qualidade, os parâmetros em 2006, vieram como cumprimento da determinação legal do Plano Nacional de Educação (PNE, 2001 - 2010) que tinha como um dos objetivos ―Estabelecer parâmetros de qualidade dos serviços de Educação Infantil, como referência para a supervisão, o controle e a avaliação, e como instrumento para a adoção das medidas de melhoria da qualidade‖ (Brasil, 2001, cap. II, item 19 do tópico ―Objetivos e Metas da Educação Infantil‖), assim possibilitando na Educação Infantil o desenvolvimento integral das crianças em seus aspectos físicos, psicológicos, cognitivo e social.

Este documento é dividido em dois volumes, o primeiro volume traz uma contextualização em 4 eixos que são ―1) a concepção de criança e de pedagogia da Educação Infantil; 2) o debate sobre a qualidade da educação e da Educação Infantil; 3) os resultados de pesquisas recentes; 4) a qualidade na perspectiva da legislação e da atuação dos órgãos oficiais do país (BRASIL, 2006, p. 13) e dentro desses eixos perspectivas, conceitos, direitos, significados, culturas, etc. O segundo volume traz aspectos de discussões em três itens: : Competências dos sistemas de ensino segundo a Constituição Federal, a LDB (BRASIL, 1996) e o PNE (Brasil, 2001); Caracterização das instituições de Educação Infantil no Brasil que traz o que compõe cada instituição de Educação Infantil e seu funcionamento em creches, pré-escolas, centros ou núcleos de Educação Infantil e também em Escolas de Ensino Fundamental; e por fim os Parâmetros Nacionais de Qualidade para as Instituições de Educação Infantil e suas atribuições no âmbito do MEC juntamente com as propostas pedagógicas para cada instituição.

Outro documento legal são os Indicadores da Qualidade na Educação Infantil que ―caracteriza-se como um instrumento de autoavaliação da qualidade das instituições de Educação Infantil, por meio de um processo participativo e aberto a toda a comunidade‖ este é oferecido como outra possibilidade no trabalho nas instituições da primeira infância, aperfeiçoando os Parâmetros Nacionais de Qualidade. Traz em seu corpo textual, como utilizar os indicadores em diversos aspectos: como avaliar, os materiais necessários, sobre as faixas etárias, o processo de avaliação, dentre outros. Contudo, o documento destaca que não existe ―fórmula‖ ou uma única forma de se avaliar, sendo um documento flexível conforme a realidade de cada instituição.

Os indicadores de qualidade apresentam sete dimensões sobre as quais devem ser consideradas fundamentalmente nas reflexões acerca da qualidade das instituições

da Educação Infantil, estas são: 1) Planejamento Institucional; 2) Multiplicidade de experiências e linguagens; 3) Interações; 4) Promoção da saúde; 5) Espaços, materiais e mobiliários; 6) Formação e condição de trabalho das professoras e demais profissionais e 7) Cooperação e troca com as famílias e participação na rede de proteção social. Essas dimensões são efetivadas em cada instituição através da autoavaliação em prol do reconhecimento dos pontos fracos e fortes de cada uma, a partir disso intervindo para a melhoria da qualidade de acordo com o que foi avaliado.

Ainda falando sobre documentação legal sobre qualidade, temos os Critérios para um Atendimento em Creche que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças, elaborado pelo MEC em sua primeira versão no ano de 1995 e posteriormente em uma versão mais recente no ano de 2009. Esses critérios são apresentados em dois eixos: 1. Esta creche respeita criança: critérios para a unidade creche; 2. A política de creche respeita criança: critérios para políticas e programas de creche. O primeiro traz os direitos das crianças, assim como as práticas de quem atua diretamente com elas e a organização interna das instituições. O segundo menciona as políticas de creche, em relação aos espaços da Educação Infantil, aos direitos fundamentais, o bem-estar, a saúde, alimentação e o desenvolvimento da criança. Os Critérios são objetivados a ―atingir um patamar mínimo de qualidade que respeite a dignidade e os direitos básicos das crianças, nas instituições onde muitas delas vivem a maior parte de sua infância‖ (MEC, 2009, p. 7).

Em 2009, no mesmo ano da segunda edição dos Critérios, surgem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil através da resolução n. 5, de 17 de dezembro de 2009, definindo Educação Infantil, criança, currículo e proposta pedagógica, tendo três objetivos traçados que em suma referem-se a orientação das políticas públicas para a ―elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares de Educação Infantil‖ (BRASIL,2009, p. 13). Definindo também qualidade (não especificamente) dentro de suas quatro definições, este documento faz reflexão através das discussões que permeiam sobre a orientação do trabalho junto às crianças por meio das práticas pedagógicas mediadoras.

Conforme a trajetória das instituições de Educação Infantil, percebemos que elas eram vistas em contextos assistencialistas, como lares que mais se aproximavam dos cuidados maternos. Após esse quadro, foi se pensando em uma escola ―modelo fabril‖ que padroniza o ensino, os espaços e as crianças, marginalizando as que ficavam de

fora. Apesar de estudiosos iniciarem reflexões e conceitos sobre qualidade das instituições e de documentos normativos serem aprovados.

Ao longo desta pesquisa, foi demonstrado uma trajetória que perpassou questionamentos, dúvidas, desejo por respostas, entrevistas, encontros e desencontros transformados em escrita. Assim, findando essa pesquisa (provisoriamente), o próximo e último capítulo, trará em forma de carta, reflexões sobre o que foi apreendido até aqui, e buscará questionar o leitor, trazendo-o para dentro dessa pesquisa.

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