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A história dos partidos no Brasil é povoada de reviravoltas e contradições próprias do caminho atribulado percorrido por esta nação com suas revoluções, golpes de estado e histórico de desrespeito às instituições democráticas. É, contudo, de fundamental importância

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SCHMITT apud BOBBIO, idem, p. 87 54

conhece-la, ainda que brevemente, a fim de compreender a origem dos aspectos negativos que exigem atenção na atual conjuntura política de nosso país.

As primeiras agremiações políticas com pretensões duradouras surgiram no período imperial, precisamente no interregno que se deu entre a abdicação de D. Pedro I e o coroamento de seu filho D. Pedro II. Foram proclamados liberais os partidários de interesses predominantemente burgueses ao passo que os conservadores se agruparam em defesa das elites agrícolas reacionárias e escravocratas.

A despeito de tais diferenças, liberais e conservadores eram, fundamentalmente, iguais na medida em que os ideais que perseguiam eram frequentemente relegados em função da busca pelo poder. Eram, pois, segundo a clássica divisão weberiana, partidos de patronagem que se mobilizavam apenas por ocasião das eleições e dissolviam-se tão logo alcançavam o poder. Nesse ínterim poucas mudanças substanciais eram efetuadas sobre as condições sociais em vigor.

Crítico contumaz desse vácuo ideológico, Rui Barbosa definiu os partidos imperiais como: “sindicatos de especulação organizada que destroem a moral pública e corrompem as instituições”. Acrescentou em seguida que “em última análise, o que todos queriam era o poder para o qual a escada é a benevolência do paço” 55.

É importante ressaltar que, embora estivessem presentes no Parlamento brasileiro, os partidos políticos não tiveram sua atuação regulamentada na ordem jurídica encabeçada pela Constituição de 1824, cujo teor seguiu a tendência na política mundial de seu tempo ao não reconhecer, nem oficializar essas instituições.

As profundas mudanças sociais ocorridas a partir de 1870 alteraram a feição da política institucional do país. A elite cafeeira, os militares e uma ala radical do Partido Liberal originaram o Partido Republicano. Pouco depois, em 1873, surgiu o Partido Republicano Paulista, um esboço da regionalização partidária que se implantaria no novo regime.

2.6.1 Os Partidos Regionais

A crise nas instituições monárquicas culminou com a proclamação da república em 1889. O novo governo, regido pela Carta Magna de 1891, que também não fez referência aos partidos políticos, foi concebido no sistema federalista e presidencialista aos moldes da

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Constituição estadunidense. A autonomia dos estados para organizarem o processo eleitoral possibilitou a criação de inúmeros partidos de abrangência regional, o que favoreceu a predominância das grandes oligarquias locais durante o primeiro período que se convencionou chamar República Velha.

No panorama nacional prevaleceram os Partidos Republicanos paulista e mineiro os quais se revezavam na Presidência por meio de acordos entre as elites dos mencionados estados. Os outros grupos que tentaram se firmar durante esse período sucumbiram à perseguição das elites hegemônicas, a exemplo do Partido Operário do Brasil em 1890, o Partido Socialista de 1902 e o Partido Comunista do Brasil de 1922.

Os coronéis, grandes senhores de terra, usavam de seu poder e influência para manipular as eleições e perpetuarem-se no governo dos Estados. Nesse cenário o partido era utilizado apenas como uma figura simbólica, num retrocesso que Bonavides e Paes de Andrade comparam ao feudalismo medieval56.

O povo, tão belissimamente evocado como protagonista dos ideais republicanos e democráticos, permaneceu à margem da nova ordem social como já estava no regime derrubado. O sufrágio, condição imprescindível para a efetividade da representação e fortalecimento dos partidos, apesar de abandonar o caráter censitário, continuou proibido a uma imensa maioria da população brasileira analfabeta (quase 80%) e restrito aos indivíduos do sexo masculino.

O ocaso da República dos coronéis, ocorrido na Revolução de 30, é fruto da crescente insatisfação popular contra as oligarquias regionais. Diversos setores da sociedade se mobilizaram em torno de um projeto político nacional capitaneado por Getúlio Vargas que subiria ao poder através de um golpe em meio a essa crise institucional agravada com a morte de seu candidato a vice, João Pessoa. O governo recém-instaurado centralizou-se na liderança de Vargas cuja figura carismática se impunha de tal maneira que o partido tornou-se irrelevante na conjuntura política dessa época.

A primeira metade da Era Vargas não avançou no tocante à necessidade de nacionalizar os partidos. Antes se ocupou em promover a representação profissional através da brevíssima Constituição de 1934. Os agrupamentos partidários eram vistos como resquícios do poder oligárquico que se buscava superar ou fomentadores das lutas de classe que desagregavam a nação.

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Assim, com a fracassada Intentona Comunista de 1935 o governo getulista obteve a justificativa que precisava para instaurar o Estado Novo e extinguir oficialmente todos os agrupamentos políticos, sob o pretexto de defender a nação das conspirações internacionais que ameaçavam sua soberania. Isso fica expresso no preâmbulo da nova Carta Magna outorgada em 1937 em que Getúlio deixa clara a incapacidade de sobrevivência do regime enquanto existissem partidos políticos organizados fora do controle do Estado.

2.6.2 O Suscitar dos Partidos de Caráter Nacional

Com o fim da Era Vargas uma nova constituinte é convocada para elaborar a nova carta constitucional que seria promulgada em 1946. A nova ordem jurídica apresentou, enfim, avanço significativo no tratamento das questões atinentes aos partidos políticos já que lhes reconheceu a existência e regulamentou o funcionamento.

A nova Constituição previu a obrigatoriedade do alistamento e voto aos maiores de 18 anos, no entanto manteve a restrição aos não alfabetizados. Sob sua vigência constituíram-se partidos de caráter nacional o que ofereceu terreno propício para o fortalecimento dessas instituições e sepultou definitivamente a ideia de partidos regionais. Apesar disso, tomando por base a redação do art. 141, §13, o Partido Comunista, um dos poucos que sobreviveu à repressão do Estado Novo, novamente foi posto na ilegalidade sob a alegação de veicular um programa contrário ao regime democrático.

Apesar de assumirem uma postura nacional, as maiores agremiações dessa fase republicana permaneceram vazias ideologicamente. Duas delas, o PTB e o PSD, continuaram fortemente influenciadas pela política getulista, característica que nos remete ao conceito de partido carismático suscitado por Michels. Essa realidade favoreceu Vargas, que novamente ganhou força política e retornou ao poder em 1950, mas sofreu forte oposição da UDN, partido de características liberais que se confrontava com a política nacionalista de Getúlio.

Diversos autores daquele período criticaram esse aspecto personalista da política, a exemplo de Ruy Bloem que afirmou:

Nunca, realmente, no Brasil, os partidos foram tão fracos como agora, nem o personalismo tão acentuado. Os partidos políticos, por definição, na frase feliz de Pontes de Miranda, devem traduzir o que há de “comum” entre “diferentes” camadas da população: interesses, sentimentos, convicções. Devem, portanto, encarnar idéias, consubstanciadas em programas. O que vemos, entretanto, é que eles se têm formado simplesmente em torno de homens, quase sempre inspirados apenas pela

ambição do poder57.

Com a fragilidade dos partidos políticos, pouco expressivos, e as crises resultantes da tensão direcionada contra o comunismo, o cenário se desenhou conveniente para uma intervenção militar concretizada em novo golpe de Estado que rompeu a ainda jovem ordem constitucional da Quarta República. As Forças Armadas, como outras tantas vezes na História brasileira, atuaram como fator de decisão política e aproveitaram-se do momento de crise no que fez jus às palavras de Afonso Arinos segundo o qual o Exército é “uma espécie de partido político sui generis que funciona fora do jogo constitucional” 58

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Com o objetivo de combater o comunismo e o populismo, a ditadura produziu o Ato Institucional nº 02, diploma que extinguiu todos os partidos políticos então existentes e os substituiu por um sistema bipartidário. De um lado a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e de outro o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

O engodo de um bipartidarismo serviu para dar ares democráticos ao regime autoritário, pois em verdade a ARENA, partido do regime, encontrava-se sempre em posição de privilégio em relação ao MDB cuja oposição era sistematicamente cerceada pelos líderes da ditadura que impunham, através de leis casuísticas, dificuldades para a criação e a organização de novos partidos.

A Constituição de 1967, outorgada pelo regime militar, pela primeira vez disciplinava a fidelidade partidária e estipulava que perderia o mandato o parlamentar que desrespeitasse as diretrizes legitimamente estabelecidas pelo órgão partidário ou saísse do partido pelo qual foi eleito, cabendo à Justiça Eleitoral a apreciação do pedido de cassação, desde que houvesse representação feita pelo partido político ao qual pertencia o parlamentar.

Com a reabertura política e o advento da Constituição de 1988 retorna o pluripartidarismo e é inaugurada uma nova ordem jurídica que trata minuciosamente dos partidos políticos e sua função institucional.

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BLOEM apud BARREIROS NETO, op. cit., p. 155 58

3 ABORDAGEM DOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS NA CONSTITUIÇÃO DE

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