• Nenhum resultado encontrado

2. DIMENSÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA INVESTIGAÇÃO

2.3. Os procedimentos da pesquisa

2.3.2 Partindo das entrevistas rumo ao seu tratamento

Referindo-se a pesquisas realizadas em Educação Matemática por meio da História Oral, Garnica (2007) declara que o direcionamento dado às entrevistas dependerá da questão de pesquisa, variando entre entrevistas mais direcionadas para um determinado tema ou, diferentemente, assumindo um caráter mais geral.

Como buscamos compreender práticas docentes em relação ao uso dos livros didáticos de matemática dos anos iniciais do Ensino Fundamental, desenvolvemos uma pesquisa em História Oral Temática, na qual

interessa ao pesquisador um tema específico – um momento ou uma situação – que seja, de algum modo, familiar ao depoente. Este tema dirigirá a entrevista, e todas as perguntas de corte do roteiro estarão vinculadas a ele ou a uma cercania próxima a ele (GARNICA, 2007, p. 44). Conforme explicamos na seção anterior, nossas entrevistas abordam a forma como professores polivalentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental se relacionam com os livros didáticos de Matemática, incluindo seus usos nos mais diversificados contextos educacionais.

As fontes da História Oral mais usualmente consideradas são o arquivo de som, mais reconhecido, ou o texto escrito com o registro do momento da entrevista. Como qualquer suporte é um registro do momento e, como tal, é tratado por Garnica (2007) como um filtro, a discussão quanto a qual suporte representa melhor a realidade é inócua. Afinal, para este mesmo autor, um filtro não possibilita abarcar completamente o momento vivido, assim como nenhum registro realizado por um determinado instrumento.

Concomitantemente a essa ideia da impossibilidade de abarcar totalmente o momento da entrevista, Garnica (2007) também alerta que não existem registros definitivos de fatos, e sim uma perspectiva (a do falante), que mais frequentemente é compreendida segundo outra perspectiva (a do ouvinte), e essas perspectivas escapam às tentativas de apreensão pelos instrumentos, sejam eles filmadoras ou gravadores de áudio. Ainda que nenhum dos instrumentos possa documentar ou controlar as formas como os significados são atribuídos ao que foi dito ou ouvido, algo permanece: resíduos, registros.

Após a gravação das entrevistas em vídeo, procedemos à degravação ou transcrição da oralidade registrada dos professores entrevistados como a forma responsável por fixar o diálogo por meio de caracteres gráficos exatamente como foram dialogados oralmente, o que constituiu um processo demorado e minucioso. Os tratamentos posteriores à degravação, conhecidos como textualizações, também são processos lentos e demorados que se diferenciam das degravações, pois são processos essencialmente humanos de atribuição de significados em que nos lançamos sobre os depoimentos transcritos. Nesse momento, tivemos a intenção de excluir tanto as perguntas feitas por nós aos entrevistados de forma a ocultar, nas textualizações, as falas da entrevistadora, quanto grande parte dos registros próprios da oralidade na busca por alcançarmos, nas narrativas, os usos dos livros didáticos de Matemática. Porém, cabe salientar que o formato assumido nas textualizações e a forma escolhida para a escrita das mesmas revela nossa presença marcante nas narrativas, em busca do cumprimento de nossos objetivos. Nas textualizações, segundo Garnica (2007), “são preenchidas lacunas, reordenadas passagens e minimizados os chamados vícios da oralidade, já que linguagem oral e escrita são formas muito distintas de expressão” (p. 247). Segundo o mesmo autor, a textualização tenta preservar o “tom” do depoente, “ainda que este tom já esteja irremediavelmente impregnado, pela própria natureza do processo e pela manipulação do textualizador, dos desejos, das necessidades e dos tons desse agente que toma nas mãos a tarefa de textualizar”. No entanto, o pesquisador enfatiza que “o que foi dito, como foi dito, nas circunstâncias em que foi dito é evanescente, sempre foge, sempre escapa” (GARNICA, 2008, p. 247).

Assim, para textualizar as entrevistas, foi necessário reassisti-las inúmeras vezes, mesmo depois de termos realizado suas transcrições.

Para a elaboração das textualizações, Garnica (2007) levanta a possibilidade da opção pelo reordenamento cronológico ou temático do fluxo discursivo dos depoentes. O autor indica, ainda, que a textualização pode ser organizada a partir de subtítulos, realçando-se os subtemas que vão emergindo nos depoimentos. No nosso caso, como estávamos orientadas pelo tema dos usos do livro didático de Matemática e as perguntas buscavam a relação dos colaboradores com o livro didático desde antes de se constituírem docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, a ordenação cronológica dos fatos narrados pelos professores

pareceu-nos oportuna e coerente, e não sentimos necessidade de caracterizá-los por subtítulos. Consideramos que essa escolha seria mais produtiva no sentido de ampliar nossas possibilidades frente às narrativas. Desse modo, nas textualizações, não tivemos a intenção de preservar a organização conferida à entrevista pela transcrição. Para além de uma mera técnica cuja essência está apenas uma preocupação estilística, os momentos de degravação e textualização são considerados por Garnica (2007) como estratégias de ação metodológica, instâncias de familiarização em relação ao que foi narrado e, por isso, “denotam uma forma de conceber conhecimento e implicam, seguramente, uma concepção de História Oral atrelada a uma epistemologia específica” (p. 56).

Como nossa intenção era captar o que e como seria dito pelos professores, o conjunto das dez textualizações50 constitui nosso material empírico.

Nos trabalhos em História Oral, à textualização segue um momento de conferência e legitimação do registro escrito pelos colaboradores da pesquisa e, até por questões jurídicas, é solicitada dos mesmos, após essa checagem, a assinatura de mais um documento. No nosso caso, esse documento é a “Autorização de Direitos” (anexo D).

Assim, entregamos aos nossos entrevistados, via endereços eletrônicos, correio ou pessoalmente, as textualizações, para que pudessem ser lidas com atenção e cuidado. Nesse momento, agendamos um novo encontro para realizar a negociação das textualizações e, finalmente, coletar a assinatura nas autorizações de direitos (anexo E).

Nesse processo de negociação das textualizações, cabe ressaltar que nenhum de nossos entrevistados alterou significativamente os textos, explicitando que se reconheceram nas falas textualizadas. É importante frisar, também, que as poucas exclusões que fizeram de suas falas nas textualizações ocorreram por não mais se identificarem com o que haviam dito no momento da entrevista, alegando ora que não pensavam mais como antes, ora que se informaram melhor sobre determinados apontamentos. Assim, apresentamos essas textualizações que elaboramos em comum acordo com nossos depoentes no próximo capítulo.

50 Buscamos registrar esses depoimentos para torná-los públicos, considerando-os como fontes,

referências para outros. Talvez esses outros queiram utilizar esses nossos registros para constituir cenários, ou constituir “uma” verdade, ou “a” verdade – o eventual uso dependerá do que esses outros desejarem fazer.

Tendo, então, sido produzidas as entrevistas, transcrições e textualizações, perguntamo-nos o que temos em nossas narrativas que nos permite compreender melhor práticas voltadas ao uso de livros didáticos de Matemática por professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental.