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Ainda não há unanimidade dentro das ciências humanas do que vem a ser a memória. Entretanto, as construções existentes são suficientes para dar forma às propostas de pesquisas. Jacques Le Goff88 sustenta que a memória, é “a propriedade de conservar certas informações,

remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem

85 ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL JOÃO LEOPOLDO LIED. Depoimento Tomado de Diva Masotti,

para homenagem ao Título de “Cidadã Gramadense”. Gramado, Lei Municipal n° 1.345/95, 1995.

86 ZATTI, Clodoveu. Dono da primeira fábrica de “Chimier” de Gramado. Anos 20/30.

87 Esse é um termo muito utilizado pelo agricultor ao se referir aos animais domésticos: galinha, porcos, ovelhas, vacuns em geral.

pode atualizar as impressões ou informações passadas ou que ele representa como passadas”.

Através da apreciação que o autor tece sobre a memória, infere-se que no campo da

psique existe um espaço responsável pela conservação dos atos diuturnos praticados pelo homem. Nesse jogo dialético, ao passo que algumas informações com o passar do tempo perde-se nas brumas, outras permanecem fazendo com que os momentos decisivos das comunidades possam ser reconstruídos. VON SIMSON89 sustenta que a memória é a “capacidade humana de reter fatos e experiências do passado e retransmiti-los às novas

gerações através de diferentes suportes empíricos como a voz, música, imagens, textos, etc”.

A mesma autora divide os estágios da memória em três campos: a memória individual, a memória coletiva e as memórias subterrâneas ou marginais.

Para a pesquisa proposta, a primeira enquadra-se por sua dualidade. Diz ela que: “memória individual é aquela guardada por um indivíduo e que se refere às suas próprias vivências e experiências, mas que contém também aspectos da memória do grupo social onde ele se formou, isto é, onde esse indivíduo foi socializado”90.

Gramado ainda tem no seu meio social, integrantes que nos dão conta do passado. Suas experiências de vida são verdadeiras instituições sócio-culturais que permitem a

89 VON SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes. O Papel das Instituições: Memória na Sociedade do Esquecimento. In: SEGUNDO ENCONTRO DE HISTÓRIA ORAL DO NORDESTE – Salvador-BA, UNB, 2000. p. 122-127. 90 VON SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes; JOUTARD, Philippe. “História Oral: Balanço da metodologia e

da Produção nos últimos 25 anos. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaina (Orgs.). Usos e

reconstrução. A memória desses personagens, nas palavras de CUNHA91 “são um dos caminhos para o conhecimento do passado”.

Os depoimentos colhidos permitem estabelecer algumas inferências; as primeiras letras, os primeiros valores, as primeiras experiências individuais e coletivas, seguidos por todos os demais estágios sócio-culturais, comuns nos espaços coloniais ou não. Essa interligação social, de certa forma, contribuiu para a construção de uma identidade lastreada no orgulho de serem descendentes de italianos que vieram para o Brasil em busca de melhores perspectivas de vida. Afora os benefícios prometidos para essa etnia, nada resta sobre os fatos que deram origem, desencadeadores, da transmutação humana no último quartel do século XIX até meados do XX, nos demais Estados da federação e em especial no Rio Grande do Sul.

A comunidade de descendentes de italianos das terras de Gramado não conheceu o trabalho escravo, assim como seus antepassados também não, mesmo considerando que entre os anos de 1875 e 1888 tenham passado treze anos, espaço de tempo relativamente curto para ocultar essa condição político-social. Portanto, o trabalho do imigrante foi uma disputa travada de forma descompensada entre as condições econômicas, climáticas, ambientais, e culturais acrescida das rápidas experiências assimiladas abruptamente.

As palavras de MAESTRI FILHO92 são oportunas quando sustenta a presença do europeu, como mão-de-obra substituta da escrava:

[...] O trabalhador se dirigia para o Novo Mundo para melhorar seu nível de vida e

fugir da miséria que a Europa lhe oferecia. Dificilmente aceitaria um ritmo de

91 CUNHA, Maria Clementina. A Construção Histórica do Patrimônio Público. Campinas: UNICAMP, 1992. Disponível em: www.consciencia.b/reportagens/memoria/o6Sthml>. Acesso em: 02 fev. 2005.

92 MAESTRI FILHO, Mario José. O Escravo no Rio Grande do Sul. A Charqueada e a Gênese do Escravismo Gaúcho. EDUCS/EST, 1984. p. 22.

trabalho superior ou mesmo igual ao que tinha abandonado, pois aqui tinha a alternativa de viver como produtor independente na periferia da sociedade colonial.

Se para o imigrante, o Brasil foi o desafio máximo onde as oportunidades se apresentavam de forma distintas da Pátria-mãe, para os descendentes que se estabeleceram em Gramado não foi diferente. Restou evidente em todo o processo de coleta de dados, que o trabalho serviu não só para a sobrevivência dos núcleos familiares, mas também para assegurar a continuidade das gerações, pois à volta apresentava, naquele momento, condições mais sérias do que a chegada. Por outro lado, essa corrente migratória italiana assim como a alemã, por serem tardias, encontraram-se com descendentes de luso-brasileiros, os quais já se possuiam títulos de propriedade por força das determinações imperiais. Em 1747, segundo IOTTI ocorre a transferência de súditos. Mais tarde, através do Decreto de 1º de Setembro de 1808 o D. João VI:

manda vir da Ilha dos Açores 1.500 famílias para a Capitania do Rio Grande do Sul [...] favorecendo quanto ser possa o seu Estabelecimento, na firme esperança que daí haja de resultar um grande aumento de povoação, com que depois não só resulte o acréscimo de riqueza e prosperidade da mesma Capitania, mas se segure a sua defesa em tempo de guerra93.

Essa etapa, início da corrente imigratória, é preparada achegada de Alemães em 1825 e posteriormente os italianos, em 1875.