• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 AS LUTAS ECOSSOCIAIS E AS DINÂMICAS DE SOCIALIZAÇÃO

3.2 Passado e presente da luta contra a queima: o enfrentamento da modernização

Continuando uma tendência de enfrentamento do empresariado canavieiro em lutas para democratização do conteúdo das relações produtivas, as lutas ecossociais contra a queima da cana representaram com clareza uma oposição popular ao projeto agrarioambiental do agronegócio canavieiro.

Pela primeira vez, a oposição ao empresariado teve fundamentação socioambiental, questionando o padrão de exploração agrícola hegemônico na região nordeste do estado de São Paulo através do questionamento da queima da cana.

Possivelmente pela primeira vez, também, essa oposição envolveu uma multiplicidade tão evidente de sujeitos políticos, vinculados tanto ao campo de disputas de mobilização quanto ao campo de disputas institucionais.

A luta esteve nas ruas, nas câmaras, nos fóruns. O empresariado se viu ameaçado.

Essa organização em torno da luta ecossocial, permitiu a aproximação de importantes sujeitos políticos, e a formação de uma rede de aliados que, não só continuou o enfrentamento do empresariado canavieiro nessa temática por mais de 20 anos (e até os dias atuais), como

avançou na luta política por mais democracia no campo, através da radicalização de sua práxis, demandando a partir dos anos 2000, juntamente com novos aliados (em especial o MST), a realização de uma reforma agrária ambientalizada na região, por meio da luta por assentamentos ambientalizados.

Nessas lutas, durante seu desenvolvimento histórico, importantes vitórias foram obtidas pelos opositores da queima, mesmo que elas não tenham sido majoritárias.

Uma destacável conquista do processo de luta ecossocial contra a queima foi a construção do consenso científico sobre a danosidade socioambiental da queima, que permitiu o envolvimento de uma série de pesquisadores com uma temática política de grande importância regional e erradicou, a contragosto dos ideólogos ligados ao empresariado canavieiro, qualquer dúvida sobre as múltiplas consequências deletérias à atmosfera e à saúde pública vinculadas a essa prática agrícola.

Entre as conquistas esteve, também, a aprovação de leis municipais proibitivas, em municípios tradicionalmente submetidos ao poder político e econômico do empresariado canavieiro, o que evidenciou que, mesmo em espaços sociais historicamente associados ao poder do capital, é possível, através de uma articulação política bem feita, obter vitórias. Evidenciar as potencialidades de exploração do sistema de justiça nas lutas por direitos sociais no Brasil redemocratizado do pós-1988 foi, também, uma realidade dessas lutas, embora o saldo geral da atuação do Judiciário tenha sido favorável à manutenção da queima.

Conforme detalhamos anteriormente, é no contexto das lutas ecossociais que é possível entender, também, o processo de conversão de áreas de colheita da cana queimada para colheita da cana crua, ocorrido a partir de 1995 no estado.

Do mesmo modo, vincula-se diretamente às lutas contra a queima a diminuição absoluta da área de cana queimada no estado, visualizável a partir de 2006.

A diminuição da área queimada nas antigas regiões canavieiras, a partir de 1995, e no estado de São Paulo a partir de 2006, traduziu-se em melhoria da qualidade atmosférica nesses locais, com minoração dos prejuízos à saúde pública.

Essas conquistas, como inúmeras outras, vinculam-se às articulações realizadas em múltiplas esferas relacionais, o que garantiu que diversos sujeitos políticos se posicionassem em prol da eliminação da queima da cana.

Apesar das conquistas sociais, é impossível não reconhecer, contudo, que o grande vitorioso nas lutas contra a queima é, até o momento, o empresariado canavieiro.

Obtendo êxito na manutenção e consolidação do sistema de produção da vida hegemônico, inclusive mediante o sistemático uso da queima da cana-de-açúcar, o

empresariado canavieiro submeteu o Executivo e o Legislativo paulistas aos seus interesses e, como uma consequência disso, derrotou os opositores da queima também no âmbito judicial de disputa, com o expressivo julgamento de improcedência das demandas pela proibição imediata da queima.

Construindo um amplo convencimento ao redor de seus anseios em permitir a realização da queima da cana, mesmo que a título de proibi-la, o empresariado criou um ambiente institucional que permite, formalmente, a ele, utilizar por décadas a queima.

A não-eliminação da queima, evidente em virtude dos índices de área anualmente queimada ainda hoje, atesta a dificuldade de conquista da sustentabilidade ambiental no seio das relações capitalistas atualmente forjadas, e sua impossibilidade no seio do modelo produtivo do agronegócio.

O intenso poder do empresariado canavieiro em relação aos outros sujeitos em luta impediu uma conquista socioambiental efetiva, na defesa do interesse público por uma socialização equilibrada da natureza.

O próprio processo de conversão da cana colhida queimada para cana colhida crua, por sua vez, está ocorrendo nos moldes pretendidos pelo empresariado canavieiro desde o início das lutas na década de 1980: uma transição lenta, ao seu gosto, condicionada ao avanço da mecanização da colheita.

Afirma Alves (2009, p. 159), que a atual fase de transição produtiva da agricultura canavieira deve ser entendida como um processo de “modernização perversa”, por “[...] modificar a base técnica de produção sem alterar o essencial das relações de trabalho.” Nesse sentido, a dinâmica de exploração do trabalhador rural e da natureza continua sendo a tônica vigente, operando-se somente uma atualização técnica, através da implantação do sistema de colheita mecanizada. Esse sistema, mesmo quando combinado com a colheita sem queima, não gera nenhum tipo de alteração estrutural da socialização da natureza, pois mantém seu fundamento na racionalidade das práticas degradantes que sustentam o agronegócio.

Embora melhore a qualidade de vida nas regiões canavieiras, a diminuição da área queimada, por si só, não representa uma suficiente modificação na dinâmica de construção social da natureza pelo agronegócio, uma vez que continuam presentes a exploração monocultural, a utilização de agrotóxicos, a pulverização aérea, a ocupação de APP e RL, o desflorestamento, entre outras práticas insustentáveis.

No mesmo sentido, conforme evidenciam alguns estudos anteriormente citados, a exploração do trabalhador vem mantendo-se a realidade também das relações laborais da

colheita mecanizada, sem melhorias significativas ao trabalhador canavieiro, em relação ao corte manual. Reproduz-se, assim, um padrão de relacionamento social.

Explica Pedro Ramos (1999), que o desenvolvimento histórico do complexo canavieiro no Brasil teve como base sucessivos episódios de modernização conservadora, através dos quais os conflitos surgidos no complexo foram administrados por meio da modernização do instrumental de produção, sem modificação da estrutura interna e sem mudança nas relações de poder no seio do sistema.

Para o autor, a modernização conservadora, representando um processo de transição sem rupturas, de forma a assegurar o poder preestabelecido, manifestou-se sempre que se fizeram presentes as contradições no seio das relações sociais estabelecidas pelo empresariado, tendo sempre importante participação do Estado na administração desses conflitos (RAMOS, 1999).

Conforme revela a história das lutas ecossociais contra a queima, mais uma vez a modernização conservadora vem sendo a alternativa escolhida e hegemonizada pelo empresariado canavieiro e seus aliados nas estruturas de poder estatal, para responder às demandas de modificação do processo produtivo canavieiro. Essa nova etapa de modernização conservadora é perversa por gerar desemprego estrutural, sem alterar a dinâmica de socialização da natureza presente nas relações canavieiras.

Contendo elementos de “restauração”, na medida em que é uma reação às possibilidades de transformação popularmente exigidas, e elementos de “renovação”, na medida em que assimila uma parte das reivindicações populares na própria estrutura de dominação vigente, a modernização perversa da colheita canavieira pode ser entendida à luz do conceito gramsciano de “revolução passiva”5.

Repousa a “renovação”, na conversão da colheita queimada para colheita crua, demanda popular parcialmente assimilada pelo empresariado canavieiro. Repousa a “restauração”, por sua vez, na imposição do ritmo e forma dessa “renovação”, de modo a atender o calendário dos interesses do patronato da cana, e manter a lucratividade setorial, com a consolidação formal e material da utilização da queima.

Essa modalidade de proposição de resolução técnica para o problema da queima da cana, por meio da mecanização desvinculada de medidas de proteção social aos trabalhadores

5 Carlos Nelson Coutinho (2003, p. 198) explica que, para Gramsci, “[...] um processo de revolução passiva, ao

contrário de uma revolução popular, realizada a partir ‘de baixo’, jacobina, implica sempre a presença de dois momentos: o da ‘restauração’ (na medida em que é uma reação à possibilidade de uma transformação efetiva e radical ‘de baixo para cima’) e o da ‘renovação’ (na medida em que muitas demandas populares são assimiladas e postas em prática pelas velhas camadas dominantes).”

e sem modificação da racionalidade exploradora do capital agrário, guarda estreita vinculação, ainda, com a “teoria da modernização ecológica”.

Segundo Blowers (1997, p. 852-854), a perspectiva teórica da modernização ecológica tem como objetivo conciliar as necessidades ambientais com as demandas de crescimento econômico, enxergando no próprio crescimento as potencialidades de solução dos problemas ecológicos. Tendo, como base, a perspectiva de adaptação tecnológica, a defesa da economia de mercado e a crença na colaboração e no consenso como forma de resolução dos conflitos socioambientais, a modernização ecológica enfatiza a centralidade da ciência e a tecnologia para introdução de critérios ecológicos nos processos de produção e consumo.

Trata-se, segundo Blowers (1997, p. 852-853), de uma perspectiva teórica moderada e conservadora, que celebra o “[...] capitalismo contemporâneo com uma cara mais verde”, confirmando o “business as usual”.6

A correlação entre a transição produtiva atualmente vivida pelo empresariado canavieiro e as premissas teóricas da modernização ecológica é evidente.

“Business as usual” é, afinal, a perspectiva da mecanização da colheita da cana crua, um sistema produtivo desenvolvido justamente para elevar as taxas de lucro através do aumento do aproveitamento econômico da matéria-prima canavieira. “Business as usual” é, também, a perspectiva do condicionamento da eliminação da queima à mecanização da colheita, objetivando manter a intensa lucratividade setorial, a custa da degradação ambiental gerada pela queima da cana. “Business as usual” é, enfim, a manutenção da dinâmica estrutural de socialização da natureza, que, mesmo sem a queima, mantém presentes o desmatamento, o uso de agrotóxicos, a contaminação de cursos d’água e do aquífero, a concentração fundiária, a desigualdade social, a exploração do trabalhador, entre outros elementos.

A resposta hegemônica que vem conduzindo a transição canavieira para a colheita sem queima pode ser entendida, assim, ao mesmo tempo, com auxílio dos conceitos de “modernização ecológica”, “modernização conservadora”, “modernização perversa” e “revolução passiva”. Que fique claro, contudo, que essa modificação técnica divide sólido espaço no ambiente estadual da produção canavieira, com a intensa utilização da queima da

6O termo inglês “businness as usual” (negócios como de costume) é utilizado para designar a continuação de

atividades padrão dentro de uma organização empresarial, a despeito de projetos ou programas que poderiam introduzir mudanças.

cana, num retrato puro e simples da insustentabilidade do agronegócio, que continua construindo socialmente a destruição da natureza.

A modernização interna da produção canavieira ocorre paralelamente, também, a outra dinâmica de modernização ecológica, que guarda relevantes conexões com a agricultura canavieira. Trata-se da perspectiva de alteração da matriz energética global, pela substituição do uso de combustíveis fósseis pelos combustíveis de fontes consideradas renováveis, dentre as quais o agrocombustível derivado da cana (etanol).

A proposta, em materialização, de reduzir o uso de combustíveis fósseis, em prol do aumento do consumo do etanol canavieiro, é uma tentativa de modernização ecológica, uma vez que objetiva solucionar os problemas do aquecimento global com modificações técnicas, apostando na manutenção do padrão de produção e consumo de combustíveis e de bens e serviços atualmente vigente.

A luta contra a queima da cana e, num sentido mais amplo, a luta pela sustentabilidade da socialização da natureza nas regiões canavieiras, enfrenta atualmente, além das práticas agrícolas insustentáveis do agronegócio e da modernização ecológica da produção canavieira, também a modernização ecológica da matriz energética global, em vista das suas consequências na ampliação da área plantada com cana-de-açúcar, com o aumento do interesse comercial pelo etanol, e em vista de suas implicações na própria dinâmica produtiva agroindustrial da cana.

A perspectiva de modificação da matriz energética planetária está vinculada às consequências do aquecimento global que, por sua vez, deriva-se da elevada presença de gases causadores do efeito estufa na atmosfera terrestre.

A emissão desses gases é uma externalidade ligada ao padrão de produção hegemônico no globo, associado à matriz energética que sustenta esse padrão produtivo, derivada dos combustíveis fósseis. São eles (padrão de produção e matriz energética) os responsáveis pelo aumento da concentração atmosférica de gases como o CO2 e o CO, sendo evidente a constatação de que é necessário alterar esse conjunto (padrão produtivo / matriz energética) para resolver o problema do aquecimento do planeta.

Entre as múltiplas formas possíveis de buscar soluções para esse problema, contudo, são as propostas vinculadas às mais poderosas frações de classe do capital que passam a ser hegemonicamente apresentadas como as mais viáveis e interessantes, dentre as quais a substituição de parte da matriz energética à base de combustíveis fósseis por combustíveis agrocombustíveis. Trata-se de uma alternativa que é interessante para o capital, por permitir a perpetuação de um sistema de produção baseado na mercantilização e privatização da vida, e no

consumismo desenfreado, mantendo a mesma dinâmica de divisão de riquezas atualmente vigente.

É a modernização ecológica tendo lugar, para “mudar” a realidade mantendo a mesma estrutura de poder e de distribuição de riquezas.

Segundo Tanuro (2012, p. 149), a opção pelos agrocombustíveis relaciona-se com a incapacidade do sistema capitalista de almejar uma redução qualquer da produção material e, assim, com a sua incapacidade de renunciar à utilização desenfreada de energia. Para Houtart (2009, p. 172), a perspectiva de ampliação da utilização de agrocombustíveis deve ser entendida como uma busca por soluções que não afetem em nada as relações de poder e as decisões econômicas, tampouco a maneira de produzir, de consumir, ou a maneira pela qual as riquezas mundiais são repartidas.

Explica Tanuro (2012, p. 136), que os agrocombustíveis são compatíveis com a rede de distribuição energética atual, e sua utilização pelos automóveis não implica na necessidade de grandes modificações nos motores.

Além disso, explorar a energia solar convertida em energia química pela biomassa, garante que o recurso energético mantenha-se apropriável e monopolizável pelo controle da propriedade fundiária, adequando-se, assim, à lógica capitalista, por garantir a concentração do poder econômico (TANURO, 2012, p. 172).

Uma vez que somente 14% das emissões de gases vinculadas ao efeito estufa vinculam-se ao transporte, sendo somente 10% ligada ao transporte terrestre, resta evidente que é reduzida a capacidade de contribuição dos agrocombustíveis na modificação da matriz energética (TANURO, 2012; HOUTART, 2009).

A solução estritamente técnica almejada (troca da gasolina pelo etanol) traz em seu bojo, em verdade, a perspectiva de perpetuação do modelo de transporte privado em detrimento do modelo de transporte público, a perpetuação do controle privado da produção energética em detrimento de fontes de controle comunitário, e a perpetuação da ausência absoluta de restrições para a produção material.

Entre as consequências da modernização ecológica da matriz energética para a luta contra a queima da cana-de-açúcar, é possível destacar a associação entre o aumento da demanda por etanol com a territorialização da queima em novas áreas do estado de São Paulo, uma vez que a ampliação da área plantada com cana-de-açúcar no estado, que levou a queima

para áreas anteriormente ocupadas com outras culturas agrícolas, tem, entre suas causas, o aumento da demanda por etanol.7

Esse aumento da demanda, por outro lado, reforça a perspectiva de tratamento do problema da queima através da modernização ecológica da produção agrícola canavieira, com a mecanização da colheita, causando graves problemas sociais.

Esse reforço deriva-se tanto da necessidade mercadológica de redução da área queimada (em virtude das barreiras comerciais) imposta ao etanol, quanto da intensa capitalização do setor (que permite a ele mecanizar a colheita), e do aumento de sua força relativa em relação às instâncias estatais (que permite ao empresariado impor sua perspectiva), fatores associados ao crescimento do consumo do agrocombustível, que amplia ainda mais o já elevado poder econômico e político do empresariado canavieiro.

Os dois momentos de modernização ecológica se agregam.

Além disso, numa perspectiva mais ampla de luta contra a dinâmica de socialização da natureza do agronegócio canavieiro, cabe reforçar que o aumento da área de cana gera a diminuição da agrobiodiversidade e a reprodução de um modelo de produção da vida baseado na exploração e degradação socioambiental. Gera, além disso, o que Maniglia (2009, p. 113) chama de “[...] agravamento da fome e da ausência de alimentos” no Brasil, em virtude do “[...] incentivo que se dá ao plantio de cana para a produção do etanol”, em detrimento da agricultura familiar, causando grave situação de insegurança alimentar.

Houtart (2009, p. 144-161), nesse sentido, explica que os agrocombustíveis fazem concorrência à produção alimentar e, embora não sejam a única causa do aumento dos preços alimentares, constituem um importante fator desse aumento.

Por tudo isso, as lutas ecossociais atualmente enfrentam as duas formas de modernização ecológica que influem na dinâmica de produção da vida no território paulista: a modernização da colheita canavieira e a modernização energética.

7 Segundo dados da ÚNICA (2012, p. 12), na evolução histórica do destino da cana-de-açúcar produzida na

região Centro-Sul, entre a safra 2003/2004 e 2011/2012, o etanol foi o destino médio de 53% da produção de cada ano, respondendo a produção de açúcar pelos outros 47%. Na safra 2011/2012, a produção de etanol foi o destino de 51,6% da cana produzida. Em face desses dados, é indispensável ressaltar que a expansão produtiva da produção canavieira está vinculada, também, à produção de açúcar e não somente à produção de etanol. O açúcar responde, afinal, por quase a metade da cana-de-açúcar produzida. Segundo projeções do MAPA (2012, p. 23), na safra 2011/2012, 70,8% do açúcar produzido teria por destino a exportação. A perspectiva do MAPA para a safra 2021/2022 é de que 81,7% da produção tenham por destino a exportação, que passaria de 27.385 mil toneladas, em 2011/2012, para 39.755 mil toneladas em 2021/2022, num aumento de 45% do valor absoluto exportado. Esses dados indicam que a produção de açúcar tem como principal destino a exportação e, nas projeções do MAPA, essa destinação produtiva ao exterior do país será intensificada nos próximos 10 anos. O etanol, por sua vez, segundo dados da ÚNICA, possui como principal destino o consumo interno: somente 6,9% da produção do etanol, da safra 2010/2011, destinou-se à exportação, e somente 9% da safra 2011/2012 (ÚNICA, 2012, p. 15).

Em relação à modernização ecológica da matriz energética, em nossa opinião, a disputa deve ter como perspectiva o que Tanuro (2012, p. 201) chama de “[...] medida prioritária para estabilizar o clima”, que é a “[...] diminuição do consumo de energia, [e] então da produção e do transporte de matérias.”

Somente a diminuição global do consumo de energia associada à diminuição da produção e do transporte de matérias podem efetivamente suavizar a dinâmica de produção da vida atualmente vigente e, com isso, combater apropriadamente os problemas do aquecimento global. Isso implica também, conforme afirma Houtart (2009, p. 190), em “[...] mudar o modo de consumo da energia, o que se evidencia contraditório com a lógica econômica contemporânea.”

Por isso, a luta contra o aquecimento global deve direcionar-se prioritariamente para a diminuição do consumo de energia, da produção e do transporte.

É preciso mostrar, ainda, que, embora sob a perspectiva estrita da contribuição para o efeito estufa, o etanol seja mais benéfico que os combustíveis fósseis, os problemas socioambientais vinculados à produção desse agrocombustível são múltiplos e significativos, invalidando sua inserção como solução de problemas ambientais.

Uma vez garantida a segurança alimentar global, o que implicaria uma ampla reestruturação produtiva e fundiária, e executada uma importante reestruturação produtiva da produção canavieira (que incluiria a desconcentração fundiária e econômica, a eliminação da queima da cana e das outras práticas agrícolas deletérias, a saída do modelo do monocultivo, entre outras modificações), considerar-se-ia viável e benéfico o uso dos agrocombustíveis, desde que inseridos numa perspectiva de reestruturação energética mais ampla, vinculada à diminuição da produção material.

No formato atual, contudo, os agrocombustíveis são um mero instrumento de desenvolvimento da “eco-indústria”, que não porta as necessárias soluções radicais ao problema do aquecimento global (TANURO, 2012, p. 121).

É preciso, certamente, modificar tecnicamente a matriz energética global, mas essas