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(a música vai desaparecendo enquanto Benedito e o Capitão entram em cena carregando um orelhão, telefone público)

CAPITÃO JOÃO REDONDO: - Vamos levar o orelhão! BENEDITO: - Pensei que era a cabeça de Alyson.

CAPITÃO JOÃO REDONDO: - É o capacetinho dele.

BENEDITO: - Vamos levantar, vai!

CAPITÃO JOÃO REDONDO: - Bote força! Ai! Ai! (voz arranhada indicando esforço físico) BENEDITO: - Homi, tô com os olhos abuticado de botar força!

CAPITÃO JOÃO REDONDO: - Força, vai. (voz forçada como se estivesse fazendo um grande esforço para colocar o orelhão em pé) Então tome conta do orelhão viu, que se alguém ligar ...

BENEDITO: - Tá certo! Tá certo! Tá certo!

CAPITÃO JOÃO REDONDO: - Pois tome cuidado, o pessoal que ligar você atende com educação.

BENEDITO: - Tá certo meu patrão!

CAPITÃO JOÃO REDONDO: - Cuidado! (sai de cena)

BENEDITO: - Pessoal, o importante é que estamos aqui no aniversário de Alyson, ele é bacana. Tem a cabeça grande, mas é assim mesmo. (toca o telefone) Já estão ligando. É assim quando o cara é famoso. Vou atender. (pega o telefone) É! Caiu, como sempre! (o telefone toca novamente) Vou atender aqui. (pega o telefone e puxa-o devagarinho chegando até o meio da tolda) Alôôôô! Sim, pois não. Aqui é o aniversário de Alyson, é! É! Diga não! Quem tá aqui é Pedro Paulo. É! Faz natação no SESC, faz Kumon de matemática. É! Quem tá falando? Da loteria? Ele acaba de ganhar um carro e um cachorro? Tá bom! Vou dizer devagarinho prá ele não cair do coração! Tá certo! Pois tá bom, eu vou dizer a ele, viu? Pedro Paulo ganhou um carro e um cachorro. Tá certo! Qual a sequência? Nessa mesma ordem? Um carro e um cachorro ou um cachorro e um carro? Pois um abraço, tá bom! Venha pra cá, traga a filmadora, traga a Xuxa. (alguém espirra na plateia) Não, não têm cachorro aqui não. Foi só um espirro na plateia. (coloca o telefone no gancho) Pessoal quem quiser ligar aqui pode vir. Tem o pessoal da globo,...

CAPITÃO JOÃO REDONDO: - (entrando em cena apressado) Benedito alguém ligou, ligou? ( a cena prossegue com o texto fixo).

Com esta pequena amostra é possível perceber que Heraldo trabalha com o improviso criando falas no momento da ação dramática aproveitando de alguma informação vinda da plateia e falas também criadas no momento da apresentação à partir dos seus lembretes das dicas fornecidas pelo contratante. Porém ele mantém o controle do desenvolvimento da ação voltando ao texto fixo sempre que a improvisação acontece, seja uma improvisação inesperada ou planejada por ele.

Quando nos encontramos após o dia em que ele me entregou as primeiras folhas escritas, voltei a perguntar mais sobre o processo de construção de seus textos e ele disse-me que as falas fixas dos bonecos, “falas da tradição”, maneira como muitas vezes ele se reportou às falas de textos fixos, ele as têm na memória, já as têm decorada, mas as falas dos temas pedidos pelos contratantes ele precisa lembrar, por isso ele escreve os “lembretes”. Quis saber dele o que ele chamava de “falas da tradição” e ele disse:

São aquelas falas, passagens que se repetem entre os mamulengueiros, como as piadas retiradas de circo. Não são criações minhas, mas eu copio, adapto e mantenho em meu show porque ainda têm um impacto para o público, eles ainda riem com elas. Apesar de serem piadas muito antigas ainda causam o riso na plateia. Mas eu tenho algumas piadas e falas que eu criei, mas não preciso escrever porque já memorizei, como a do relógio de Benedito. São vinte e um anos de profissão, num exercício quase que diário, já está tudo aqui guardado em minha memória, esta parte eu não tenho necessidade de escrever.

Ao analisar os textos escritos por Heraldo e como ele os elabora e os utiliza, percebi que ele o faz de duas maneiras diferentes: uma primeira maneira, a mais utilizada por ele, se dá de forma menos complexa. Quase sempre a sua criação acontece um pouco antes do show, podendo também acontecer dias antes quando têm em mãos as informações necessárias coletadas no momento em que fecha o contrato por telefone ou através de email. Esses textos tipo lembretes escritos por ele, podem ser apenas dicas para ele criar alguma fala na hora da apresentação de assuntos, fatos, características de pessoas da plateia, informações sobre o evento, nomes de pessoas da plateia ou também alguma piada que porventura ele consiga criar no momento de sua elaboração. O processo de criação dessas falas, embora possa parecer espontânea para quem assisti, faz parte de uma “improvisação controlada”, uma vez que, antes de cada show Heraldo procura saber detalhes do evento e de pessoas da plateia conversando com o contratante ou até mesmo com pessoas ligadas ao evento ou à plateia. Algo semelhante também acontece com os brincantes tradicionais ao receberem informações

e nomes de pessoas da plateia que eles incluem na fala dos bonecos dentro no momento da brincadeira. Considero aqui que uma “improvisação controlada” é a parte do texto que é criada para cada show se mesclando à parte fixa e que Heraldo consegue prever, planejar, pensar no que vai ser dito pelos bonecos e até mesmo, que boneco irá dizer tal fala. Ela não é aleatória nem tampouco é produto de um processo de interação e de construção de falas com a plateia, mas sim produto de formulações adotadas por Heraldo de estar trabalhando com a improvisação, característica que marca e dá identidade ao teatro de mamulengos. Compreendo que continua a ser uma improvisação, mas utilizada de uma forma peculiar por Heraldo, pois, com a sua maneira de improvisar ele consegue gerar textos únicos, não reiteráveis em sua totalidade, proporcionando à plateia a sensação de estar assistindo sempre algo novo.

Ao coletar as informações e nomes junto ao contratante, Heraldo obtém, de certa forma, um consentimento autorizado, mas não declarado, para fazer as piadas jocosas ditas por seus bonecos livrando-o de qualquer responsabilidade com possíveis censuras ou chateações por parte de quem teve seu nome mencionado. O que poderia não acontecer se ele optasse em fazer uma improvisação aleatória, espontânea e momentânea. Ao final do espetáculo apresentado no Arraiá do Condomínio Parco Della Veritá, um senhor que teve seu nome incluído na fala dos bonecos, se aproximou de Heraldo perguntando como ele sabia o nome dele e coisas sobre ele. Heraldo se justificou dizendo que Cláudia, a contratante, havia lhe passado as informações. Ele se deu por satisfeito, apertou a mão de Heraldo e elogiou a apresentação. Percebi que nem sempre as pessoas que assistem ao mamulengo, compreendem bem a dinâmica desse gênero teatral, talvez por total desconhecimento.

Com alguns nomes e informações sobre o evento e/ou pessoas, Heraldo pré-elabora em sua mente algumas falas, escolhe em que passagem cada uma irá se adequar melhor e escreve as dicas para lembrar na hora do espetáculo. O texto final é criado no momento da ação dramática se misturando ao texto fixo, dando a ele uma impressão de algo novo. Algumas falas podem surgir durante a dramatização sem que ele tenha planejado, mas não se constitui numa característica de seu teatro. Observei que nesse processo de construção dos textos e falas das passagens, Heraldo opta por um tipo de improvisação que não é a mesma daquela enfatizada pelos autores de pesquisas sobre os mamulengos e que são unânimes em considerar que a improvisação é uma forte característica desse gênero de teatro de bonecos. Constatei que Heraldo não se preocupa em construir as falas pautadas numa improvisação aleatória em interação com a plateia, mas sim numa improvisação em que ele possa ter um completo domínio de seu texto final, uma improvisação pensada e planejada, que mesmo

surgindo na espontaneidade ele trata de ter o seu controle não deixando que ela se prolongue, ele procura tirar o melhor do que surge no campo aleatório retornando logo em seguida ao seu roteiro de uma improvisação planejada e controlada por ele.

Na apresentação no Arraiá do Condomínio Parco Della Veritá, em junho de 2013, a contratante Cláudia, familiarizada com esse tipo de teatro na Paraíba, sua terra natal, uma hora antes de Heraldo apresentar seu Show Folclórico, disse que queria que os bonecos mexessem com umas pessoas que estariam na plateia e queria escrever as dicas e nomes para os bonecos fazerem as piadas. Como não havia papel disponível no momento eu ofereci o meu diário de campo para ela escrever as dicas. Ela aceitou. Após escrever as dicas e explicar ligeiramente cada uma a Heraldo, ela foi se dedicar a outros afazeres da festa junina e eu entreguei a Heraldo o meu diário de campo. Heraldo sentou-se numa cadeira, pegou a prancheta com as folhas numeradas e começou a distribuir todas as dicas fornecidas por Cláudia entre os bonecos. Cada folha numerada corresponde a uma passagem do espetáculo, assim, ele analisa o assunto e procura encaixá-lo na fala fixa em que ele mais se adequa procurando construir o texto dentro de uma lógica, uma possível coerência. Neste momento em que ele mescla os textos, fixo e novo, ele cria falas jocosas com a intenção de arrancar o riso da plateia. Essas novas falas são pensadas e analisadas para não provocar constrangimentos às pessoas que são citadas em seu texto final. Vera por vezes também participa desse processo, dando opiniões e censurando alguma fala. Ela fica atenta aos detalhes que podem passar desapercebidos por Heraldo ou confundi-lo, como aconteceu uma vez em que ele trocou os nomes dos casais citados pelos bonecos, colocou uma esposa para outro marido, contou-me ela na noite da apresentação do Arraiá do Condomínio Parco Della Veritá. É todo um processo de construção textual que antecede a apresentação do espetáculo e que o afasta da ideia de ter o seu teatro construído num processo de improvisação e interação com a plateia. A interação com a plateia se dá de forma também peculiar, como já foi falado no capítulo anterior. Abaixo imagens de Cláudia e Heraldo dentro desse processo de construção do texto não fixo para o espetáculo.

Foto 54 - Cláudia explicando e escrevendo em meu diário de campo as dicas para Heraldo incorporar nas falas dos bonecos.

Foto 55 - Heraldo, antes do show, criando as falas e roteirizando as dicas fornecidas por Cláudia.

Uma segunda maneira de criação da parte não fixa de seus textos se dá de maneira diferente da que eu acabo de explicar. Ela acontece sempre antes do dia combinado para acontecer o espetáculo. Heraldo ao ser contratado para tematizar o show folclórico, dependendo do assunto, ele precisa fazer uma pesquisa. Esses textos geralmente são digitalizados e muitos deles são arquivados. Recebi alguns deles de Heraldo dando-me condições de análise neste momento da escrita etnográfica. São textos que possuem também a

parte fixa, porém não digitada, e sequência de passagens seguidas rigidamente por ele. A parte criada e mesclada à parte fixa traz informações necessárias sobre o tema utilizando um vocabulário específico, por exemplo: fenação, silagem, protetor auricular, embolismo pulmonar, reposição hormonal, massa óssea, gás natural, plataforma, royalties, etc. Observei que raramente ele utiliza de um linguajar típico da região, utiliza sim, quase sempre, de palavras ditas corretamente e bem articuladas. As informações sobre o tema aparecem em falas mescladas às falas fixas dos bonecos e em textos mais longos criados por ele em forma de poesia de cordel e na embolada.

Trago abaixo uma parte do Show Folclórico contratado pela PETROBRÁS para informar aos pescadores de Paraipaba, no Ceará, sobre os cuidados a serem tomados ao se aproximarem das plataformas de petróleo. O show final apresenta falas novas mescladas às fixas e poesia de cordel para falar sobre o tema. Recebi o texto tematizado digitalizado e vou copiá-lo da maneira como me foi entregue, pois é dessa mesma forma que ele é impresso para ser pendurado dentro da tolda e utilizado por Heraldo durante o show. Lembrando que esta é a parte nova do texto, a parte fixa Heraldo tem na memória, portanto não aparece no texto impresso. A parte fixa e memorizada vai se mesclando a essa parte impressa, ocorrendo uma junção entre o texto oral e o escrito, que é oralizado e recebe no momento de sua performance, todas as qualidades da voz encontradas na poesia oral: ritmo, entonação, intensidade. Uma poeticidade vocalizada. (ZUMTHOR, 2010)

1.2– COMPUTADOR

PARAIPABA RECEBEU ATÉ DEZEMBRO DE 2008, A

QUANTIA DE 93.378,92 EM ROYALTIES.

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