• Nenhum resultado encontrado

Ricardo Dutra Nunes

4. A patente européia

Como exposto, o sistema de patentes europeu possibilita, através de um procedimento unificado, a concessão de uma patente européia, produzindo em cada um dos países-membros designados pelo requerente. Outrossim, os efeitos das patentes assim conferidas são idênticos aos que produziriam patentes nacionais concedidas in- ternamente por cada um dos países indicados40. Dessa feita, “[f]or

each Contracting State, the respective national law has to be referred to in order to determine the effect of European patent applications and patents designating that State and to determine the rights granted to their proprietors”41.

39

SINGER, Romuald; SINGER, Margarete; rev. LUNZER, Ralph. Op. cit., p. 584-585.

40

MUIR, Ian; BRANDI-DOHRN, Matthias; GRUBER, Stephan. Op. cit., p. 184.

41

Ibidem, p. 245. Repisa-se, ademais, que o sistema europeu de patentes versa sobre a vali- dade das patentes européias, mas a violação dos direitos decorrentes dessas patentes continua sendo coibida internamente por cada um dos países contratantes da EPC. Ou seja, continua valendo a regra de que “[o] Estado é competente para impedir que o uso exclusivo do invento objeto da patente seja maculado, porém esta competência encontra-se territorialmente limitada” (SICHEL, Ricardo. A Evolução ..., p. 40).

A respeito do conteúdo formal de uma patente européia, cabe dizer que ele é basicamente o mesmo de qualquer patente nacional, o que denota a importância do relatório descritivo e das reivindica- ções42, que serão ora analisados.

Primeiramente, imperioso esclarecer que o relatório descriti- vo, ao contrário do que se imagina, não tem como única função reve- lar à sociedade um determinado invento, permitindo que um técnico no assunto43 utilize-o. Ele apresenta outra função fundamental, con-

sistente em dar suporte às reivindicações, que devem ser sempre li- das e interpretadas à sua luz44.

Já no que tange às reivindicações, insta acentuar que sua fun- ção maior é definir o escopo da proteção patentária. A abrangência das reivindicações deve se ater à contribuição técnica revelada pelo relatório descritivo, conforme leciona Gerald Paterson: “when deter- mining the allowable scope of the claim, it is first necessary to determi- ne the technical contribution to the art which underlies the claimed invention and which has been disclosed to a skilled reader”45,46.

42

SICHEL, Ricardo explica que o requerimento de patente européia deve conter: “uma petição de requerimento de patente européia, a descrição da invenção, uma ou mais reivindicações, os eventuais desenhos que estejam relacionados com as reivindicações ou descrição da patente e um resumo desta” (Ibidem p.58-59).

43

Sobre essa questão do “técnico no assunto”, vale elucidar: “The skilled person is the adressee

for both the disclosure and the inventinve step. At the same time he sets the standard required of the disclosure: the disclosure must put him in a position to carry out the invention without unreasonable expenditures, i.e. the disclosure must be an ‘enabling disclosure’“ (MUIR, Ian;

BRANDI-DOHRN, Matthias; GRUBER, Stephan. Op. cit., p. 132).

44

PATERSON, Gerald. Op. cit., p. 310. Nesse sentido, aliás, posicionam-se, nitidamente, as instâncias decisórias do EPO: “The extent of the patent monopoly, as defined by the claims,

should correspond to the technical contribution to the art in order for it to be supported, or justified []. This means that the definitions in the claims should essentially correspond to the scope of the invention as disclosed in the description. [] Thus, the requirement of Article 84 EPC that the claims shall be supported by the description is of importance in ensuring that the monopoly given by a granted patent generally corresponds to the invention which has been described in the application” (T133/85 XEROX/Amendments O.J. EPO 1988, 441, [1989] E.P.O.R. 116).

45

Ibidem, p. 337. Na mesma direção, cf. MUIR, Ian; BRANDI-DOHRN, Matthias; GRUBER, Stephan. Op. cit., p. 142.

Diante dessas considerações, vê-se que, na esteira do consoli- dado em doutrina, as reivindicações podem ser de vários tipos, tantas quantas forem as possibilidades inventivas. No entanto, há de se fri- sar que, academicamente — mas com efeitos práticos relevantes —, elas costumam ser classificadas em dois gêneros principais: o das rei- vindicações que abrangem uma “physical entity” e o das que abran- gem uma “physical activity”. Segundo esse entendimento, todo e qualquer tipo de reivindicação se enquadra em um desses dois gran- des gêneros podendo haver, inclusive, reivindicações híbridas, que se encaixam em ambos os gêneros mencionados47. Ilustrativamente,

aparelhos ou composições seriam reivindicações de entidade física, enquanto processos de fabricação configurariam atividade física.

No que se faz pertinente a este trabalho, cabe pontuar que, a partir dessa classificação, dividem-se as reivindicações em subgêne- ros ou espécies, dentre os quais cumpre analisar dois, quais sejam, (i) as reivindicações de produto e (ii) as reivindicações de uso.

Pois bem, as reivindicações de produto, quando se trate, por exemplo, de máquinas ou aparelhos, protegem o produto em si, em todos os contextos e qualquer que seja seu uso48. Assevera-se que:

“[t]he protection of the patent extends to each product having the same

46

No que concerne à função das reivindicações, impossível deixar de citar a famosa decisão G 2,6/88, cujo teor é bastante claro: “Article 84 EPC provides that the claims of a European

patent application ‘shall define the matter for which protection is sought’. Rule 29(1) EPC further requires that the claims ‘shall define the matter for which protection is sought in terms of the technical features of the invention’. The primary aim of the wording used in a claim must therefore be to satisfy such requirements, having regard to the particular nature of the subject invention, and having regard also to the purpose of such claims. The purpose of claims under the EPC is to enable the protection conferred by the patent (or patent application) to be deter- mined (Article 69 EPC), and thus the rights of the patent owner within the designated Contrac- ting States (Article 64 EPC), having regard to the patetability requirements of Article 52 to 57 EPC” (G2,6/88 MOBIL OIL/BAYER/Friction reducing additive O.J. EPO 1990, 93, 114, [1990]

E.P.O.R. 73, 257).

47

G2,6/88 MOBIL OIL/BAYER/Friction reducing additive O.J. EPO 1990, 93, 114, [1990] E.P.O.R. 73, 257.

48

physical, material features, without regard to the manner or means of production, and thus encompasses all of the functions, effects, pur- poses, uses and advantages of the product”49.

Não obstante, a própria natureza de um aparelho — embora isso não seja uma regra absoluta, comportando diversas exceções —, já sugere uma forma específica de utilização, ou, ao menos, usos aná- logos. Exemplificativamente, seria possível citar uma moto-serra, ou uma máquina de fazer gelo, que apresentam funções bastante espe- cíficas e nada surpreendentes: serrar e fazer gelo.

Quando se trata de um produto farmacêutico, no entanto, o tema ganha novos contornos. Isso porque “the structure of a chemi- cal compound or the composition of a pharmaceutical product does not determine how it is used. The technical advantage which can be derived from such a product normally depends upon the environment in which it is used”50.

Dessa maneira, apesar de parte da doutrina sugerir que a tute- la patentária conferida deveria abranger apenas o produto limitado pelo uso descrito na patente farmacêutica, fato é que a proteção con- ferida a invenções dessa natureza sempre foi a mesma dada a máqui- nas ou aparelhos, ou seja, protegendo-se o produto per se, de forma absoluta, qualquer que seja o contexto ou a utilização51.

Porém, deve-se vislumbrar a hipótese, constatada na prática, de ser inventado um uso novo e inventivo para um produto já conhe-

49

MUIR, Ian; BRANDI-DOHRN, Matthias; GRUBER, Stephan. Op.cit., p. 254.

50

PATERSON, Gerald. Op. cit., p. 341.

51

Nesse sentido, alias, é a orientação do EPO: “It is generally accepted as a principle underlying

the EPC that a patent which claims a physical entity per se confers absolute protection upon such physical entity; that is, wherever it exists and whatever its context (and therefore for all uses of such physical entity, whether known or unknown”(G2,6/88 MOBIL OIL/BAYER/Friction redu- cing additive O.J. EPO 1990, 93, 114, [1990] E.P.O.R. 73, 257). Essa “absolute protection” já era

reconhecida em países como Alemanha, Inglaterra e França, enquanto países como Suécia e Itália limitavam a proteção à utilização revelada (PATERSON, Gerald. Op. cit., p. 589).

cido. Nesse caso, o novo uso não poderia ser objeto de uma reivindi- cação de produto, pois que este já é conhecido, carecendo de novi- dade; mas tão somente de uma reivindicação de uso, cabível, em tese, em todas as áreas da tecnologia. Endossando essa assertiva, sa- lutar o magistério de Gerald Paterson: “[s]uch a claim formulation re- flects the essence of what has been invented, namely that a (known) product can be used (in a known method) to produce a previously unknown technical effect”52.

Igualmente, o entendimento do EPO corrobora a legitimidade das reivindicações de uso, com esteio na possível contribuição técni- ca inerente às invenções desse tipo. Confira-se: “[t]he recognition or Discovery of a previously unknown property of a known compound, such property providing a new technical effect, can clearly involve a valuable and inventive contribution to the art”53.

Ultrapassadas essas questões preliminares, dedica-se a próxi- ma parte deste estudo às reivindicações de primeiro, segundo e pos- teriores usos médicos.

No documento REVISTA SEMESTRAL DE DIREITO EMPRESARIAL Nº 4 (páginas 156-160)