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V. O PROCESSO CUMULATIVO E A TQM: INTERPRETAÇÕES SOBRE O CARÁTER

V.1. INTERPRETAÇÕES ACERCA DO PROCESSO CUMULATIVO DE WICKSELL

V.1.1. O modelo de Wicksell como suplemento à TQM

V.1.1.2. Patinkin

Patinkin chegaria a essa mesma conclusão de Humphrey, mas utilizando uma explicação um pouco diferente.

Segundo a interpretação de Patinkin, para Wicksell, o conceito ‘moeda’ utilizado na TQM significava a moeda metálica que serviria como meio de transação oficial no país e como reservas no sistema bancário.

Os depósitos bancários não estariam incluídos neste conceito de moeda. Um aumento na demanda por depósitos (demanda por empréstimos) só elevaria, segundo Wicksell, a chamada Velocidade Virtual das reservas metálicas bancárias.

utilizado acima por Humphrey, que seria uma das principais fraquezas de seu corpo teórico, de acordo com Patinkin, a característica relevante de cash-balance seria a coletiva: somatório dos depósitos pelos bancos.

Segundo este autor, em uma economia moderna, na qual a presença do crédito seria cada vez maior, e a importância do sistema bancário-financeiro se amplificaria cada vez mais, Wicksell aponta que um aumento no estoque de moeda metálica atingiria o coletivo, inicialmente, e não o fator individual. A primeira variável a responder a este aumento de moeda metálica na economia seria o agregado das reservas bancárias, na forma de um aumento. E, portanto, não haveria o efeito saldos reais diretamente no nível geral de preços, como sugerido pela TQM.

Neste sentido, Patinkin afirma:

[...] é necessário suplementar a teoria quantitativa tradicional com a explicação de como um aumento nas reservas bancárias, em última instância, gera um aumento nos preços. E este é o papel do processo cumulativo. (PATINKIN, 1965, p.588).

Neste contexto, Patinkin descreve o Processo Cumulativo de uma forma diferente daquela exposta por Humphrey. Ele começa sua análise a partir de um país ‘A’ com uma economia aberta que não produz ouro. Ou seja, mostrando claramente uma diferença ao modelo descrito no capítulo IV: Patinkin, ao contrário de Wicksell, supõe um modelo com economia aberta.

Além disso, adota a hipótese de que predominaria o padrão-ouro e que, inicialmente, existiria um equilíbrio.

O processo começaria, segundo este autor, com a descoberta de novas minas de ouro em um país ‘B’. Inicialmente, no país ‘B’, haveria um aumento de demanda agregada (aumentaria poder aquisitivo em ‘B’), o que geraria, também, um aumento de demanda por produtos de ‘A’. Neste sentido, ocorreria um aumento nos preços de ‘A’, enquanto a taxa monetária de juros deste país permanecesse inalterada.

Com isso, existiriam duas possibilidades de conseqüências para o país A, não produtor de ouro. A primeira delas seria que, se o ouro seguisse inteiramente para as mãos dos indivíduos, o processo cessaria seus efeitos. Porém, se alguma parte

ou a totalidade do ouro fosse transferida para o sistema bancário de A, seja proveniente de capitalistas estrangeiros ou via depósitos bancários do público de A, então os bancos ficariam com excesso de reservas (PATINKIN, 1965, p. 588-590).

Neste caso, os bancos desejariam aumentar a oferta de empréstimos para otimizar a utilização de seus recursos. Para isso, reduziriam a taxa monetária de juros para atrair um número maior de interessados em obter crédito.

Patinkin aponta que esta redução na taxa bancária teria duas conseqüências fundamentais e diretas: (i) haveria um desincentivo à poupança e um conseqüente aumento no consumo presente de bens e serviços; (ii) se a taxa natural de juros permanecesse constante por não haver qualquer alteração nos fatores reais da economia, uma taxa monetária de juros menor que esta significaria que a oportunidade de lucros dos empresários aumentaria e, portanto, a demanda por empréstimos também se elevaria.

Neste contexto, seriam aumentadas tanto a demanda por bens de consumo como por bens de capital. E, dado o pleno-emprego, os preços dos bens de consumo, dos bens de capital e salários também se elevariam, causando um aumento no nível geral de preços. Caso esta situação permanecesse, o aumento no nível geral de preços seria cumulativo. Como afirma Patinkin:

[...] uma dada discrepância entre taxa bancária [monetária] e a taxa real [natural] trará, se mantida indefinidamente, um contínuo, e não meramente um dado, aumento nos preços. Em outras palavras, após um aumento inicial nos preços, um aumento adicional nos preços não requer uma queda adicional na taxa de juros monetária. (PATINKIN, 1965, p.590).

Porém, esta cumulatividade não seria, na interpretação de Patinkin, autogeradora. Segundo ele, Wicksell não teria afirmado que o processo continuaria porque geraria expectativas de aumentos adicionais nos preços. Para Wicksell, o nível geral de preços no período t+1 seria igual ao período t.

Além disso, Wicksell teria afirmado que “[...] o caso das expectativas de preço elásticas [...] [seria] um caso especial, fora de seu campo principal de investigação” (PATINKIN, 1965, p. 590-591). Portanto, as expectativas não seriam um fator capaz

A diferença entre a taxa natural e a taxa monetária de juros não levaria por si só à cumulatividade, seria preciso que o crédito bancário continuasse a se expandir. Ou seja, para que a cumulatividade fosse possível seria necessário que a oferta de crédito fosse elástica.

A pergunta que Patinkin formula é, então: dados estes fatores possibilitadores da cumulatividade dos preços, o Processo Cumulativo seria explosivo? Haveria algum desfecho com algum tipo de equilíbrio? Existiria algum limite para que os bancos mantivessem um diferencial entre a taxa monetária e a taxa natural de juros?

Segundo Patinkin, para Wicksell, a resposta seria sim, haveria um limite. Primeiramente, quando houvesse um aumento nos preços no país A, haveria uma drenagem das reservas bancárias em direção ao país B, e um conseqüente aumento na taxa monetária de juros de A. Porém, Patinkin destaca que, se a taxa monetária de juros em B fosse aumentada na mesma proporção, dadas as hipóteses já citadas, esta medida não seria eficiente na contenção de perdas de reservas em A (o diferencial de preços continuaria). Portanto, um aumento na taxa monetária de juros em A devido a um esvaziamento de reservas bancárias para o exterior não seria “uma resposta suficiente” (PATINKIN, 1965, p. 591).

Neste contexto, de acordo com Patinkin, Wicksell inseriria o elemento fundamental de restrição neste processo, que completaria a resposta dada acima. Em última instância, uma taxa monetária menor que a taxa natural de juros provocaria um enxugamento das reservas bancárias por meio do aumento da demanda por empréstimos. No intuito de manter tais reservas a níveis mínimos de segurança, os bancos teriam que aumentar suas taxas de juros até que ela atingisse o valor da taxa natural.

Assim, o nível de preços se fixaria em um nível maior e a taxa monetária de juros retornaria a seu valor inicial, sendo igual à magnitude da taxa natural de juros. Com isso, por uma trajetória diferente daquela utilizada por Humphrey, Patinkin conclui:

[...] a operação do processo cumulativo não implica que o sistema é instável, e que, depois de um distúrbio inicial, ele continuamente se distancia de uma posição de equilíbrio. Pelo contrário, por meio de seus efeitos nas reservas bancárias, o processo cumulativo, na análise de

Wicksell, desempenha o papel do mecanismo equilibrador fundamental forçando os bancos a eliminar qualquer discrepância entre a taxa que eles estabelecem e a taxa real [natural], e deste modo restaurando o equilíbrio ao mercado de empréstimos. (PATINKIN, 1965, p.592).

Para reforçar a idéia da análise feita acima, seria necessário, segundo Patinkin, estabelecer uma hipótese, então, sobre o comportamento dinâmico da taxa monetária de juros.

Esta taxa nunca seria alterada por si só, sempre haveria uma influência exógena por trás das alterações. Os bancos seriam induzidos a alterá-la; nunca seria uma decisão arbitrária.

A influência exógena referida acima poderia ocorrer de três formas: (i) diante de uma contínua redução das reservas bancárias; (ii) quando há um volume de empréstimos muito grande em relação às reservas; (iii) ocorrência de ambos simultaneamente.

É interessante notar que, de acordo com Patinkin, Wicksell analisaria a redução de reservas e o excesso de empréstimos como dois problemas distintos, mesmo sabendo que ambos causariam a mesma situação: uma redução na proporção entre reservas e empréstimos nos balanços dos bancos. Além disso, Wicksell, segundo a interpretação de Patinkin, consideraria a perda de reservas bancárias como sendo o choque que os bancos mais sentem27.

Segundo Patinkin, o que guiaria os bancos, por hipótese, seria a magnitude absoluta das reservas, e não a proporção destas em relação aos empréstimos registrados no balanço. Se bancos fossem guiados pela proporção de reservas- empréstimos, quando houvesse uma taxa monetária de juros menor que a natural, eles aumentariam suas taxas e diminuiriam a expansão de seus empréstimos tão logo tal proporção caísse.

A conseqüência disso seria que, neste caso, o Processo Cumulativo poderia ser concebido como chegando a um fim sem um esvaziamento de reservas. Logo, o movimento de preços não teria que ser um passo intermediário necessário do argumento apresentado por Wicksell.

Como o foco de Wicksell, de acordo com Patinkin, seria de que os bancos responderiam a variações no nível absoluto de reservas, quando o nível geral de preços subisse e, por conseqüência, aumentasse a demanda de empréstimos por parte dos empresários, a taxa monetária de juros não se alteraria.

Somente se houvesse variação no nível de reservas bancárias é que a taxa de juros sofreria mudanças. Portanto, a demanda por empréstimos não afetaria, diretamente, a taxa monetária de juros.

Wicksell, segundo Patinkin, conceberia que haveria um lag para se chegar ao equilíbrio. Este fato explicaria o nível geral de preços e a taxa monetária de juros caminhando na mesma direção, por algum período de tempo.

Além disso, Wicksell destacaria, nas palavras de Patinkin, que não seria o nível da taxa monetária de juros que importaria, mas a relação desta com a taxa natural de juros.

De acordo com Patinkin, se houvesse um aumento no nível de preços por um grande período, a hipótese de que os preços esperados para o próximo período seriam iguais ao do período atual teria que ser abandonada. Esse aumento contínuo levaria os empresários a contar não só com os preços efetivos do período atual, mas também com um adicional de reajuste.

Para parar este processo, não bastaria aumentar a taxa monetária de juros até o nível da taxa natural. Ter-se-ia que aumentar aquela taxa acima da natural para frustrar as expectativas dos empresários em alguns períodos. Só assim haveria um ajuste na formação das expectativas e o equilíbrio poderia ser atingido de novo.

Então, em resumo, a opinião de Patinkin é a de que o Processo Cumulativo preservaria os principais pressupostos da TQM. Porém, destaca que Wicksell seria veementemente contra versões mecanicistas da TQM por estas terem ignorado a questão do crédito.

Ao contrário da descrição feita do Processo Cumulativo no capítulo IV, Patinkin só se utiliza da suposição em que a economia seria mista, ou seja, haveria moeda metálica e crédito.

Assim como Wicksell, Patinkin destacou o choque monetário como o foco principal da exposição do Processo Cumulativo. Este autor não menciona explicitamente qualquer argumento em relação a choques reais, porém, também não descarta esta possibilidade.

E, assim como Wicksell, Patinkin destaca a presença de uma âncora nominal exógena que evitaria que o Processo Cumulativo fosse explosivo: a taxa monetária de juros, arbitrariamente definida pelos bancos.

Com isso, Patinkin, também teria a opinião de que Wicksell teria meramente suplementado a TQM.