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I- ­‐ INTRODUÇÃO 1

I.5.   Patogénese da Malária Placentária 19

Várias hipóteses têm sido propostas para explicar o aumento da susceptibilidade das mulheres grávidas à malária e a alta frequência da infecção placentária (Matteelli et al., 1996), que podem ser descritos em dois mecanismos principais. O primeiro, propõe que a gravidez é um período de imunodepressão generalizada que é sustentada, principalmente, pelo aumento dos níveis de cortisol sanguíneo. Os níveis de cortisol são mais elevados em mulheres grávidas com malária do que nas grávidas sem malária, e as respostas imunitárias mediadas pelas células aos antigénios da malária estão marcadamente mais suprimidas nas primigestas do que nas gravidezes subsequentes (Vleugels et al., 1989). Contudo, esta hipótese não explica a replicação preferencial dos parasitas dentro da placenta. Além disso, os níveis de cortisol aumentam linearmente durante a gravidez, ao passo que a susceptibilidade à malária tem o pico no segundo trimestre e depois decresce. O segundo mecanismo defende que a imunossupressão é principalmente um fenómeno local ao nível da placenta, sustentado pelo aumento das concentrações locais de estrogénios. A produção de estrogénios diminui com a paridade e, possivelmente, durante a gestação das mulheres infectadas, devido à produção diminuída da hormona pela placenta infectada e danificada. (Watkinson et al., 1985). Contudo requerem-se mais estudos para associar as concentrações de estrogénios placentários com a infecção placentária. Mais recentemente, uma hipótese imunológica alternativa foi proposta para explicar a susceptibilidade aumentada à malária durante a gravidez (Smith, 1996). Têm sido observados mecanismos efectores e não-específicos que jogam um papel importante na limitação da replicação de P. falciparum nos indivíduos não-imunes, pela activação das respostas das citoquinas tipo-1 (i.e. IFN- gama, interleuquina 2, 12 e TNF). Contudo a aquisição da imunidade protectora e específica está associada com a activação das respostas das citoquinas do tipo-2 (i.e. interleuquinas 10, 4 e 6). Ficou proposto que as mulheres grávidas têm um sistema imunológico que se confunde com os mecanismos de defesa humoral do tipo-2 e diferente das respostas celulares do tipo-1, porque estas comprometeriam a viabilidade da unidade fetoplacentária (Smith, 1996; Deloron e Maubert, 1995). As mulheres grávidas estariam portanto mais susceptíveis à malária pela inibição da resposta das citoquinas do tipo-1. Contudo, esta hipótese, não explicaria porque é que os efeitos da malária sobre a mãe e o feto são mais severos nas áreas de transmissão instáveis da malária do que nas áreas onde a transmissão é estável (Matteelli et al., 1996). Há mais

de uma década, McGregor et al., (1983) sugeriram que a placenta é um local preferencial de multiplicação dos parasitas da malária por causa de factores não identificados. Recentemente esta hipótese recebeu um subsídio adicional pela descoberta de uma subpopulação de P. falciparum, que adere ao CSA da placenta (Fried and Duffy, 1996). Utilizando ensaios in-vitro que medem a aderência à proteína da matriz extracelular imobilizada, os investigadores identificaram uma subpopulação de P. falciparum distinta, com fenótipo de ligação CSA-específico (que não se ligam a outros receptores). Noutra série de experiências in-vitro, verificou-se que esta subpopulação de parasitas se liga, preferencialmente, às vilosidades trofoblásticas, vilosidades extracelulares e às trabéculas sinciciais do tecido placentário; ligação inibida pela presença de CSA livre. Embora, a CSA seja um componente comum da matriz extracelular e encontrada abundantemente no corpo, propôs-se que a placenta é o único local onde a interacção entre a CSA e os eritrócitos parasitados podem realmente ocorrer, uma vez que o fenótipo de ligação-CSA estava ausente nas amostras do sangue periférico de mulheres não-grávidas (Fried e Duffy, 1996). No modelo proposto, as mulheres só providenciam um substrato para o fenótipo dos parasitas de ligação-CSA, quando elas estão grávidas, na altura em que a sequestração dos parasitas determina o quadro da malária placentária. Nas áreas de alta endemicidade, as primigestas são presumivelmente as mulheres grávidas mais afectadas pela malária, porque apesar do reconhecimento humoral de uma gama de antigénios parasitários, na altura em que são adultas, elas quase não dispõem dos anticorpos contra a população parasitária que se liga ao CSA. As multigestas são, presumivelmente, menos afectadas por causa da retenção da memória imunológica das primeiras gravidezes. A hipótese de Fried e Duffy (1996) está também em consonância com o reconhecimento recente da diversidade de genes do parasita que codificam as proteínas que ligam aos receptores existentes sobre as várias moléculas de superfície da célula do hospedeiro. Esta diversidade indica que os parasitas têm um enorme reportório de locais potenciais de ligação-hospedeiro e que ocorrem provavelmente subpopulações com tropismos para órgãos específicos.

Nos estudos histológicos de placentas infectadas, o diagnóstico de malária placentária é baseado na identificação de parasitas ou de pigmento malárico. Os eritrócitos parasitados têm sido constantemente descritos no espaço intervilositário (i.e. no lado materno da corrente sanguínea). O estadio predominante é o trofozoito, mas

também foram reportados esquizontes. O pigmento, durante as fases precoces da infecção, concentra-se nos macrófagos nos espaços intervilositários, no trofoblasto, nas células de Hoffbauer e nos depósitos de fibrina do estroma vilositário. O desaparecimento do pigmento pode ser completo depois duma infecção activa ser resolvida, mas depósitos de fibrina levam tempo a desaparecer (Bulmer et al., 1993). Presume-se que o desaparecimento do pigmento ocorra dentro de meses e que o pigmento identificado em placentas de termo surge de infecções adquiridas na segunda metade da gravidez. Parasitas e pigmento não são as únicas características da malária placentária. As observações histológicas-chave foram feitas por Galbraith et al., (1980) e Walter et al., (1981), que demonstraram que a malária da placenta resulta em várias alterações histológicas nas vilosidades coriónicas. As três alterações observadas foram: (1) abundantes monócitos dentro dos espaços intervilositários; (2) células citotrofoblásticas mais comuns (reflectindo uma resposta não específica à lesão do trofoblasto; e (3) espessamento evidente da membrana basal do trofoblasto (Galbraith et al., 1980; Walter et al., 1981). Alterações histológicas similares (numerosos monócitos nos espaços intervilositários, lesão do trofoblasto e necrose focal, perda parcial de microvilosidades e espessamento da membrana basal do trofoblasto) foram descritas por Yamada et al., (1989), noutra série de 20 placentas.

De acordo com Steketee et al., (2001), foi Blumer et al., 1993que introduziram pela primeira vez a classificação da malária placentária. Esta classificação foi mais tarde ligeiramente modificada por Ismail et al., 2000. A infecção activa, que é definida pela presença de eritrócitos parasitados no espaço intervilositário da placenta, inclui duas categorias: Infecções agudas (só parasitas e depósito mínimo de hemozoina nos macrófagos, mas não fibrina), e infecções crónicas (parasitas e depósito de hemozoina). A categoria “infecções passadas” inclui casos com hemozoina, geralmente misturados com fibrina, mas sem parasitas (Brabin et al., 2004). Considera-se não infectada quando não há evidências de parasitas ou pigmento.