• Nenhum resultado encontrado

IV. Componentes do sistema econômico relevantes ao planejamento

3. O patrimônio global da sociedade

Um dos papéis mais relevantes do governo, enquanto gerenciador dos recursos públicos, indicador dos caminhos para o setor privado enquanto coordenador das políticas do sistema econômico, consiste em tornar efetivo o uso do patrimônio da nação, para fins de obtenção dos objetivos nacionais de melhora do bem-estar da comunidade. Essa atribuição difere do papel simplesmente gerencial dos recursos governamentais para fins de orçamento, ou para fins de organização de seus próprios recursos, embora ambos os papéis sejam relacionados e seus objetivos mutuamente influentes. A justificativa para a ação ou para uma despesa governamental pode estar ligada ao objetivo do patrimônio global da sociedade, ou aos próprios objetivos do patrimômio governamental. Nesse sentido, é fundamental a conscientização dos conceitos que envolvem o patrimônio global da sociedade. É possível identificar-se quatro tipos principais de ativos que identificam esse patrimônio46.

O primeiro grupo de ativos compreende os recursos naturais da economia, cujo conhecimento da disponibilidade inclui não apenas a possibilidade de exploração corrente, mas também a provisão para a continuação da exploração e identificação de novas fontes de recursos a serem utilizados. Associados ao gerenciamento desse patrimônio, estão a determinação dos princípios legais para o estímulo à exploração privada, que sejam consistentes com os interesses nacionais, a regulação pública do uso dos recursos naturais, o desenvolvimento público desses recursos onde a iniciativa privada não é possível, medidas de conservação sob o ponto de vista dos requisitos de longo prazo e o uso apropriado do domínio desses recursos pela esfera pública. Ligado aos recursos naturais da sociedade, porém observado sob um prisma próprio, outro patrimônio relevante é a população, da qual é derivada a força de trabalho, não apenas em termos quantitativos, mas de forma ainda mais influente, em termos de saúde, disposição, desenvolvimento intelectual, habilidades, treinamento, desenvolvimento cultural e distribuição geográfica. Nesse sentido, não se atribui a esse ativo simplesmente objetivos de aumento do número, quando se avalia as condições de melhoria da riqueza nacional. Na atualidade, é atribuída maior relevância ao aumento da qualidade e das capacidades da população existente, do que ao aumento populacional, para ganhos

ANITA KON

econômicos e de bem-estar; discute-se também se a distribuição geográfica mais difusa das pessoas traz maiores ganhos do que a aglomeração em centros urbanos.

Uma outra categoria de ativos da sociedade refere-se às instalações produtivas de propriedade privada. Relacionam-se às fábricas, lojas, shopping centers e outras instalações que representam a riqueza privada, que devem ser consideradas no contexto de um planejamento indicativo em países capitalistas, embora nos planejamentos de economias socialistas não se justifique sua importância. Desse conjunto de ativos, nas economias capitalistas, são derivados mais ou menos recursos para a sociedade como um todo, dependendo das políticas e dos programas governamentais que os afetam e, portanto, recebem um tratamento adequado no processo de planejamento.

A última categoria de ativos do patrimônio nacional refere-se às instalações produtivas de propriedade social. A distinção entre propriedade pública e social é importante, não tanto por quaisquer diferenças qualitativas entre as duas qualificações, mas principalmente, pelo envolvimento de diferentes agentes no financiamento e gerenciamento desse patrimônio. Relacionam-se, nesses grupos, as escolas, serviços sanitários, redes de comunicações, de transportes e outras que podem ser de propriedade e operadas tanto pelo setor público, quanto pelo privado. São incluídos também alguns serviços como a proteção policial, de bombeiros e dos sistemas de transportes (serviços rodoviários, ferroviários, portuários e aeroportuários), sistemas de inspeção federal sobre a produção, o consumo, fronteiras, e assim por diante, que correspondem ao patrimônio social e, da mesma forma, são objeto de tratamento governamental.

É necessário salientar-se que nem sempre a separação ou a classificação de um ativo na categoria pública ou privada é nítida, observando-se, em muitos casos, a necessidade de esclarecer-se a linha divisória entre esses dois âmbitos. O exemplo das moradias mostra essa dificuldade, pois embora a maior parte desses ativos sejam de propriedade privada, quando considerados de forma coletiva, permite a conotação de ativos de uma cidade e são objetos de estudo no processo de planejamento, as necessidades do acesso financeiro e físico da população, a estes ativos, ou seja, tanto a disponibilidade de crédito, quanto a criação e manutenção da infra-estrutura de ruas, estradas, água, esgoto, energia elétrica, proteção policial entre outros.

Com relação a todo o patrimônio nacional, público ou privado, a função do governo é preservar e intensificar o valor dos ativos existentes e possibilitar a formação e criação de um novo patrimônio, condizente com os objetivos nacionais de melhoria do bem- estar da sociedade. Isto requer o acompanhamento contínuo dos efeitos das mudanças sobre o patrimônio, no decorrer do tempo e a partir dos impactos das políticas econômicas. As mudanças na tecnologia e nos hábitos e gostos da população afetam o uso dos recursos naturais e dos demais ativos. Por exemplo, a água e o ar, que em um momento inicial de desenvolvimento de uma economia, podem ser considerados como bens livres da natureza e gratuitos, em etapas posteriores, onde a urbanização, concentração populacional e aglomeração de atividades produtivas resultam no desgaste e poluição desses ativos, devem receber um tratamento diferenciado.

Com relação à qualificação da população, para citar outro exemplo, o conjunto de conhecimentos que constitui um patrimônio intelectual é, constantemente, erodido com o tempo, com o advento de novas descobertas, novas técnicas de produção e com a possibilidade mais ampla de acesso a informações. Parte da população que se mantém estagnada diante das mudanças no conhecimento e nos padrões de vida, com a passagem do tempo, quando consideradas diante do patrimônio global da sociedade, reflete uma menor utilidade sócio-econômica. Por outro lado, a deterioração física constante das cidades, o aparecimento de favelas, o congestionamento dos transportes públicos, o empobrecimento de regiões antes em desenvolvimento são exemplos de situações em que a intervenção governamental na economia falhou diante da necessidade de preservação antecipada do valor do patrimônio nacional.

V. OS FUNDAMENTOS DO PLANEJAMENTO EM