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2 PRIMEIRA PARTE, OU EXPERIMENTOS

2.2 C ONTRA O VANDALISMO E O EXTERMÍNIO , O PROJETO PAULISTA DE UM

2.2.3 Paulo Duarte e o Departamento de Cultura

Paulo Alfeu Junqueira Duarte nasceu em São Paulo, em 16 de novembro de 1899 e ao longo da vida desempenhou diversas atividades que lhe trouxeram reconhecimento, tais como a de jornalista, político ou professor. Aos 19 anos, ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, quando também participou ativamente da campanha política de Rui Barbosa para presidência da República, firmando-se, naquele momento, como um militante contrário às oligarquias políticas que controlavam o país. Duarte foi também um dos fundadores do Partido Democrático de São Paulo, em 1926, que surgiu para se contrapor ao domínio do Partido Republicano Paulista, sendo, ainda, um militante ativo da vida política de São Paulo, chegando a participar da Aliança Liberal, que apoiou a candidatura de Getúlio Vargas à presidência, em oposição à de Júlio Prestes e, após derrota de Vargas, fez parte das ações que depuseram Washington Luís da presidência e levaram Getúlio ao poder, em 1930. O apoio de Duarte àqueles ideais revolucionários logo cessou, em função de várias divergências para com as ações do governo Vargas, fazendo com que ele fosse afastado do cargo de delegado civil na Delegacia Revolucionária de Ordem Política e Social, para o qual havia sido nomeado como retribuição a sua colaboração no movimento de 1930. A partir de então, Paulo Duarte se aliou aos grupos paulistas de oposição ao interventor e ao governo Vargas, participando da Liga de Defesa Paulista, da qual Mário de Andrade também fez parte, fundada em maio de 1931, que tinha como um de seus objetivos lutar pela autonomia do estado; tornando-se, assim, um dos organizadores da Revolução Constitucionalista de 1932, deflagrada em 9 de julho. Com o fim do

movimento armado paulista, Duarte foi preso e enviado ao Rio de Janeiro, de onde partiu para o exílio.

A convivência entre Paulo Duarte e Mario de Andrade, no entanto, datava de antes desses acontecimentos, em função de interesses em comum, como o folclore e a culinária, “que amávamos na teoria e na prática”.263 A convivência, quase diária, entre os dois havia começado, por volta de 1925, quando Mário passou a frequentar o apartamento da Avenida São João onde Duarte morou, em um momento com Sergio Milliet264 e noutro com Nino Gallo, onde se reuniam, com um grupo de amigos, quase todas as noites, entre 1926 e 1931. Esse grupo, frequentemente era composto por Antônio de Alcântara Machado, Tácito de Almeida, Sérgio Milliet, Antônio Carlos Couto de Barros, Henrique da Rocha Lima, Randolfo Homem de Melo, Rubens Borba de Moraes e Nino Gallo. Ainda frequentavam essas reuniões figuras como José Wasth Rodrigues, Júlio de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo e Paulo Rossi. Foi em tais reuniões onde germinou a ideia da criação do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, segundo consta nas memórias do próprio Paulo Duarte,265 que reconhecia que esses planos imaginados só seriam executados quando aqueles intelectuais estivessem inseridos numa estrutura do governo. Tal oportunidade surgiu com ascensão de Armando de Salles Oliveira ao governo paulista, primeiramente como interventor em agosto de 1933, depois como governador eleito, em 1935. No ano anterior, quando convidado por Armando de Salles Oliveira para assumir a prefeitura de São Paulo, Fábio Prado, membro de uma tradicional família paulista com relações próximas ao grupo dos modernistas, chamou, para ser seu chefe de gabinete, Paulo Duarte, recém-chegado do exílio imposto por sua participação no movimento de 1932. Fábio Prado desejava fazer uma “obra cultural”266 pela cidade, missão atribuída a Duarte, que, nesse momento, viu a chance de pôr em prática as ideias discutidas por ele e Mário, juntamente com outros intelectuais, no apartamento da Avenida São João. O fato de Paulo Duarte

263 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: EDART, 1971, p. 1.

264 Escritor, crítico de arte, sociólogo, professor e pintor. Bastante atuante no meio artístico e cultural do país,

especialmente, em São Paulo.

265 Sergio Miceli defende que Paulo Duarte foi um intelectual que se empenhou em “conferir às suas memórias o

valor de documento histórico e testemunho de uma época”, documentos que hoje, devemos ser muito cautelosos ao analisar. MICELI, Sergio. Intelectuais à Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 84.

ser um amigo próximo do então interventor federal Armando de Salles o colocou em uma situação favorável para a realização dos projetos imaginados.

A proposta para o Departamento de Cultura foi construída por Paulo Duarte, com a colaboração de Fernando de Azevedo e Mário de Andrade, sendo posteriormente apresentada a Fábio Prado, já com a indicação de que Mário deveria dirigir o Departamento. Toda a equipe do primeiro escalão do órgão foi escolhida pelo próprio Duarte. Os membros dessa equipe, além de estarem ligados por laços de amizade ou familiares e por uma convivência em comum no Partido Democrático, ainda pertenciam a famílias paulistas tradicionais e estavam, de alguma forma, vinculados aos intelectuais remanescentes da Semana de 1922. Fábio Prado aprovou a proposta de criação do Departamento de Cultura, juntamente com a equipe definida por Paulo Duarte, e justificou a criação do órgão fundamentando-se nos artigos da Constituição de 16 de julho 1934 em que estava previstos que também caberiam aos municípios “favorecer e animar”267 o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, além de proteger bens de interesse histórico, juntamente com um, chamado, patrimônio artístico nacional. Segundo Carlos Sandroni,

A “cultura” ocupava um lugar importante na estratégia política dos liberais paulistas entre 1935 e 1937; assim, se compreende que fizesse parte dessa estratégia a incorporação de intelectuais como Mário de Andrade e seus amigos.268

É importante ainda destacar que, embora a atuação do Departamento geralmente seja vista como uma tentativa de democratização da cultura, essa não foi a primeira iniciativa de viés cultural a ser levada adiante pelo poder público em São Paulo. Antes mesmo da gestão de Fábio Prado, uma preocupação com o incentivo às atividades artístico-culturais já se via presente na gestão de Antônio Prado, que deu início à construção do Teatro Municipal, inaugurado em 1911. Washington Luís, por sua vez, já havia organizado o sistema educacional público, além de ter realizado outras ações em prol da história da cidade, como a publicação de manuscritos antigos, sob a guarda do Arquivo Municipal e a reorganização do Museu Paulista. Patrícia Tavares Rafainni, ao abordar as iniciativas do

267 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, Artigo, 148.

268 SANDRONI, Carlos. Mário contra Macunaíma. São Paulo: Vértice; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de

Departamento de Cultura como a concretização dos anseios de grupo de intelectuais em meio a um contexto político que os favoreceu, defende que

Essas iniciativas do poder público paulista podem ser inseridas em um projeto difuso de hegemonia cultural que vinha se desenvolvendo desde as primeiras décadas desse século no sentido de tentar deslocá-la do centro nacional por excelência, o Rio de Janeiro, para a já então capital econômica, São Paulo.269

Para Patrícia Rafainni, a criação do Departamento estava inserida nesse projeto hegemônico capitaneado pela elite paulista, com bases remontando ao início do século XX, que pretendia colocar São Paulo no centro cultural do país, substituindo a capital federal nessa posição. Carlos Sandroni também defende essa tese, argumentando que a valorização da questão cultural tinha também o objetivo de reestabelecer um papel de superioridade do estado dentro da federação, após a derrota no conflito armado de 1932.270 Desse projeto de hegemonia paulista ainda fazia parte a criação da Escola de Sociologia Política e da própria Universidade de São Paulo, a partir da reunião das faculdades, já existentes, de Direito, Medicina e Engenharia, e dos recém-criados Instituto de Educação e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. A questão fica mais explícita quando vemos o discurso de Júlio de Mesquita Filho, proprietário do jornal O Estado de S. Paulo, enquanto paraninfo da primeira turma formada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, publicada na

Revista do Arquivo Municipal, em fevereiro de 1937. Para Mesquita, a criação da

Universidade de São Paulo iria “dotar o país de um cérebro poderoso e coordenador”.271

O Departamento de Cultura foi criado através do Ato n.º 861, de 30 de maio de 1935, sendo, no ano seguinte, estruturado pelo Ato 1.146. Estava previsto que o órgão seria composto por cinco divisões: uma de Expansão Cultural, chefiada por Mário de Andrade; uma de Bibliotecas, a cargo de Rubens Borba de Moraes;272 uma de Educação e Recreio, chefiada por Nicanor de Miranda;273 uma de Documentação

269 RAFFAINI, Patrícia Tavares. Esculpindo a cultura na forma de Brasil: O Departamento de Cultura de São Paulo (1935-1938). São Paulo: Humanitas, 2001, p. 32.

270 SANDRONI, Carlos. Mário contra Macunaíma. São Paulo: Vértice; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de

Pesquisas do Rio de Janeiro, 1988, p. 75.

271 MESQUITA FILHO apud SANDRONI, Carlos. Mário contra Macunaíma. São Paulo: Vértice; Rio de Janeiro:

Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1988, p. 76.

272 Bibliófilo, bibliógrafo e bibliotecário, foi um dos organizadores da Semana de 1922, além de colaborador da Revista Klaxon e da Revista de Antropofagia.

Histórica e Social, que ficou aos cuidados de Sérgio Milliet; e, por fim, uma Divisão de Turismo e Divertimentos Públicos, que nunca chegou a ser, de fato, efetivada. Esse Departamento, cujo caráter inovador não está presente na legislação que o criou, seria o primeiro, dentre os vários a serem criados em outras cidades do Estado, fazendo parte de um projeto maior que, através da cultura, pretendia transformar o Brasil a partir de São Paulo.

Quando Mário de Andrade foi convidado para assumir a direção geral do Departamento de Cultura, esta não era a sua primeira experiência no serviço público. Alguns meses após a tomada do poder por Vargas, em 1930, Mário foi convidado por Luciano Gallet e Antônio de Sá Pereira para reformular o Instituto Nacional de Música, INM, localizado no Rio de Janeiro, que deveria se transformar em um padrão para o restante do país. Segundo Eduardo Jardim, as ideias que nortearam essa reestruturação do INM foram materializadas nas iniciativas do Departamento de Cultura, para o qual Mário concebeu um programa de política cultural bastante inovador em diversos aspetos. Além da direção geral do Departamento, Mário também era o responsável pela Divisão de Expansão Cultural, que tinha como algumas atribuições, além da manutenção de um serviço de obras de arte erudita, outro de arte popular,

entrosar-se com a comissão do Plano da Cidade e mais instituições competentes, para fixar as paisagens municipais dignas de preservação, bem como impedir o êxodo ou destruição de obras de valor artístico ou histórico.274

Talvez este trecho das memórias de Paulo Duarte já indiquem uma preocupação do Departamento não só na proteção de edifícios históricos, mas também uma preocupação com o entorno dessas construções, a proteção também de paisagens significativas e o roubo ou extravio de obras de arte, principalmente as coloniais. Era um cuidado com a história paulista que estava distribuído em diversas ações do Departamento, como a aquisição de uma biblioteca brasiliana pertencente a Felix Pacheco,275 indicando a importância dada por esses intelectuais à preservação da documentação referente ao país, que também serviria de apoio às próprias pesquisas desenvolvidas por eles. Patrícia Rafainni defende que

pelo conhecimento da história da cidade e do estado de São Paulo, poderia se traçar também a história do país, já que uma seria constituída a partir da

274 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: EDART, 1971, p. 62. 275 Jornalista, político, poeta, membro da Academia Brasileira de Letras.

outra. Essas obras historiográficas teriam sua importância na divulgação de São Paulo como berço da nação, opinião que aparece frequentemente na produção dos intelectuais do Departamento.276

Mesmo sendo um órgão municipal, desde o princípio o Departamento procurou atuar com uma abrangência nacional e a sua criação é colocada, por Carlos Sandroni, como uma peça chave no projeto hegemônico dos paulistas, que buscava formar uma identidade nacional a partir de elementos folclóricos tradicionais. Essa característica fica explícita em diversos documentos, como a carta escrita por Mário de Andrade, em 3 de abril de 1938, destinada a Paulo Duarte, na qual ele defende que “o Departamento de Cultura é uma necessidade pra São Paulo e talvez pro Brasil”,277 ou no discurso comemorativo da fundação de São Paulo feito por Mário e transmitido pelo programa de rádio Hora do Brasil em 25 de janeiro de 1936, publicado, posteriormente, na Revista do Arquivo Municipal.

O Departamento de Cultura cresce e quer crescer, esculpido na forma do Brasil. Já emissários seus internam-se por Mato Grosso, em busca de conhecimentos ignorados. Já do Rio lhe chegam decoradores e sambistas paras as festas de Carnaval. Já do Recife lhe vêm ceitas (sic), melodias e instrumentos, de Minas e da Bahia, especialistas; ao mesmo tempo que da sua atividade partem para divulgação no mundo, a pedido do Ministério do Exterior, estudos especializados sobre o Brasil.278

Para esses intelectuais, o Departamento de Cultura, ainda que fosse uma instituição municipal, poderia dar conta de conceber tanto uma identidade paulista quanto uma nacional, também baseada em aspectos da cultura popular. As ações giravam em torno de questões como a brasilidade e a identidade nacional, e isso é visto através de várias iniciativas que buscavam revelar um Brasil desconhecido, como o apoio financeiro à missão dos antropólogos Claude Lévi-Strauss e Dina Dreyfus ao Mato Grosso, em 1937. Paulo Duarte, que era amigo do casal, foi o responsável por intermediar esse apoio, que seria retribuído ao Departamento com a publicação dos resultados da missão na Revista do Arquivo Municipal, bem como a formação de uma coleção etnográfica destinada a compor um museu municipal, que não chegou a ser criado. A Revista, que pertencia ao Arquivo Público Municipal, criado em 1928, até então, tinha a maioria dos seus artigos voltados para a história da cidade e do estado. No mês que se seguiu à criação do Departamento, ela foi

276 RAFFAINI, Patrícia Tavares. Esculpindo a cultura na forma de Brasil: O Departamento de Cultura de São Paulo (1935-1938). São Paulo: Humanitas, 2001, p. 82.

277 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: EDART, 1971, p. 125.

278 ANDRADE, Mario de. Dia de São Paulo. Revista do Arquivo Público Municipal. São Paulo: Prefeitura do

absorvida pelo novo órgão, juntamente com outras atribuições do Arquivo, a exemplo da preservação de documentos históricos relativos à história da cidade, e Mário de Andrade assumiu o cargo de diretor e Sérgio Milliet o de secretário. A partir de abril de 1936, além de publicar pesquisas patrocinadas pelo Departamento e fotografias das suas próprias iniciativas na cidade de São Paulo, a Revista do

Arquivo Municipal passou também a publicar fotos de monumentos históricos

distribuídos por todo o país, sendo criados, nesse mesmo ano, concursos de trabalhos relacionados a etnografia e folclore, que se repetiram nos dois anos consecutivos.

A preocupação com o estudo da cultura paulista e, consequentemente, brasileira, por parte dos intelectuais ligados ao Departamento também se reflete na realização de um curso livre de Etnografia, ministrado por Dina Dreyfus,279 em 1936. Tal curso, dentre outros frutos, resultou na fundação do Clube de Etnografia, que veio a constituir a Sociedade de Etnografia e Folclore, no ano seguinte, assim como a Missão de Pesquisas Folclóricas, enviada à região Nordeste em 1938, e chefiada pelo jovem arquiteto Luís Saia, amigo próximo de Mário de Andrade, e que havia sido formado no curso realizado por Dreyfus.

A Missão de Pesquisas Folclóricas, importante ação ligada a investigar os aspectos formadores da identidade brasileira patrocinada pelo Departamento, foi idealizada por Mário de Andrade, como uma espécie de continuação das suas viagens realizadas na década anterior e, segundo Márcia Chuva, foi “um projeto de conhecimento e construção da nação brasileira”.280 Coordenada por Luís Saia, e composta ainda por Martin Braunwieser, Benedicto Pacheco e Antônio Ladeira, a Missão partiu em fevereiro de 1938, retornando em julho do mesmo ano. Tinha como objetivo principal registrar por meio de som, vídeo e fotografia, manifestações da cultura popular que estivessem ameaçados de desaparecer, bem como reunir objetos ligados a aspectos tradicionais dessa cultura. Tal documentação serviria para que os intelectuais ligados ao Departamento pudessem construir uma identidade paulista, e também brasileira, a partir de práticas culturais não mais

279 Nascida em Milão, em 25 de fevereiro de 1911, Dina Dreyfus naturalizou-se francesa e foi uma etnóloga,

antropóloga e socióloga que contribuiu para a fundação das ciências sociais no Brasil. Em 1932, casou-se com o antropólogo Claude Lévi-Strauss, sendo, por vezes, chamada de Dina Lévi-Strauss, a quem acompanhou em expedições pelas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil.

280 CHUVA, Márcia. Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil. Revista do Patrimônio. n. 34, Rio

presentes em São Paulo. Segundo Carlos Sandroni, a analogia proposta por Mário de Andrade em relação a essas manifestações “só era possível do ponto de vista do Brasil ‘moderno’”,281 e por isso ele tinha a intenção de trazer para São Paulo o processo de construção dessa identidade nacional. Em uma entrevista ao jornal

Folha da Manhã, do Recife, publicada em 15 de fevereiro de 1938, quando da

passagem da Missão pela cidade, Luís Saia defendeu a postura nacional daquela iniciativa:

vale frisar que não se trata de uma obra de um estado, como possa à primeira vista parecer, pelo simples fato de partir de São Paulo, porque a sua finalidade é mais que tudo nacional, por excelência. Tudo quanto fomos procurando e angariando para o objetivo a que nos propomos, será devidamente publicado e divulgado em todo o país.282

Essa finalidade nacional, destacada por Saia, só reforça a ideia de que os planos paulistas naquele momento tentavam dar conta do país inteiro, como parte de um projeto cultural hegemônico. A Missão foi responsável por um registro impressionante de manifestações culturais, como o caboclinho e o bumba meu boi, feito em discos, filmes, fotografias, desenhos e anotações nos cadernos de viagem, bem como pela reunião de uma importante coleção de objetos ligados ao tambor de mina, no Maranhão, e ao xangô, em Pernambuco, estes últimos, oriundos de apreensões policiais feitas em terreiros, num contexto de perseguição religiosa aos seus praticantes. Para além desses registros, já bastante divulgados, as anotações nos cadernos de viagem de Luís Saia, bem como as fotografias por ele realizadas em lugares como o interior da Paraíba, do Ceará e do Piauí, e de cidades como São Luís, no Maranhão, são um registro assombroso de um patrimônio arquitetônico que, seguramente, naquele momento era desconhecido por grande parte da intelectualidade brasileira que se dedicava ao assunto. Luís Saia foi, naquele momento, o responsável pela identificação de uma série de monumentos históricos, indicando alguns para serem preservados pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Sphan, que, naquele ano, deu início a sua política de tombamentos. Questão que voltaremos no último capítulo deste trabalho.

281 SANDRONI, Carlos. Mário contra Macunaíma. São Paulo: Vértice; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de

Pesquisas do Rio de Janeiro, 1988, p. 126.

282 SAIA, Luís apud SANDRONI, Carlos. Mário contra Macunaíma. São Paulo: Vértice; Rio de Janeiro: Instituto

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