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3.1. Os entrelaces da professoralidade: “porque existe um caminho.”

3.1.2. Pausa para refletir: formação específica para docência

Um dos desafios é a formação mais centrada nas práticas e na análise das práticas. A formação do professor é, por vezes, excessivamente teórica, outras vezes excessivamente metodológica, mas há um déficit de práticas, de refletir sobre as práticas, de trabalhar sobre as práticas, de saber como fazer. É desesperante ver certos professores que têm genuinamente uma enorme vontade de fazer de outro modo e não sabem como. Têm o corpo e a cabeça cheios de teoria, de livros, de teses, de autores, mas não sabem como aquilo tudo se transforma em prática, como aquilo tudo se organiza numa prática coerente. Por isso, tenho defendido, há muitos anos, a necessidade de uma formação centrada nas práticas e na análise dessas práticas (NÓVOA, 2007, p. 14).

Como dito anteriormente, a construção da professoralidade revela-se como um processo interativo e dinâmico, perpassando por dimensões pessoal, social e profissional. As experiências, os saberes, os conhecimentos que o professor construiu e apreendeu ao longo de sua trajetória são revelados em processos formativos e constituem-se em uma forma do docente ser, pensar e agir em sua prática profissional. A professoralidade nesta ótica tem a ver com a trajetória de vida pessoal e profissional, mostrando-se permanente.

No entanto, de acordo com Cunha (2008), a universidade considera, a princípio, uma formação mais legitimada, que é voltada para pesquisa que tem a pós-graduação strictu senso como referência, já que os cursos de mestrado/doutorado são condições desejáveis para o exercício da docência universitária. Há ainda a formação “menos legitimada”, na forma de educação continuada, que tem como premissa a melhoria das práticas de ensinar e aprender, próprias de um professor, mas que não são pré-requisitos para a inserção na carreira acadêmica.

Para ingresso de um docente na educação superior é realizado um processo de seleção em que há avaliação da produção acadêmica do candidato, dos aspectos didático pedagógicos e dos títulos obtidos. Há ainda a exigência de pós-graduação strictu sensu na área de atuação. A exigência da formação continuada não é apresentada como requisito

para inserção na carreira, sendo incluída na avaliação de títulos. Apesar de haver a prova de caráter didático-pedagógico para ingresso na carreira, durante o exercício da profissão o professor ainda encontra dificuldades em tais aspectos, como discutirei mais adiante.

Isso evidencia a pouca atenção direcionada à formação específica do professor universitário durante o exercício da docência, como aponta alguns estudos (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002; MASETTO, 2000; CUNHA, 2002; ANASTASIOU, 2002; MOROSINI, 2001). Os professores, para ingressar na docência universitária, fazem sua formação nos cursos de pós-graduação strictu sensu, que se constituem em espaços privilegiados de atividades de pesquisa, de maneira que eles se tornam especialistas em suas áreas específicas de conhecimento. Os docentes participantes da pesquisa ratificaram tal afirmação, conforme relatos:

Durante minha graduação e pós-graduação não tive uma disciplina específica de formação para a docência, nem a nível superior, nem para a Educação Básica. Trabalhei um tempo numa instituição particular. Nessa faculdade, eles ofereciam para o corpo docente alguns cursos informais de preparação para docência em ensino superior. Então, nessa faculdade, foi quando eu fiz, assisti pela primeira vez algumas palestras e fiz alguns cursos rápidos de final de semana voltados para a docência no ensino superior. Foi a primeira vez em que fiz um curso direcionado para essa área de formação. Os outros processos de formação pelos quais eu passei relacionados à formação para a docência foi pela minha busca pessoal e a minha percepção da necessidade que um docente tem para conseguir realmente fazer um trabalho significativo. (Docente 03)

O que podemos apreender que há mais ênfase nas atividades de pesquisa em detrimento do ensino.“O professor ao fazer sua formação pós-graduada, via de regra, constrói uma competência técnico-científica em algum aspecto de seu campo de conhecimento, mas caminha com prejuízos rumo a uma visão mais ampla, abrangente e integrada de sociedade” (CUNHA, 2001, p. 80).

Não temos necessariamente esse preparo para entrar numa sala de aula e conduzir adequadamente. Essa é uma cobrança muito grande que temos da coordenação, da direção para manter o aluno, para poder conduzir uma boa aula. Então eu acho que o mínimo que deveria haver é uma preparação adequada para isso. Talvez muitos pensem que algum professor que vem de outras universidades já tem uma experiência, ou

saibam sobre isso, mas muitos não sabem, como (é) o meu caso, por exemplo. (Docente 04).

Os relatos demonstram que o modelo formativo, centrado no aprofundamento de um determinado campo científico, revela-se limitado e frágil quando o professor se vê confrontado ao assumir uma sala de aula e se depara com a complexidade que há em desenvolver o processo de ensino-aprendizagem. O professor carente de uma formação que envolva questões pedagógicas enfrentará problemas para o desenvolvimento de sua profissão, tendo em vista que exercício da docência tem como pré-requisito a compreensão e o domínio de diversos saberes.

É fundamental, também, que se tenha tido a oportunidade de desenvolver reflexões e práticas pedagógicas para que isso torne as propostas em sala de aula mais consistentes, interessantes e adequadas aos seus contextos. (Docente 01)

Dessa forma, há por parte dos professores de Dança da UFU, de modo geral, a compreensão das lacunas formativas com relação às questões próprias da docência universitária, entendida como uma profissão complexa. Como consequência da fragilidade de sua formação pedagógica, os professores ao assumirem a docência vão construindo suas práticas baseando-se na formação construída ao longo de sua trajetória de vida, ficando a cargo de cada professor “buscar” o conhecimento necessário no cotidiano da sala de aula.

A história de vida e a socialização profissional, como discorridos até aqui, são processos constitutivos da construção da professoralidade, cuja importância destaco. Todavia, os professores demonstraram dificuldades quando confrontados com o fazer docente em sala de aula. Nesta direção, há de se ponderar que é necessário investir na dimensão pedagógica da docência, considerando que esta envolve atividades e valores traduzidos em: valorização dos saberes da experiência, ênfase nas relações interpessoais, aprendizagem compartilhada, indissociabilidade teoria/prática.

O professor tem que ter sensibilidade. Não adianta chegar a uma sala de aula e ser um professor extremamente conhecedor tanto da teoria como da prática, mas que não tem sensibilidade de perceber o quanto seu aluno precisa de um retorno seu. Alguns podem chamar isso de didática, mas eu acredito que sensibilidade seria uma boa palavra. (Docente 04)

Pude apreender que há, por parte dos docentes do curso de Dança, a preocupação em obter uma formação voltada para as questões próprias da docência, que consideram que o professor apresenta um papel central no processo de ensino e aprendizagem, visto ser ele quem mobiliza e produz saberes durante o exercício de sua profissão. No entanto, para que este profissional consiga dialogar o conhecimento com o trabalho cotidiano, tendo em vista que tanto ele como o discente possuem uma bagagem de conhecimentos construídos anteriores à Universidade, é necessário investimento institucional que oportunize discussões sobre o “fazer docente”.

É neste cenário que Nóvoa (1992) propõe a formação numa perspectiva, denominada crítico-reflexiva, que “forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que promova as dinâmicas de formação autoparticipada” (NÓVOA, 1992, p. 25). É importante que o docente tenha a habilidade de saber, construir e reconstruir metodologicamente estratégias a fim de pensar o ensino não de forma meramente técnica, mas como um conhecimento em processo de construção com os pares. Para tanto, configura-se como um desafio à docência no ensino superior o desenvolvimento de estratégias formativas que envolvam esforços, além de pessoais, também institucionais concretamente desenvolvidos, orientados para a construção de conhecimentos, saberes e fazeres próprios da área de atuação do professor no ensino superior.

O desejo de estar de fato nessa carreira é o ponto mais importante para mim. A este fator podemos somar uma boa formação (didática, teórica) e atuação na área, uma capacidade de atuar de maneira multifacetada, a flexibilidade de pensamento e o exercício da escuta para abrir espaço para o diálogo com alunos e colegas de trabalho. (Docente 01)

É preciso ter uma atuação profissional principalmente no campo das artes, que necessita de muita vivência e conhecimento do que está acontecendo, porque o ensino, a educação, as artes, enfim, são coisas muito dinâmicas, que mudam muito, até porque as pessoas mudam o tempo todo; e também acho que é necessário ter um rigor com o que se está fazendo, mas esse rigor não significa se enquadrar ou burocratizar demais o seu fazer. (Docente 02)

Como relatado acima, há a preocupação dos docentes em desenvolver atividades e/ou discussões específicas para o exercício da docência no ensino superior, e que

favoreçam relações de ensino e aprendizagem mais dinâmicas, significativas e transformadoras. Nessa perspectiva, cabe a reflexão crítica sobre sentido formativo da instituição (a Universidade que é o lócus de formação e atuação docente), tendo em vista que esses profissionais, não sendo familiarizados com os conteúdos didático-pedagógicos, terão uma prática pedagógica deficitária e trarão contribuições fragmentadas para a formação do seu aluno.

O professor necessita atentar-se às dimensões éticas e estéticas da profissão exercitando constantemente sua capacidade reflexiva, visto que o exercício da docência não é algo simplório; pelo contrário, trata-se de um fazer complexo que demanda uma formação que excede a esfera do campo científico de sua área de formação e atuação – que é importante, mas não única na construção do processo de ensino-aprendizagem. Conforme esta narrativa docente:

E aí, a gente tem que trabalhar a nossa maturidade pessoal. A gente tem que trabalhar a nossa paciência, a gente tem que trabalhar a nossa generosidade, a gente tem que trabalhar a nossa capacidade de dizer “não” de dizer “sim”, de dizer “talvez”. Então acredito que essas relações humanas e essas questões (pedagógicas) também são tão importantes quanto saber a técnica de dança, saber as questões históricas que envolvem a formação profissional. (Docente 03)

3.1.3. As identidades que se cruzam: “Eu me considero uma artista docente ou uma docente