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A seguir serão descritas e analisadas pautas que foram dis- cutidas e deliberadas com a participação das autoras no ano de 2018 em reuniões ordinárias, e uma extraordinária, do conselho em questão. Busca-se dar visibilidade aos efeitos dos questiona- mentos, proposições e tensionamentos ocorridos que buscaram dar espaço aos posicionamentos do CRPRS em relação ao campo das políticas públicas sobre drogas.

1. Decreto de representação

Uma das pautas do CONED durante o ano previa a revisão de sua Lei de Criação. Esse trabalho implicava a revisão das diretrizes

do Conselho, as quais incluíam rever o decreto de representação, ou seja, a composição dos representantes com direito a voto no Conselho. Visando garantir a equidade nas representações seto- riais, as propostas das representantes do CRP buscaram garantir a ampliação da participação dos usuários e através da sociedade civil organizada. Nesse processo, conseguiu-se estabelecer vagas de representações que até então não existiam, passando então a incluir uma vaga para representante do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e para um representante dos usuários de drogas (o qual deve estar ligado a algum tipo de associação ou coletivo), além da inclusão de vaga para representantes de insti- tuições de ensino superior, para a qual ficou designada a Universi- dade do Estado do Rio Grande do Sul (UERGS).

Consideramos uma conquista importante a inclusão dessas va- gas, que advieram de sugestões das representantes do CRP. Um dos argumentos utilizados no processo de discussão no grupo deu-se pela questão internacionalmente conhecida como Nothing about us whitout us, slogan usado para comunicar a ideia de que nenhuma política deve ser decidida por qualquer representante sem a participação plena e direta dos membros do grupo afetado por essa política. Nesse processo, ganhou espaço a importância de escutar usuários e população em situação de vulnerabilidade, o que aproxima essa instância de controle social das demandas sociais em busca de construções adequadas à realidade social dessas populações.

... 2. Princípios e Diretrizes

Ainda no esteio da revisão da Lei de Criação do CONED, seus princípios e diretrizes foram revisados. Nesse ponto, a atuação das conselheiras buscou ressaltar a importância de garantir a ética, a cidadania e o respeito à diversidade na construção das políticas sobre drogas, alavancando discussões que ressaltassem esses princípios e enfraquecessem aspectos de cunho moral con- tidos no regimento anterior.

Nessa construção, foi destacada a necessidade de aproximar o campo da prevenção ao uso de drogas com o paradigma da Pro- moção da Saúde e da RD. Essa aposta visou propiciar subsídios para uma ampliação da compreensão dos conselheiros acerca da relação drogas-sociedade e do repertório de cuidados a ser traba- lhado junto aos usuários de drogas, com foco na responsabilidade das políticas públicas quanto à oferta de alternativas interseto- riais para fazer frente à questão das drogas na sociedade.

3. CONED/RS e Programa “RS Sem Drogas”

Ao longo da participação nas reuniões ordinárias e extraordiná- rias, percebeu-se que era dada uma grande ênfase à aproximação entre as ações do CONED às do Programa “RS Sem Drogas”, pro- jeto do Departamento de Políticas Públicas sobre Drogas do Rio Grande do Sul (DEPPAD), o qual é parte da Secretaria de Desen- volvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos, depar- tamento no qual o atual presidente do CONED é também diretor.

Como o próprio nome aponta, o Programa “RS Sem Drogas” tem por princípio a busca de uma sociedade sem uso de drogas, enfa- tizando a abstinência como única saída desejável.

Esse paradigma, que historicamente permeou grande parte das ações de Estado no campo das drogas no Brasil, se agluti- na em torno do primado do paradigma da abstinência, construto que, diferentemente da abstinência como uma diretriz clínica, por vezes de suma importância, representa: “(...) uma rede de institui- ções que define uma governabilidade no campo das políticas de drogas e que se exerce de forma coercitiva na medida em que faz da abstinência a única direção de tratamento possível, submeten- do o campo da saúde ao poder jurídico, psiquiátrico e religioso” (Passos; Souza, 2011, p. 157).

Nessa pauta, as falas das representantes buscaram enfatizar a existência de outras formas de compreender e atuar sobre a questão dos usos de substâncias psicoativas, o que apontaria ao fato de que o programa citado não representa a posição de to- das as instituições e agentes que compõem atualmente o CONED. Foi ressaltada assim a necessidade de abrir instâncias de diálogo com a sociedade para a construção de plano de ação que efeti- vamente colabore, de forma ampla e não estigmatizante, para as demandas sociais do campo do consumo do álcool e outras dro- gas. Por isso, foi sugerida a realização de fóruns anuais nos quais os representantes trarão suas bases para o debate, devendo ser este aberto à comunidade em geral.

... 4. Apresentação das propostas das diferentes instâncias

das quais provêm os representantes do CONED

A partir das discussões abertas pelo ponto anterior, e após uma apresentação do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD), ação claramente pautada pela abstinên- cia como direção única para a prevenção em nível escolar, as re- presentantes do CRP sugeriram apresentar também o FERD e, consequentemente, a perspectiva da RD.

No dia destinado à apresentação, foi exposto o percurso do FERD no RS e apresentada a perspectiva da RD, que o embasa, com o objetivo de fomentar a compreensão dessa perspectiva pelos demais conselheiros, diminuindo preconceitos e asserções errôneas que impedem o diálogo no campo de álcool e outras dro- gas. Segundo o CRPRS (2013-2016):

Um dos destaques importantes dessa política é o estabelecimento da Redução de Danos como uma diretriz no cuidado das pessoas que usam drogas, pautada no protagonismo do sujeito, autonomia, respeito às diferenças e direito de acesso aos serviços. Exige assim, o compartilhamento de responsabilidades entre os diferentes segmentos (gestor, trabalhador, familiares, usuários e sociedade) numa ação conjunta baseada no apoio mútuo, conhecimento e criatividade, formando uma rede de cuidados intersetorial e interinstitucional (p. 29).

A fala iniciou com a exposição do princípio de que não se faz RD sozinho, mas em rede e de forma complementar a outras perspec- tivas. Também se argumentou que a RD está comprometida com a universalidade da atenção e, nesse sentido, há segmentos impor- tantes dos usuários de drogas fora da rede de cuidado que mais facilmente farão vínculo com a área da saúde por meio do método da RD, o qual opera o cuidado ao usuário de drogas sem censurar o consumo. Consegue assim acolher inclusive os usuários mais problemáticos, que não chegam às unidades de saúde por não se adaptarem ou desejarem o método da abstinência, mas que nem por isso devem deixar de acessar as várias dimensões da saúde.

Avalia-se que essa apresentação foi um passo importante para flexibilizar o diálogo e as ações no CONED, pois abriu espaço para que os conselheiros conhecessem melhor a perspectiva da RD. Ao final da apresentação, o presidente do CONED perguntou aos conselheiros se todos haviam entendido a importância dessa ins- tância apoiar ações de RD, e todos os presentes concordaram.

5. Posição do CONED acerca da possibilidade de legalização das drogas no país

Em meados da segunda metade do ano de 2018, foi pautada a necessidade de o Conselho emitir um posicionamento público sobre as possibilidades de legalização de drogas no Brasil, dado o crescimento no número de países desenvolvidos que estão ade- rindo a políticas mais tolerantes ou mesmo abertamente liberais sobre a questão, além da influência da regulamentação estatal do

... uso e venda de maconha no Uruguai.

Face à heterogeneidade presente na composição do Conselho, e às tendências conservadoras que atualmente despontam no país, naturalmente o tema da liberação de drogas suscita deba- tes apaixonados e a tendência ao predomínio de posicionamentos desfavoráveis, dada a forte influência do paradigma da abstinên- cia e da estigmatização dos usuários de substâncias. Nesse sen- tido, a atuação das conselheiras nessa pauta visou ressaltar as diferenças entre política de descriminalização, regulamentação e liberação das drogas, mostrando que se trata de um campo com- plexo e heterogêneo, em que não cabem respostas simplistas. Foi ressaltada também a dificuldade de abordar a opinião pública a esse respeito pelo desconhecimento do tema, o que leva à ne- cessidade de fomentar espaços para o fornecimento de subsídios sobre ele, interna e externamente ao CONED/RS.