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CAPÍTULO II – A FABICAÇÃO DE UM MUSEU: ENTRE A IDEALIZAÇÃO,

2.4 A NOVA EXPOSIÇÃO DO MABS: ENTRE O TRABALHO FORÇADO E A

2.4.5 Pavimento Superior

O pavimento superior do MABS é dedicado à apresentação de questões relacionadas às religiões de matriz africana. Antes de apresentar os espaços expositivos, realizaremos algumas considerações sobre o contexto local de tais religiões.

No MABS, encontramos a religião de matriz africana representada pelo Candomblé e o Nagô, com diferença entre ambas, sendo a última considerada em Laranjeiras como uma religião autônoma e não como uma nação do Candomblé. Conceitua-se o Candomblé como:

[...] uma manifestação religiosa resultante da reelaboração das várias visões de mundo e de ethos provenientes das múltiplas etnias africanas que, a partir do século XVI, foram trazidas para o Brasil. E somente no século XVIII que esta designação vai ser encontrada aplicada aos grupos organizados e espacialmente localizados [...]. (GOMBERG, 2011, p. 23)

Gumberg (2011) ao citar Maia (1998), diz que “o segundo Terreiro nagô fundando em fins do século XIX é o Terreiro Filhos de Obá, que durante anos disputou com o Terreiro Santa

Bárbara Virgem a hegemonia e a primazia do culto nagô [...]” (GUMBERG, 2011, p. 30, grifos

do autor). Entretanto, com o tempo esse Terreiro aderiu às nações jejê, Ketu, Ijexá angola, incorporando ainda o culto aos caboclos (GUMBERG, 2011, p. 30). O Terreiro Santa Bárbara virgem e não aderiu a outras nações, como fez o Terreiro Filho de Obá.

Mas, com o tempo outros terreiros surgem, sejam eles de Candomblé ou de outras vertentes afro-brasileira.

Figura 20 - Terreiro Nagô de Aracaju88.

Fonte: Acervo do MABS, 201990.

O Nagô91 era inicialmente uma religião cultuada por negros que ao chegarem ao Brasil

não podiam louvar os seus Orixás de maneira aberta e ainda tinham que cultuar os santos da igreja católica. Sendo assim, existe uma relação que liga os Orixás e os santos, o que é chamado de sincretismo religioso92. É necessário ressaltar que essa associação de sincretismo varia a depender da região onde a divindade é cultuada.

As orações dessa religião podem ser feitas individualmente ou nos festejos no Terreiro Santana Bárbara Virgem (Figura 21). No Nagô existem inúmeros festejos onde os orixás são cultuados, desta forma os cultos são realizados em meses diferentes, sendo setembro o mês

88 Atualmente o Terreiro funciona no povoado São Brás em Nossa Senhora do Socorro. Era comandado por Zé

Nando que era de Japaratuba, e depois ficou sobre comando de Magno, que faleceu ano passado (2018). Hoje está sob o comando da Loxâ Joelma.

90 A fotografia encontrada no acervo do MABS não possuía uma data específica sobre quando foi tirada ou quando

adentrou no museu.

91 O texto, sobre o Nagô, foi escrito com base na entrevista realizada com a Lôxa Bárbara Cristina em 11/04/2016. 92 O sincretismo, que conduz essa mistura de concepções religiosas, foi então desde o início censurado.

Inicialmente sua prática foi atribuída a uma estratégia de resistência e a uma incapacidade intelectiva de assimilar de forma pura as doutrinas católicas por parte dos africanos e seus descendentes no Brasil . Com o tempo, a situação inverteu-se, o sincretismo passa a ser condenado não por misturar os santos católicos às entidades africanas, mas as entidades africanas aos santos católicos . Se a princípio o sincretismo contamina o catolicismo, com o tempo é o catolicismo que contamina as religiões de matriz africana no Brasil. Há, portanto, uma permanência da concepção pejorativa de sincretismo. (FONSECA, 2012, p. 100). Ver mais em: http://www.periodicos.unir.br/index.php/linguaviva/article/view/567. Acesso em:25 jun. 2019 ás 17h45.

principal, quando acontece o festejo conhecido como Corte do Inhame (festa conexa ao plantio e a colheita do inhame). Essa festividade é feita na casa de Umbelina Araújo (e ao lado da residência, no Terreiro, pois o espaço torna-se um só).

Figura 21 - Foto dos filhos de fé do Nagô dançando.

Fonte: Acervo particular do MABS,201993.

Atualmente o Nagô é comandado pela Lôxa94 Bárbara Cristina dos Santos. De dois em

dois anos, o festejo do Nagô é realizado na casa que pertenceu a Ti Herculano, do qual falaremos adiante. Assim louvam e festejam o orixá Obacoçô, quando os participantes dessa religião oferecem o inhame novo aos orixás da Costa (Santos pedras)95. É somente após realizarem tal ato que as pessoas que fazem parte da Irmandade Santa Bárbara Virgem podem comer do inhame, caso algum indivíduo desobedeça essa regra, será obviamente castigado pelo Orixá, ou seja, relata-se que o mesmo ficará doente para que se lembre de sua desobediência e desrespeito.

93Na ficha catalográfica do MABS, há a seguinte informação sobre a fotografia: A foto mostra os filhos de fé do

nagô dançando, com a Aloxá (sic) no meio da roda. A Aloxá (sic) é Umbelina de Araújo, quando a mesma ainda estava viva e era responsável pelo nagô, a foto é em preto e branco e pequena e deu entrada no Museu em 1978. E a foto foi feita pelo fotografo da Universidade Federal de Sergipe Jairo Andrade em 1970.

94 Título dado a líder do Terreiro Santa Bárbara Virgem.

95 A religião nagô é uma religião de origem Africana que louva os Orixás da costa (Santos pedras) não é

Candomblé, não é Umbanda, Quimbanda ou qualquer outra dessas denominações. Nagôs são povos africanos de Origem Yorubá, vindos de regiões do continente africano, se destacando mais a Nigéria, o qual dar-se o nome à religião, o puro advém do significado que não se admite "mistura" ou seja preserva as suas raízes tradicionais africanas. Não há presença dos povos de rua (Exus), somente Os Orixás. Ver mais em: https://kokalaranjeiras.blogspot.com/2013/09/irmandade-nago-santa-barbara-virgem.html. Acesso em: 12/07/2018 às 14h17 min. Para melhor esclarecimento, os chamados Santos pedras são os Orixás cultuados no Nagô, cada pedra representa um Orixá.

Os cânticos são feitos na língua yorubá, os instrumentos usados nos ritos são tambores feitos de barrica e couro de animais, as cabaças são revestidas com contas pequenas, conhecidas como Lágrimas de Nossa Senhora. Os instrumentos musicais são tocados por homens e mulheres, os homens são escolhidos pelo Orixá para tocaram o tambor e as mulheres só podem tocar a cabaça. Só a Loxâ96 utiliza um bastão, pois é ele que dá o comando da religião a ela, e a mesma também usa um xale que varia de acordo com o Orixá de cabeça, sendo a sua divindade de cabeça Iemanjá, por conta disso Bárbara utiliza um xale azul-claro, cor que identifica este Orixá97.

Entre o Nagô do Terreiro de Bilina (Umbelina Araújo) e o Terreiro Filhos de Obá, existem várias diferenças. Entre as quais, podemos citar o modo de se vestir para o culto. No Nagô usa-se branco, as mulheres vestem saia que tocam o joelho, blusa com manga, um avental preso a cintura e um lenço de cabeça, os homens colocam camisa com manga, calça, avental por cima da roupa e usam gorro na cabeça (Figura 21). Já no Candomblé, as vestimentas vão de acordo com cada entidade, como por exemplo, se o Orixá do integrante da religião é Oxum, a pessoa irá usar uma saia longa bem rodada na cor amarelo ouro, a depender, poderá usar blusa com manga e lenço na cabeça, a dança e a música, também são realizadas de maneira diferenciada. Já o Candomblé, de acordo com Santos (2016) é uma religião que veio da África no momento em que os negros foram escravizados no Brasil. A autora ressaltou que:

[...] No princípio, a religião não causou desespero nos senhores de engenho, pois os mesmos acreditavam que era um meio de diversão e lembranças de suas origens. No entanto, mais tarde, os costumes, a linguagem, a crença estavam sendo apagados, e os negros escravizados e seus descendentes encontraram uma nova forma de manter vivos os seus ideais, criando uma nova metodologia para cultuar seus orixás, a partir de estratégias a exemplo do sincretismo, aproximação dos santos da igreja Católica com as divindades africanas. (SANTOS, 2016, p. 42)

A denominação dada a religião afro-brasileira leva uma característica peculiar:

96 Sobre a líder do Nagô é possível mencionar que seguem algumas regras, como não deixar de ser pura (virgem),

pois devem se dedicar totalmente a religião e seguir no comando da manifestação folclórica chamada de Taieira.

97 Cada pessoa tem dois Orixás. Um deles mantém o status de principal, é chamado de orixá de cabeça, que faz

seu filho revelar suas próprias características de maneira marcada. O segundo orixá, ou ajuntó, apesar de distinção hierárquica, tem uma revelação de poder muito forte e marca seu filho, mas de maneira mais sutil. Um seria a personalidade mais visível exteriormente, assim como o corpo de cada pessoa, enquanto o outro seria a face oculta de sua personalidade, menos visível aos que conhecem a pessoa superficialmente, e às potencialidades físicas menos aparentes (ILÊ AXÉ OXOSSI E OXALÁ, 1994, p. 6).

Ressalta-se que o culto afro-brasileiro, ‘candomblés’, utiliza o termo no plural, por visar os africanos vindos para o ‘Novo Mundo’, que foi retirado de distintas regiões de matriz africana e, por isso, obtinham diferentes tradições, que resulta nas várias nações edificando o candomblé. A própria denominação “Candomblé’ remete à significação ‘união de nações’ (RIBEIRO, 2008, p. 3). No Brasil, as nações mais comuns são o Nagô e Kêtu, de procedência sudanesa, e Angola e Jêje, de procedência Banto. As diferenças estão presentes em diversas nações, sobretudo no tipo e na forma de preparar as oferendas para os Orixás. A religião relaciona os orixás aos quatro elementos que formam a força da natureza: Terra, Fogo, Água e Ar. Cada divindade possui suas cores, suas comidas, seus toques (cânticos), saudações, entre outras. (SANTOS, 2016, p. 42-43)

Podemos ainda, dar exemplo de Orixás cultuados no Brasil, como: Ogum, Oxalá, Oxóssi, Ossain, Yansã, Oxum, Obá, Nanã Buruke, Obaluaiê, Oxumaré, Xangô, entre outros. Divindades que estão representadas em um xirê98 na expografia do MABS.

Continuamos a apresentar as salas e os objetos ligados as matrizes africanas localizadas no pavimento superior do Museu. Na planta baixa (Figura 22) percebemos como é a divisão por sala neste pavimento, que tem uma sala específica para representar o Terreiro Santa Bárbara Virgem, o Terreiro Oxóssi Taumim e o Terreiro Filhos de Obá.

98 É uma roda composta pelas representações dos Orixás em ordem. De outro modo “é um conceito que evidencia

suas características como uma seqüência de louvações muito peculiar das festas de candomblé. No entanto, por sua importância como “espinha dorsal” da face pública da religião - a festa - e como espécie de síntese da mesma [...]”. (VASCONCELOS, 2010, p. 43). Xirê é uma palavra Yorubá que significa roda, ou dança para a evocação dos Orixás conforme cada nação. Como em tudo o mais no Candomblé, o Xirê tem também o seus preceitos e existe não só uma ordem a se respeitar na evocação, como existem palavras e saudações específicas que devem ser ditas para que a convocação dos Orixás seja correta (ALVES, 2017, p.18). [...] Descrição do Xirê - O ritual se inicia com o rufar dos tambores em uma percussão chamada Ahamunha, toque de entrada e que simboliza a saudação à casa e aos presentes, como quem diz ―estou chegando‖, em seguida e com uma roda já definida e organizada hierarquicamente (dos mais velhos para os mais novos) inicia-se o canto para o Orixá Ogun, senhor dos caminhos e de sua abertura. É ele que permite que o ritual de fato tenha início e por isso todos os fiéis devem bater cabeça* para esse Orixá. Na sequência são cantadas e dançadas cantigas de todos os quinze principais Orixás cultuados no Brasil. Na seguinte ordem: Ogun, Oxóssi, Omolu, Ossain, Oxumarê, Nãnã, Oxum, Obá, Ewá, Oyá/Iansã, Logun Edé, Ayrá, Iemanjá, Xangô e Oxalá, nessa ordem excetua-se Exú, pois esse Orixá é louvado em outro ritual. Para cada cantiga, de cada Orixá, há uma dança e uma saudação. Além de uma diversidade de saudações que devem ser feitas a casa e aos mais velhos durante o ritual, no Xirê o fiel deve estar atento a tudo isso, saudações, cantigas e dança. As cantigas são como orações que exaltam as qualidades dos Orixás, como guerreiros ou ternos amantes, e a dança uma espécie de cópia sejam dos movimentos de uma espada, sejam de uma mulher a se mirar em um espelho. (ALVES, 2017, p. 21-22)

Figura 22 - Planta baixa do pavimento superior.

Fonte: SECTUR, cópia realizada através o acervo do MABS, 2014.

O pavimento superior do sobrado é composto por um pequeno espaço que serve para guardar materiais, para ter acesso ás salas de exposição é preciso subir uma escada de madeira. O primeiro objeto a ser visto é um banner com texto sobre Exu e um manequim representando essa entidade; em seguida temos a Sala do Nagô; a Sala dos Orixás; a Sala do Candomblé; a Sala de Exposição temporária e o Arquivo (que é utilizado para a guarda de acervo).