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2 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE

2.3 O Brasil e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos

2.3.1 Peculiaridades dos tratados internacionais de direitos humanos no

Os tratados internacionais de direitos humanos detêm algumas peculiaridades em relação aos demais, revestindo-se por este aspecto de uma maior importância. A estas peculiaridades somam-se aquelas próprias do conceito de direitos humanos. A primeira característica a ser analisada é a supralegalidade, posição que alguns autores adotam para classificar os tratados sobre direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro.

A outra característica é a constitucionalidade. Há autores que defendem o caráter supralegal dos tratados, enquanto outros pregam sua constitucionalidade. Ademais, o procedimento pelo qual ocorre a incorporação ao direito interno das normas internacionais de direitos humanos, surgido principalmente com a Constituição Federal de 1988, sofreu mudança com a EC/ 45.

2.3.1.1 Supralegalidade dos Tratados Internacionais sobre direitos humanos.

Primeiramente, é necessário que se diga que a supralegalidade é um aspecto adotado pela doutrina para qualificar os tratados internacionais de direitos humanos, que foram recepcionados pela legislação interna antes da Emenda Constitucional de 2004.

Fruto de uma evolução gradativa pela qual vem passando a temática dos direitos humanos no Brasil, os tratados, nesse ínterim, foram caracterizados,

primeiramente, como meras leis ordinárias. Exemplo disso, pode-se verificar pelo julgamento do Recurso Extraordinário 80004, que pregava a equivalência dos tratados internacionais de direitos humanos às leis internas, ou seja, a infraconstitucionalidade desses acordos internacionais, como observa MAZZUOLI:

Esta posição do STF firmou-se quando do julgamento do Recurso Extraordinário 80.004, que se prolongou de setembro de 1975 a junho de 1977 no plenário do Supremo Tribunal Federal. A conclusão que chegou o STF no citado julgamento, foi a de que, no sistema jurídico brasileiro, Tratados e convenções internacionais têm a mesma hierarquia normativa das demais leis ordinárias editadas pelo Estado, não podendo estar situados numa posição hierárquica superior a quaisquer dessas leis internas.33

Como se percebe diante da leitura do texto que se transcreveu, os ministros, de certa forma, eram receosos em declarar a superioridade do tratado em relação às leis internas. As razões ainda não são conhecidas e talvez nunca sejam. Patriotismo ou convicção ideológica, enfim, havia certo medo. Mas é importante anotar que essa superioridade que era proposta se referia a todos os tratados internacionais. Inclusive, aqueles sobre direitos humanos. Mesmo assim, foi sempre negada.

O caráter supralegal configurava-se, num primeiro momento, mais uma posição doutrinária, em virtude da temática que gira em torno de si próprio. O caráter supralegal implica que, em virtude das características dos direitos humanos e de sua importância, sua posição hierarquia no ordenamento jurídico é maior que a das leis ordinárias. Esse posicionamento pode ser encontrado no voto do ministro Sepúlveda Pertence no RHC n° 79785, dentro do qual se defende que os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos tem primazia perante a lei interna, mas se encontra abaixo da Constituição Federal.

A partir do julgado HC 90.172 e do Recurso Extraordinário 466343, cujo julgamento ainda não acabou, ambos do STF, ficou deliberado que os tratados de direitos humanos, celebrados antes da EC/45, passam a gozar do status de supralegalidade, ou seja, estão acima de todas as normas do ordenamento jurídico

brasileiro, menos das normas constitucionais. Essa é uma nova tendência que começou a se expandir no ano de 2007, estando praticamente consolidada. Diante disso, não há mais que se falar em tratados de direitos humanos como equivalente às leis ordinárias, mas, sim, como normas supralegais. A esse respeito o ministro Gilmar Mendes pugnou, no Recurso Extraordinário 466343, sobre a prevalência dos tratados internacionais de direitos humanos diante da lei ordinária:

Entendo que, desde a ratificação pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos humanos – Pacto San José da Costa Rica(art. 7°, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especifico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porem acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos Tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 34

Portanto, o caráter supralegal configura-se em que os Tratados são superiores às leis internas, mas não à Carta Magna.

2.3.1.2 Constitucionalidade dos tratados internacionais de direitos humanos

Tendência doutrinária que atribui status de norma constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos, em que o Brasil figure como signatário, a constitucionalidade dos Tratados muito contribuiu para a previsão na EC/45, de uma disposição que, de forma expressa, atribuísse esse aspecto aos instrumentos internacionais de direitos humanos.

O legislador constituinte de 1988, ao prever, no seu artigo 5°, parágrafo 2°, da Constituição Federal, que os direitos e garantias fundamentais ali mencionados não

excluiriam outros decorrentes do regime ou dos tratados internacionais em que o Brasil fosse parte, estava querendo afirmar que os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos, ao serem incorporados ao ordenamento jurídico interno, seriam equivalentes às normas constitucionais.

O caráter constitucional dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos surgiu com a Constituição Federal de 1988, que trouxe expressamente a regra do sistema aberto de incorporação dos tratados ao direito interno. Esse caráter foi reforçado pela Emenda Constitucional n° 45, que inseriu o parágrafo 3° ao artigo 5° da Carta Magna. Essa posição recebe o apoio de juristas de renome internacional como: Cançado Trindade, Flávia Piovesan e Ingo Sarlet.

Para Flávia Piovesan35, o dispositivo do parágrafo 2° do artigo 5° já tornava os Tratados de Direitos Humanos materialmente constitucionais, sendo por isso uma cláusula constitucional aberta. Nesse sentido, encontra-se no voto do ministro Celso de Mello, no HC 87.585-8/TO, em que o magistrado expõe as idéias dos principais juristas a esse respeito:

Reconheço, no entanto, Senhora Presidente, que há expressivas lições doutrinárias – como aquelas ministradas por ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE (“Tratado de Direito Internacional dos Direitos humanos”, vol. I/513, item n. 13, 2ª ed., 2003, Fabris), FLÁVIA PIOVESAN (“Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional”, p. 51/77, 7ª ed., 2006, Saraiva), CELSO LAFER (“A Internacionalização dos Direitos humanos: Constituição, Racismo e Relações Internacionais”, p. 16/18, 2005, Manole) e VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Curso de Direito Internacional Público”, p. 682/702, item n. 8, 2ª ed., 2007, RT), dentre outros eminentes autores – que sustentam, com sólida fundamentação teórica, que os Tratados internacionais de direitos humanos assumem, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, acentuando, ainda, que as convenções internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da EC nº 45/2004, como ocorre com o Pacto de São José da Costa Rica, revestem-se de caráter materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceitual de bloco de constitucionalidade.36

35 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed. São

Paulo: Saraiva, 2006.

36 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

– STF. Voto Min. Celso D. de Albuquerque Mello, HC 87.585/TO.

O voto do ministro Celso de Mello foi importantíssimo para a reafirmação da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos sobre o direito interno.

Diante disso, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, que foram assinados antes da EC 45/2004, já seriam materialmente constitucionais em virtude da previsão pela Constituição Federal de 1988, no § 2° do art. 5°.

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