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No povoado denominado Caroatá de Fora, município de Cabaceiras, às margens do rio Taperoá, morava o casal Silvina Vital de Barros e José Gomes de Aquino. Eles eram pais de Elpídio, Severina, Eulália e Josefa.

De segunda a sábado, do nascer ao pôr do sol, no sítio dessa família, todos trabalhavam na agricultura e na pecuária. No domingo acordavam pouco antes do raiar do sol. Silvina preparava o café no fogão à lenha; José, as filhas e o filho cortavam capim e palma para o gado. Após esses afazeres, caminhavam seis quilômetros até a igreja matriz na vila de Cabaceiras, onde às oito horas assistiam à missa.

Participavam também das celebrações da Quaresma, da Semana Santa, da festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição (no dia oito de dezembro), da festa de Natal e Ano Novo e da festa de Reis, seguindo fielmente o calendário da Igreja Católica Romana. Nestas ocasiões, Silvina e os filhos ficavam na casa que a família possuía na vila, nas proximidades da igreja, de onde ouviam o soar do sino. José retornava ao sítio logo após as orações. Era assim no tempo da chuva ou no tempo da estiagem.

Ao longo das décadas de 1930 e 1940, além das festas religiosas na vila, esta e outras famílias de pequenos proprietários de terra participavam, no mês de maio, do culto religioso católico dedicado à Virgem Maria.

No povoado de Coroatá de Fora, a família de Silvina e José encontrava os parentes da família Alcântara, da família Aquino, da família Vital e da família Neves reunidos na casa de Pedro e Maria da Glória Alcântara. Nesta casa, nas 31 noites do mês de maio, Maria da Glória, que era chamada de madrinha Maria por ser madrinha de batismo, por ajudar nos partos e por catequizar as crianças do povoado, iniciava as orações.

Naquela sala de chão de terra batida, à noite, à luz de velas ou de lampião a querosene, a vizinhança encontrava-se reunida em frente ao oratório, espécie de armário pequeno onde ficava a imagem da Virgem Maria, de Jesus Cristo e de outras figuras tidas como santas pela Igreja Católica. A devota Maria da Glória rezava as orações (credo, pai-nosso, ave-maria e salve-rainha) e também iniciava os cânticos religiosos, sendo seguida pelos parentes e amigos ali presentes.

Na última noite do mês de maio, cumprindo todo um ritual centrado na figura de Maria, instituído pela Igreja Católica Romana e vivido no cotidiano daquele povoado, coroava-se a imagem da Virgem Maria.50 Depois, em uma grande fogueira, queimavam-se as flores que haviam enfeitado o oratório, guardando-se as cinzas para usar na Quarta-Feira de Cinzas como sinal marcado em cruz na fronte, indicativo de recolhimento espiritual.

No povoado de Curral de Baixo, rezavam à Virgem Maria: Inácia Maria Ramos e João Nilo da Costa Meira, pais de Izabel e de mais seis filhos; Rosa Maria de Farias e Miguel Eudésio Sousa Meira, pais de Filomena, Analice e outros filhos; Euflausina Francelina Ramos e Manuel Mateus Sousa Ramos, pais de nove mulheres – entre elas Brígida – e seis homens.

Ao anoitecer, as mulheres, especialmente as jovens e as adultas, solteiras ou casadas, cobertas com véu de algodão ou renda, colhiam flores silvestres. Acompanhadas por pais, irmãos ou maridos, encontravam-se para as orações e cânticos na casa de João da Rocha, chefe político do povoado e devoto da Virgem Maria, de Santo Antônio, de São João e de São Pedro.

Maria Pastora dos Santos e Severino José de Farias e seus filhos, que moravam no sítio Malhada da Pedra, onde plantavam algodão e criavam caprinos e ovinos, durante o mês de maio caminhavam todas as noites para a casa da família Barbosa. Nesta residência, Maria Santos, a filha de Maria Pastora e Severino, era quem entoava os cânticos à Virgem Maria. Já a dona da casa, chamada Severina, casada com João Barbosa – irmão do prefeito de Cabaceiras, José de Sousa Barbosa, que governou entre 1936 e1940 –, cuidava de rezar o pai- nosso, a ave-maria e o credo.

Maria Santos, no decorrer de sua juventude na década de 1930, especialmente no mês de maio, usava sua voz afinada para entoar hinos religiosos que aprendera ao ir às missas. Durante o dia, enquanto cuidava dos afazeres domésticos e das cabras e ovelhas, cantava as diversas canções aprendidas com o namorado à noite, acompanhada por sua irmã e amigos da vizinhança.

Na igreja matriz, localizada na vila de Cabaceiras, onde moravam aproximadamente 600 pessoas, as famílias também se reuniam para as orações do mês de maio. As famílias proprietárias de terra, criadoras de gado e plantadoras de milho, feijão e algodão e os ocupantes de cargos públicos sentavam-se nos bancos de madeira que haviam doado para a igreja. As famílias de trabalhadores rurais, pequenos proprietários de terras, levavam cadeiras

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para as mulheres idosas; as mulheres jovens, com a cabeça coberta por véu, ficavam de pé ao lado do pai, dos irmãos, que seguravam seus chapéus de feltro de lã ou de couro.

Na noite de 17 de maio de 1944, às 19 horas, “o referido templo estava quase repleto”. Além dos habitantes da vila, moradores dos povoados vizinhos foram até o templo, como era hábito, para orar e cantar à Virgem Maria. Naquela noite, ouviram o coral composto por Salete, Edvirges, Hermínia, Titinha, Maria Ramos, Pequena Ramos, Talisca, Maroca e outras moças da vila. Além do coral, soava pela igreja o som da serafina, um tipo de piano, tocada por Arior, o que tornou aquela noite ainda mais especial.51

Após as orações, Manuel Cavalcante de Faria, Agostinho e Inácio Borja Castro tabeliões e proprietário de terras no município de Cabaceiras, deram as boas-vindas ao padre João Madruga, novo vigário da paróquia Nossa Senhora da Conceição52. Além das orações à Virgem Maria, os católicos saudaram a chegada do novo padre. Para essa ocasião as senhoras Clarice e Inácia, responsáveis pela limpeza da igreja, pelas orações e pela preparação para o batismo, escolheram crianças loiras com cabelos cacheados para figurarem como anjos, conforme a imagem barroca dos mesmos.

Maria da Conceição e Maria do Socorro, filhas de Maria Ecília e Inácio Nunes, ela dona de casa e ele funcionário do posto de saúde, tinham os cabelos loiros e cacheados. Estas meninas, juntamente com Aurora, Nilda e outras, vestidas de branco, usando asas de ferro fino coberto por algodão, figuravam como anjos em torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição no decorrer das orações daquela noite, assim como em outras noites do mês de maio.

Com ou sem pompa, o ritual católico de culto à Virgem Maria no mês de maio acontecia em Cabaceiras. Segundo os relatos orais de memória de mulheres que viveram a infância e juventude nas décadas de 1930 e 1940 nesse município, no culto à Virgem Maria no mês de maio e nas festas de final de ano eram cantados muitos hinos. Quais eram estes hinos? O que eles diziam? Além dos momentos de oração e de festas religiosas, em que outras ocasiões e de que forma o discurso da Igreja Católica se fazia presente no cotidiano daqueles homens e mulheres?

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Cf. Entrevista n. 24. Maria da Conceição Nunes de Araújo nasceu em Cabaceiras, PB, em 19.05.1938. Foi entrevistada em 15.08.2003, quando tinha 65 anos de idade. Residia na cidade de Cabaceiras até o seu falecimento, ocorrido no final de 2003.

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O padre João Madruga permaneceu na paróquia até 1947. Cf. LIVRO de tombo da paróquia Nossa Senhora da Conceição, 1941.

Neste capítulo, tenho por objetivo compreender os papéis, lugares sociais e modos de comportamento atribuídos ao gênero feminino em Cabaceiras, nas décadas de 1930 e 1940, a partir de análise do discurso da Igreja Católica e de mulheres entrevistadas.