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4 CONCEPÇÃO PEDAGÓGICA NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO

4.2 Pedagogia do capital: aprender a aprender

A grande contradição que se coloca é de que, a educação que poderia estar a serviço da promoção da emancipação humana, sob a égide do capitalismo, tem servido ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes (MÉSZAROS, 2005, p. 35). Para Duarte (2008), a transmissão desses valores, via educação, responde pelo nome da teoria do “aprender a aprender”, orientação dos organismos internacionais exposto pelo relatório da

UNESCO – Jacques Delors – Educação: Um tesouro a Descobrir, de 1996, sustentado por quatro pilares: “Aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser”. Estes pilares estão assentados na teoria construtivista que vem gerando ilusões sobre o real concreto (TAFFAREL, p. 21).

Essa teoria do aprender a aprender é integradora de várias outras correntes educacionais contemporâneas, entre elas a pedagogia das competências: “a abordagem por competências junta-se às exigências da focalização sobre o aluno, da pedagogia diferenciadas e dos métodos ativos”. (PERRENOUD apud DUARTE, 2008, p. 5). Para esse autor (apud SANTOS, 2011, p. 38), a verdadeira competência pedagógica consiste em relacionar os conteúdos e objetivos e promover situações de aprendizagem estimulando a aprendizagem pela prática e pelo interesse dos alunos, sem necessariamente se preocupar com o ensino. Nas próprias palavras do Perrenoud, isso consiste em que

Para desenvolver competências é preciso, antes de tudo, trabalhar por problemas e projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar seus conhecimentos e, em certa medida, completá-los. Isso pressupõe uma pedagogia ativa, cooperativa, aberta para a cidade ou para o bairro, seja na zona urbana ou rural. Os professores devem parar de pensar que dar aulas é o cerne da profissão. Ensinar, hoje, deveria consistir em conceber, encaixar e regular situações de aprendizagem seguindo os princípios pedagógicos ativos e construtivistas. Para os professores adeptos de uma visão construtivista e interacionista de aprendizagem trabalhar no desenvolvimento de competências não é uma ruptura. (PERRENOUD apud DUARTE, 2008, p. 5).

Para Santos (2011), o conceito de competência tem sua origem no campo da gestão e organização do trabalho nos anos de 1970, ainda na vigência do taylorismo/fordismo como modelo de organização da vida social e produtiva, a competência assume uma conotação articulada a ideia de saber tácito oriundo de experiências práticas dos trabalhadores e ao seu saber fazer.

Duarte classifica em quatros posicionamentos valorativos dessa pedagogia:

a) são mais desejáveis as aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão, por outros indivíduos, de conhecimentos e experiências [...]; b) é mais importante o aluno desenvolver um método de aquisição, elaboração, descoberta, construção de conhecimentos, que esse aluno aprender conhecimentos que foram descobertos e elaborados por outras pessoas [...]; c) a atividade do aluno para ser verdadeiramente educativa deve ser impulsionada e dirigida pelos interesses da própria criança [...] e d) a educação deve preparar os indivíduos para acompanhar a sociedade em acelerado processo de mudanças, ou seja, enquanto a educação tradicional seria resultante da sociedade estática, nas quais a transmissão dos conhecimentos e tradições

produzidos pelas gerações passadas era suficiente para assegurar à formação das novas gerações a nova educação deve pautar-se no fato de que vivemos em sociedades dinâmicas, na qual a transformações em ritmo acelerado tornam os conhecimentos cada vez mais provisórios [...]. (DUARTE, 2008, p. 8-10).

Há uma clara intencionalidade do que está por trás da pedagogia do aprender a aprender, é o aprender a conviver do trabalho com o capital. Duarte (2008) apresenta algumas dessas intencionalidades pedagógicas na teoria do aprender a aprender:

trata-se de um lema que sintetiza uma concepção educacional voltada para a formação, nos indivíduos, da disposição para uma constante e infatigável adaptação à sociedade regida pelo capital [...] trata-se de preparar os indivíduos, formando neles as competências necessárias à condição de desempregado, deficiente, mãe solteira etc. [...] quando educadores e psicólogos apresentam o “aprender a aprender” como síntese de uma educação destinada a formar indivíduos críticos, é importante atentar para um detalhe fundamental: essa criatividade não deve ser confundida com busca de transformações radicais na realidade social, busca de superação radical da sociedade capitalista, mas sim criatividade em termos de capacidade de encontrar novas formas de ação que permite melhor adaptação aos ditames da sociedade capitalista (DUARTE, 2008, p. 11-12).

Taffarel e Molina (2012, p. 573) nos explicam que a atual fase do imperialismo impõe às nações seus ajustes, acordos e projetos, como o projeto de mundialização da educação. Santos (2011, p. 10) argumenta que este projeto pode ser verificado pela base epistemológica relativista e pelo viés pedagógico escolanovista.

O relativismo epistemológico trata o conhecimento como dependente das especificidades do ponto de referência no qual se coloca o sujeito que se propõe a conhecer o mundo. Desse modo, o critério de verdade do conhecimento não é a coisa e suas determinações, mas como o indivíduo ou o grupo social ao qual ele pertence interpreta o fenômeno social ou natural de seu arbítrio (SANTOS, 2011, p. 10).

Santos afirma ainda, que o relativismo epistemológico, anda de par com o relativismo ontológico e, citando Della Fonte, explica que o pensamento pós-modernista, ao afirmar a impossibilidade de explicar e captar aproximadamente a realidade, nega a existência da objetividade do real e considera apenas a forma como o sujeito diz ser esse real. São as construções discursivas e linguísticas que estruturam o mundo. Assim, todos os discursos e olhares são equivalentes, pois, se não há um parâmetro objetivo externo não há como encontrar uma verdade (SANTOS, 2011, p.11).

Duarte (2008) trata desse relativismo como o olhar idealista, subjetivista bem ao gosto do ambiente ideológico pós-moderno em que a denominação que empregamos para denominar nossa sociedade depende do “olhar” pelo qual focamos essa sociedade:

Se for o “olhar econômico” então podemos falar em capitalismo, se for o “olhar político” devemos falar em sociedade democrática, se for o “olhar cultural” devemos falar em sociedade pós-moderna ou sociedade do conhecimento ou sociedade multicultural ou sei lá quantas outras denominações (DUARTE, 2008, p. 13).

Na Educação, esse processo vai acontecer com o embate entre a pedagogia da Escola Tradicional e a Escola Nova, quando, segundo Saviani, o escolanovismo:

Deslocou o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno, do esforço pelo interesse [...], trata-se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender. (SAVIANI, 2008, p.8)

Na contramão dos pilares acima mencionados da teoria do aprender a aprender, os trabalhadores em luta pela terra, por políticas públicas no campo como direito dos trabalhadores, buscam construir uma educação no seio dessas contradições, realizando a formação dos seus sujeitos a partir da prática real, recuperando o ato educativo sustentada em outros pilares. Segundo Taffarel (2010, p. 21), esses pilares da escolarização da perspectiva da transformação social que advém dos movimentos de luta da classe trabalhadora são:

a) Consistente base Teórica – a escola tem a função social de garantir o acesso ao patrimônio cultural produzido pela humanidade e a função social do currículo enquanto programa de vida é elevar a capacidade teórica dos estudantes garantindo-lhes as ferramentas de pensamento para compreender, explicar e agir revolucionariamente no mundo; b) Consciência de Classe – que se constrói na luta cotidiana na política para transformar a classe em si, em classe para si; c) Formação Política – que se expressa na política cotidiana, na pequena e na grande política, dando rumos aos interesses da classe trabalhadora; d) Organização Revolucionária – que se inicia na escola com a auto-determinação dos estudantes, com o coletivo, com o fomento de outros valores que não os valores individualistas e egoístas do capitalismo, mas, sim, o planejamento segundo valores socialistas, dos coletivos organizados para o trabalho socialmente útil (TAFFAREL, 2010, p. 21).

A Educação do Campo compreende o trabalho como produção da vida. É nesta totalidade que a relação educação e trabalho ganha significado e se diferencia da perspectiva do capital. O trabalho não é entendido como ocupação ou emprego, como

mercadoria que se denomina força de trabalho. Ele é compreendido como uma relação social que define o modo humano de existência, que, além de responder pela reprodução física de cada um, envolve as dimensões da cultura, lazer, sociais, artísticas. Em síntese, o trabalho é compreendido como fator de humanização permanente, e é este o sentido que a Educação do Campo busca resgatar. Essa proposta nasce da crítica e da tomada de posição da população que vive no campo em relação à realidade educacional desse meio. Caldart (2008) argumenta que a posição defendida por essa população é a de que é preciso modificar o atual quadro problemático das escolas do campo e garantir o direito de todos os trabalhadores do campo à educação pública de qualidade.

As ideias socialistas influenciaram novas teorias educacionais. Na epistemologia, no lugar do idealismo e do positivismo, colocam a dialética. A educação pode contribuir para transformar o mundo, mas não pode transformá-lo sozinha, porque é necessária a superação do modo capitalista de produção. Os educadores socialistas lutam pela universalização do ensino e pela escola única, e não dualista: a escola única é aquela em que não há distinções de classe, e onde a organização da escola e o trato com o conhecimento buscam integrar o pensar e o fazer. Uma escola voltada para a desmistificação da realidade e para a transformação do mundo. Uma escola que deve reconhecer que entre a escola da cidade e a do campo não há um antagonismo, mas uma diferença essencial, que deve ser tratada com um método superador (et al SANTOS, 2010, p. 30).