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De acordo com Scaglia (2011), para que possamos compreender as relações e interações entre aprender e ensinar esportes como o futebol é fundamental refletirmos um pouco sobre o conceito de pedagogia. O mesmo autor defende que esta não se refere única e exclusivamente ao modo como se ensina (SCAGLIA, 2011). Fazendo uso das palavras de Libâneo (1994, 2002) a área do conhecimento e o alvo de investigação da pedagogia ultrapassam as premissas metodológicas e procedimentais, entretanto não as esconjuram. Dessa forma, a pedagogia segundo as ideias de Libâneo.

[...] é um campo de conhecimento sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa, implicando objetivos sociopolíticos a partir dos quais se estabelecem formas organizativas e metodológicas da ação educativa. (LIBÂNEO, 1994, p.24)

De acordo com Schimied-Kowarzik (1983), a pedagogia é a ciência da e para a educação, à vista disso, torna-se a teoria e a prática da educação. A pedagogia possui um caráter explicativo, praxiológico e normativo de maneira simultânea, já que investiga teoricamente o fenômeno educativo, prescreve orientações para a prática, a partir da própria ação, e propõe princípios e normas relacionados aos fins e meios acerca da educação (LIBÂNEO, 2001).

Ainda com o mesmo autor, pedagogia é, então, o setor do conhecimento responsável pela investigação sistematizada da educação - do ato de educar, das práxis educativas como componentes integrantes da vida humana, como fato na vida social, imanente ao bloco dos processos sociais (Ibidem, 2001). Posto isto, aspira-se entender que a pedagogia é uma teoria que se estrutura com base em uma ação, elaborada em detrimento de requisitos práticos, devotados na realização da ação e suas consequências (LIBÂNEO, 1994, 2002).

Diante dessas discussões, observamos que a pedagogia tem como características e finalidades, tratar dos objetivos, formas metodológicas e organizativas de transferência de saberes e modos de ação em detrimento da construção humana. Logo, entendemos que a mesma deve ser vista como uma ferramenta que busca à construção de conhecimentos, através de ambientes de aprendizagens, assim, quando o conteúdo é esporte, deve-se primeiro “pedagogizá- lo” (LIBÂNEO, 2001; SCAGLIA, 2011).

De acordo com Scaglia (2011), o processo de "pedagogizar" o fenômeno esporte, deve ser compreendido com uma intervenção confeccionada dentro de um processo de possibilidades para a construção desse conhecimento (objetivos previamente estabelecidos e definidos), inserindo e fazendo interagir com conhecimento inerente ao atleta, alargando-se assim, sua bagagem cultural e inteligência global (corpo inteiro), balizada intencionalmente pelo treinador (pedagogo).

Dessa forma, partindo das ideias de Bento (2004), a pedagogia do Esporte deve ser compreendida como uma práxis educativa centrada no esporte, em que suas ações intencionais revestem-se de requisitos pedagógicos, tendo como papel a busca da resolução entre teoria e prática, norteando-nos para uma pragmática concepção do conhecimento.

Segundo Bento (2006) a pedagogia do esporte é um ramo da Educação Física e da Ciência do Esporte, e ela, como todos os campos dessas áreas do conhecimento, tem como propósito tratar o significado do esporte para seus praticantes, além de saber organizar tal prática para que se realizem os valores humanos pretendidos e, consequentemente, deter de uma co-responsabilidade pela orientação, organização e condução humanista das práticas esportivas.

Os especialistas de cada campo de manifestação da área não podem centrar- se em si mesmos, mas visar um equilíbrio entre a responsabilidade humana e científica (BENTO, GARCIA, GRAÇA, 1999).

Reverdito e Scaglia (2009) apontam que a crise do paradigma newtoniano- cartesiano destacado por autores como Capra (2006) trouxe à luz uma nova forma de conceber pedagogia do esporte, bem como as ciências e os campos de atuação profissional em todas as áreas.

Enquanto um ramo recente da Educação Física e da Ciência do Esporte, a pedagogia do esporte acumulou um enorme conhecimento do ramo científico tradicional como grande parte das demais áreas, e resta agora reformular estes conhecimentos, partindo do que se já tem (GALATTI et al., 2014).

No estudo de Scaglia e Souza (2014), os autores destacam uma divergência entre o modelo que impera a partir da abordagem tradicional e as pedagogias inovadoras ou novas tendências em pedagogia do esporte. No que diz respeito à pedagogia tradicional, esta tem como núcleo central de preparação a componente

técnica do treinamento desportivo. Procura reproduzir modelos (padrão perfeito) e repetir movimentos para automação.

Também busca mecanizar o gesto, produzindo um pobre acervo de possibilidades de respostas, descartando a solução e partindo para a ênfase na eficiência, necessitando pré-requisitos. Isso tem como resultado, uma pouca geração de tomadas de decisão, de forma em longo prazo levar uma castração da autonomia. De modo geral para estes autores ela causa uma incalculável dependência (SOUZA; SCAGLIA, 2014).

Garganta (1998) menciona que modelo de ensino dos esportes coletivos pautado na ciência tradicional denominado analítico tem como concepção do sujeito alguém que ainda não sabe executar os exercícios, alguém que terá que aprender por níveis, do simples ao mais elaborado, de forma linear. O mesmo autor defende que nos jogos esportivos coletivos as técnicas não se restringem a movimentos específicos e que ela por muito tempo foi considerada o fator mais importante para seu ensino. Porém ela está condicionada a um para que fazer, o que, automaticamente, coloca a tática como dimensão primordial do ensino dos jogos esportivos coletivos, uma vez que neles “[...] o problema fundamental que se coloca ao indivíduo que joga é primeiramente tático.” (GARGANTA, 1998, p. 23).

É importante ressalvarmos que não estamos aqui negando a aprendizagem a partir da pedagogia tradicional e seus valores. Como bem nos lembra Galatti et al. (2014), a pedagogia tradicional foi uma proposta anterior às contemporâneas que detemos hoje e ponto de partida para a mudança. Tampouco expressamos certo desprezo por profissionais que trabalham com o ensino do esporte no país e ainda adotam essa abordagem. A dificuldade da informação e conhecimento para algumas regiões de um país vasto e precário em alguns setores como o nosso são imperfeições sociais resistentes à mudança.

O panorama em questão nos transporta para a reflexão de uma ideia, onde os movimentos esportivos não podem mais ser compreendidos como meros gestos motores, mas sim como ações compostas por desejos, sentidos e significados, podendo apenas ser estudada em um contexto caracterizado no mais amplo e profundo das ações humanas (MATOS, 2006).

No âmbito das Ciências do Esporte, autores como Bayer (1994) e Theodorescu (2003) tiveram grande influência ao restaurarem uma relação dinâmica e estrutural dos jogos esportivos coletivos. Por mais que estes autores não tenham

sido os pioneiros quanto a questão dos modelos de ensino dos mesmos, ambos são significativos para a pedagogia do esporte no que diz respeito à compreensão relacional de todos os esportes coletivos.

Bayer (1994), por exemplo, aponta a importância do transfer na aprendizagem dos jogos esportivos coletivos, ao passo que este se caracteriza como a transferência de habilidades de um esporte para o outro. Segundo o autor existem princípios que os regem denominados Princípios Operacionais tais quais manutenção e posse da bola no campo de ataque, impedir a progressão e proteção do alvo, determinando as circunstâncias similares nos esportes como handebol, basquetebol e futebol.

Autores como Leonardo, Scaglia e Reverdito (2009), Scaglia (2011), Casarin et al. (2011) corroboram com o ensino dos jogos esportivos coletivos pautados em uma metodologia que privilegia o ensino da lógica do jogo ao considerarem a experiência da técnica esportiva não separada da dimensão tática, mas sim parte integrante de uma mesma atitude intencional.

Um grupo de pesquisadores, os quais poderiam classificar como representantes da escola alemã, composto por Kröger e Roth (2002), Greco e Benda (1998) e Greco (1998), partem das abordagens das ciências biológicas e pedagógicas das teorias do controle e aprendizagem motora, da psicologia geral e cognitiva e aprendizagem formal e incidental. Kröger e Roth (2002) tem sua abordagem caracterizada pelo resgate aos jogos de rua, ação pedagógica, cultura do jogar, e escola da bola universal para todos os esportes. Já Greco e Benda (1998) e Greco (1998) abordam a iniciação esportiva universal, a aprendizagem incidental e focam nas capacidades coordenativas (REVERDITO; SCAGLIA, 2009).

Paes (2001) e Balbino (2001), fundamentados no pensamento sistêmico, no construtivismo e na teoria das inteligências múltiplas, entendem que a pedagogia do esporte deve se caracterizar pela busca de formação crítica e consciente, que respeita a diversidade, a inclusão, a cooperação, autonomia, o movimento humano, estimulando as inteligências múltiplas, os aspectos psicológicos, baseando-se em aspectos filosóficos e aprendizagens sociais (REVERDITO; SCAGLIA, 2009).

Santana (2005) defende uma concepção de pedagogia do esporte, a qual tenha como primeiro passo reconhecer a complexidade da iniciação esportiva. O autor critica os reducionismos da área ao falar sobre a crença de se educar

particularidades e não se educar atitudes e valores ou, ao contrário, ao ser dedicado mais tempo à formação que a capacitação.

A educação complexa requisita uma educação para um todo, não apenas para suas partes. Nesta perspectiva, o autor ainda coloca inúmeras unidades que interagem entre si na iniciação esportiva e que instituem a esse seu caráter imprevisível, tais como competição, ciência, pedagogia da rua, pais, mídia, diretores escolares, técnicos (as), professores (as), criança, pedagogia do clube, pedagogia da escola, etc.

Garganta (1995) e Graça (1995), ambos os pesquisadores portugueses, compõem uma ideia sobre a pedagogia do esporte a qual poderíamos denominar escola portuguesa de pedagogia do esporte. Tais autores tem como embasamento para essa concepção a metodologia dos jogos desportivos coletivos, caracterizada por uma abordagem fenômeno-estrutural, de prática transferível, bem como uma abordagem sistêmica e complexa. Suas abordagens se dão por meio do jogo, da formação, da cooperação, do desenvolvimento da inteligência, bem como da cultura esportiva, a natureza aberta das habilidades e um amplo conhecimento a respeito da pedagogia (REVERDITO; SCAGLIA, 2009).

Notamos grandes preocupações desta área em se ensinar o jogo considerando-o de maneira complexa, relacionando seus aspectos técnicos, sociais, culturais e humanos, o que pode nos levar a uma reflexão sobre como a pedagogia do esporte trata o corpo de seus atletas. Pelo menos, enquanto teoria.