• Nenhum resultado encontrado

2. INVASÃO AO “PAÍS TIMBIRA”: conflitos territoriais

2.1. Processos de territorialização Krenyê

2.1.2. Pedra do Salgado: o “território perdido”

Todo o processo que solapou os Krenyê a partir do século XIX, caracterizado pelas invasões ao território considero como mais um processo de “territorialização” vivenciado por esse povo. Essas invasões se deram por frentes de expansão, na primeira metade do século pelos criadores de gado e na segunda metade por imigrantes fugidos

59 da seca que assolava o nordeste brasileiro e pela fixação de moradia por parte do invasores.

No século XX, o território Krenyê continuava sendo invadido, tornando-se uma região atrativa para pessoas vindas do nordeste. O processo de espoliação sofrido pelos Krenyê resultou em dispersão do território tradicional na primeira metade do século XX.

Oliveira (2006) assim se refere ao que denominou segundo processo de “territorialização” que os povos indígenas experienciaram.

Tratava-se de um processo de expansão econômica que não reconhecia as populações nativas nem a seus decendentes nenhum direito especial [...] nesta segunda modalidade de territorialização com a qual se confrontaram os povos indígenas, somente implicava em ameaças e prejuizos a manutençãao de uma condição de indígena, já que34 ela representaria a possibilidade de uma superexploração por parte de outros clientes não indígenas. Distantes de um destino coletivo, recorrendo a trajetórias individuais para escapar aos estigmas, fazendo-se passar por “branco” (ao menos, por “cabloco” ou mestiços), os descendentes de indígenas tenderam a escamotear suas tradições culturais e abandonar sua língua, optando com frequencia por casamentos interétnicos e tentando reduzir o étnico às origens familiares. (OLIVEIRA, 2006, p. 134-135)

Apesar dos Krenyê, durante sua trajetória não terem tentado se passar por “brancos”, ou negado uma identidade indígena, assim como muitos povos indígenas no Brasil, ao terem seu território invadido empreenderam fugas, passaram, a viver fragmentados, o que inviabilizou, durante muito tempo, sua existência enquanto uma coletividade organizada social e politicamente.

Os Krenyê viveram, até aproximadamente as décadas de 1940 e 1950, numa área denominada “Pedra do Salgado”, localizada na região do médio mearim, onde hoje se localizam os municípios de Bacabal e Vitorino Freire..

34“se trataba de um proceso de expansión economica que no reconocía a la población nativa ni a sus

descendientes ningún derecho especial [...] En esa segunda modalidad de territorialización com la cual se enfrentaron los pueblos indígenas, sólo implicaba em riesgos y prejuicios la manutención de uma condición de indígena, ya que ello representaría la posibilidad de uma superexplotación por parte de ottros clientes no indígenas. Lejos de um destino colectivo, recorriendo trayectorias individuales para escapar a los estigmas y hacerse pasar por “blanco” (o al menos, por “caboclos” o mestizos”), los descendientes de indígenas tendieron a escamotear sus tradiciones culturales y abandonar su lengua, optando com frecuncia por matrimonios interétnicos e intentando reducir lo étnico a los origenes familiares” (OLIVEIRA, 2006, p. 134-135)

60 Segundo Figueiredo Júnior (2015, p. 56), o nome da região, “Pedra do Salgado” deve-se “à existência de um morro rochoso de coloração esbranquiçada, mas que desde a década de 1960 vem sendo destruído para retirada de pedras que serão utilizadas em pavimentação de estradas”.

A pedra não só dava nome a região bem como tinha uma importância simbólica para os Krenyê. D. Maria de Lourdes, em entrevista, ao ser perguntada sobre a região em que viviam os Krenyê relembra a Pedra que era usada em momentos rituais.

Eu ainda conheci, lá na beira da pedra. Minha tia dizia assim: ‘oi, aqui que a gente fazia a oração de primeiro quando tinha os mais velhos, fazia moqueado quando a mulher ganhava bebe, pra trazer pra cá, pra fazer toda oração’ Era! Eu ainda conheci lá, eu conheci e eu tenho tudinho na minha cabeça, pra mim que eu vejo lá o lugar [...] Desse lugar que nós saímos, aí os branco ficaram tomando de conta” (MARIA DE LOURDES, fevereiro, 2015; aldeia São Francisco, entrevista a mim concedida)

A Pedra do Salgado é um dos símbolos utilizados por eles para recompor o grupo e ajudar no processo de afirmação identitária. As lembranças individuais de Maria de Lourdes e Francisco35 são utilizadas, pelos diferentes Krenyê que estão em

Barra do Corda. A reconstrução do território tradicional é realizada tanto por lembranças de fatos vividos como por relatos de seus ancestrais, que recompõem um cenário ainda não impactado por agentes externos e os informa sobre a vida e eventos cotidianos vivenciados dentro do território. Esta memória ajuda a construir o presente e os informa sobre o futuro.

O território que os mais velhos conheceram já vinha sendo impactado por conta da pressão da sociedade envolvente. De modo que boa parte do que contam sobre uma “aldeia grande”, “festiva” e “onde havia muita mata” só conheceram por meio das histórias contadas pelos antepassados. “Nossa aldeia era grande, primos e sobrinhos casando uns com os outros. Não tinha ninguém de fora” (D. Francisca, abril 2016). “Minha mãe dizia, olha essa aldeia tinha muita gente e tinha festa quase todo dia, porque uma aldeia que tem muita gente é animado” (Francisco, abril 2016, aldeia São Francisco). “Hoje em dia lá é só capim, é so capim, mas eu tenho na minha mente tudo no tempo que eu vi, que eu conheci, que era mato”. (Maria de Lourdes, fevereiro 2015, aldeia São Francisco)

35 São os dois mais idosos Krenyê, que atualmente compõem o movimento de luta por reconhecimento e

61 Segundo informaçoes de S. Francisco 36(2016), sua família morava na aldeia

Mangueira e, além desta, o território Krenyê era composto por outras sete aldeias: Buraco do Tatu, Cajueiro, Olho d’agua das Cunhãs, Aldino, Açude dos Aldelino (comandante). Gameleira, Lagoa do Pira. Nimuendajú fez referência a aldeia Cajueiro, situada a oeste de Bacabal, entre os rios Mearim e Grajaú, afirmando que, em 1919, havia sido realizado um censo pelo Serviço de Proteção ao Índio que afirma um quantitativo de 43 Krenyê, (Nimuendajú, 1946).

Suponho que as demais aldeias citadas por Francisco também situavam-se nesta região. Francisco conta, em entrevista a mim concedida, que “na aldeia Gameleira havia um grande cemitério e uma árvore grande” (2015, aldeia São Francisco), que deu nome à aldeia. Afirma que antes de saírem desse local a natureza já começava a dar sinais de desgaste. Lembra da devastação e das alternativas utilizadas por eles para adquirir proteína, já que a caça já estava escassa devido a devastação ambiental.

Aí eu comecei a me formar já foi o ente que já tava só “capoeirão37 já. Então, aí eu acompanhava meu tio, aí quando as lagoa ia secando, porque lá, aqui eles chama é de corrego, não é? Agora pra lá a gente chama de garapé. É por que de cada uma coisa, de cada uma pessoa ele tem um sotaque de chamar aquelas coisas, pra lá eles conhecem como garapé agora pra cá conhece como um córrego, um córrego que é assim a perna de um rio. Pois é, então quando ia secando ficava muito peixe, todo tipo de peixe, peixe da lama, não é peixe de couro não, porque peixe de couro não se dá na lama não. Aí meu tio, aí ajuntava, eu ia acompanhar meu tio e levava um mucado de flecha também quando chegava lá na beira da lagoa ele fazia uma tocaia assim, bem feito de palha lá dentro eu era pequeno eu ficava só olhando, rapaz ele matava era todo pássaro ele fazia era um feixe desse tamanho. (FRANCISCO, fevereiro 2015, aldeia São Francisco, entrevista a mim concedida)

A pressão sobre o território vai causando impactos não só no ambiente em que vivem e nos meios de subsistência, mas também na sua forma de organização social e cultural, pois as atividades rituais estão relacionadas com a produção de alimentos.

Relatos feitos por Sr. Francisco e Sra. Maria de Lourdes38 relataram as suas

atividades produtivas, meios de subsistência de acordo com a dinâmica da ocupação sazonal no espaço. O período chuvoso era o tempo de plantio da roça, caça e pesca; já o

36 Entrevista concedida a mim na aldeia São Francisco em abril de 2016 37 Área desmatada em processo de regeneração florestal.

62 período seco o tempo da colheita, coleta de frutos nativos e mel, caça, pesca e tempo dos rituais (FUNAI, 2015).

Como forma de reconstruir o ambiente em que os Krenyê viviam antes da perda de seu território, a equipe do Grupo de Trabalho para construção do relatório de constituição da Terra Krenyê fez um levatamento das atividades realizadas por eles nos períodos citados. O Grupo de Trabalho foi constituído por meio da Portaria nº205, de 11 de março de 2014 e concluído em 2015. Segundo consta no relatório os estudos de natureza antropológica, cartográfica e ambiental para constituição da “Reserva Indígena Krenyê” deveria ser feito na região do Município de Barra do Corda, no Estado do Maranhão. Cabe destacar que, inicialmente, os Krenyê reivindicavam a demarcação de sua Terra no seu antigo território, na região da Pedra do Salgado.

Abaixo as descrições das atividades realizadas pelos Krenyê na Pedra do Salgado em diferentes períodos.

No período chuvoso, os índios Krenyê costumavam sair da aldeia principal e fazer tapiris na roça no intuito de fazer o cultivo dos seus produtos agrícolas. Já no período seco, os índios passavam dias na mata e na beira dos rios à procura da caça, da pesca e dos frutos da mata. Somente depois que cumpriam seus objetivos os índios voltavam para a aldeia e, quando os alimentos começavam a faltar, circulavam pelo território novamente. Os índios Krenyê contam que, no inverno, rigorosamente após a primeira chuva, para ter um maior controle do fogo, seus antepassados realizavam a limpeza e a broca do terreno com o objetivo de fazer o plantio da roça e obter o alimento para a família. (FUNAI, 2015).

Segundo o que consta no relatório, os principais produtos que plantavam eram:

Quadro 01 – Principais produtos que os Krenyê plantavam em suas roças

Produtos desejados Nomes científicos

Abóbora Cucúrbita moschata

Amendoim Arachishypogea L.

Arroz Oryza sativa

Mandioca Manihotesculenta

Milho Zeamays

Inhame Dioscera spp.

Feijão verde Phaseoulosvulgaris L.

63

Batata Doce Ipomoea batatas

Fonte: FUNAI, 2015.

A produção de alimentos a partir da roça farta, aliada a caça, a pesca e a coleta possibilitava aos Krenyê a realização de festas e rituais, momento propício também para o estabelecimento de alianças e intercâmbios entre aldeias, pois nesse período recebiam os parentes vindos de outras aldeias que existiam na região da Pedra do Salgado. Como acontecia, por exemplo, na realização da festa do Ceveiro39 (FUNAI, 2015), conforme

relata Sra. Maria de Lourdes:

Quando eu era pequena lá na Pedra do Salgado me lembro que os parentes fazia muito Berubu para a Festa do Ceveiro. Ali as meninas ficava presa um tempão e quando saia de lá já tava moça, gordinha só de comer. Era uma festa muito bonita, você precisa ver. Como todo mundo tinha roça grande a gente fazia muita festa e o parente gostava... (Maria de Lourdes, FUNAI, 2015)

Os relatos dos idosos também recuperaram memórias sobre animais para caça, uso de plantas e atividade de pesca.

Segundo informações coletadas na oficina, percebeu-se claramente que os índios Krenyê têm o seu lugar de habitação para além da aldeia, incluindo as matas, os rios e as áreas agricultáveis como extensão indissociável da sua moradia. Os índios Krenyê rememoraram, a partir do que os anciãos contavam, que costumavam ir à mata e aos igarapés, identificando as hare (varedas) de animais em busca de caça, esperando algum animal cair em armadilhas. (FUNAI, 2015)

Os animais que costumavam caçar, segundo os mais velhos, estão dispostos na tabela a seguir:

Quadro 02 – Animais que caçavam no inverno na região da Pedra do Salgado

39 Ritual realizado também pelos Krikati, conforme Corrêa o “ hcreere ou Ceveiro é um ritual de

passagem para vida adulta durante o qual as crianças na fase de 8, 9,10, 11 anos (a que observei tinha um rapaz de 15 anos e outro de 18 anos) ficam reclusas por um período de 3 meses atualmente, a depender do período escolar. Myypuc diz que hoje “por conta da escola as crianças nem crescem e nem ficam fortes, porque é pouco tempo”. Diz que antigamente se ficava um ano preso para engordar. “ (CORRÊA, 2016, p.30)

64

Animais caçados Nome científico

Caititu Tayassutajacu

Quati Nasuanasua

Veado-mateiro Mazama americana

Guariba (capelão) Alouattacaraya

Queixada Tayassu pecari

Preá Caviaaperea

Jabuti Geochelone carbonária

Cutia Dasyproctaagouti

Paca Cuniculus paca

Mão pelada Procyoncancrivorus

Siriema Cariamacristata

Ema Rhea americana

Perdiz Rynchotusrufescens

Nambu Tinamusguttatus

Tatu canastra Priodontesmaximus

Peba Euphractussexcinctus

Capivara Hydrochoerushidrochaeris

Fonte: FUNAI, 2015.

A caça era realizada principalmente no período do inverno, quando viviam escassez de alimentos da roça, uma vez que não há colheita no período de chuva (FUNAI, 2015). Os animais caçados eram levados para a aldeia e entregues para as mulheres que os moqueavam40 e serviam às suas famílias (FUNAI, 2015).

Os relatos também demonstraram a relação com o rio Mearim, em que através da pesca, enrriqueciam a alimentação.

Os anciãos dos índios Krenyê lembravam quando os seus pais traziam cofos de peixes para garantir a subsistência da família. Os principais peixes eram: piabas (Leporinusobtusidens), carás (Geophagus brasiliensis), traíra (Hopliass.p), cascudos (Locariiadae) e

40 Forma de preparar carne, muito usada por diferentes povos indígenas. Moquear significa secar a carne

65 mandubés (Ageneiosusbrevifilis), pescados nos igarapés da bacia do Rio Mearim para saciar a fome da família. A pesca dos peixes era obtida por meio de diversas técnicas, como: pesca com anzol, pesca com flechas, pesca por meio de redes, pesca com armadilhas e pesca com o uso do timbó (planta de cipó trepadeira encontrada em áreas de brejo também conhecida como tingui), cuja seiva é tóxica e quando atirada na água deixa os peixes atordoados facilitando a pesca. (FUNAI, 2015)

A partir da flora, os Krenyê relatam que conseguiam construir utensílios domésticos ou ferramentas de trabalho, como, por exemplo, utensílios para pesca; materiais para ajudar na confecção das casas; produzir remédios; produzir artesanato; bem como coleta de frutos. A tabela a seguir demonstra algumas plantas utilizadas por eles, que se encontram principalmente na região de cerrado.

Quadro 03 – Espécies de plantas utilizadas pelos Krenyê

Planta Nome científico Para que serve

Almesca Protiumheptaphyllum Retira-se a seiva que serve como cola para grudar as

penas ao corpo,

ornamentando os índios para suas festas e rituais

Candeia Gochnatiapolymorpha Retira-se a casca do tronco para depois botar em um pilão e socá-la, obtendo-se o pó que bom para curar ferimentos. A resina retirada do tronco também é boa para curar ferimentos

Banana Brava Phenakospermum guianense É retirada a folha para a preparação da comida moqueada

Jatobá Hymenaeacourbaril É retirado o fruto para comer

e para fazer suco

Ávore de Cipó Ingá edulis O cipó é retirado para fazer a

amarração das folhas de palmeira que cobrirão a casa. Buritirana Maximilianamaripa É retirado o fruto para comer. Tucum Rasteiro Astrocaryumarenarium É retirada a fibra para confeccionar o landuá, colar, rede para pesca, anel, brinco e outros utensílios e ornamentos.

Açaí Euterpe precatória Retira-se a polpa do fruto

66

Mangaba Oeanocarpus bacaba Retira-se o fruto para comer.

Retira-se a resina para fazer borracha e, a partir daí, fazer brinquedos para as crianças, como a bola.

Sucupira Pterodonemarginatus Retira-se a casca para fazer remédios que curam a dor de garganta, gripe e também é um ótimo cicatrizante. Sapucaí do Brejo Lecytispisonis Retira-se o fruto para comer.

Com a casca do fruto é feito o cachimbo e o artesanato. Retira-se também a embira para fazer corda.

Bacaba Oenocarpus bacaba Retira-se a polpa do fruto

para fazer suco

Tiririca Cyperusrotundus Retira-se a semente para a

confecção do artesanato.

Anajá Attalea dúbia Retira-se a palha para cobrir

as casas

Jatobá Curuba Hymenaeastilbocarpa O chá da casca do jatobá seve para curar a diarreia.

Jacarandá

Jcarandamimosaefolia O chá de sua folha serve para lavar feridas e cicatrizá-las

Mucunã Mucunaaterrima Retira-se a semente para

fazer o artesanato. Serve de remédio para estimular a potência sexual.

Cacau da mata Pachira aquática Retira-se o fruto para comer in natura

Pequi Caryocar brasiliense Retira-se o fruto para comer in natura ou cozido

Fonte: FUNAI, 2015

A recomposição do território Krenyê antes da dispersão41 parece assentada na

ideia de confrontar a realidade de outrora com a atual, em que a terra, além de super

67 povoada acha-se em completa degradação ambiental, e, assim, desconstruir a Pedra do Salgado como uma possibilidade para a demarcação da Terra Indígena Krenyê.

De um local em que podiam viver com uma relativa autosuficiência, a região da Pedra do Salgado foi se transformando em um ambiente hostil. Aos poucos foram vendo toda essa riqueza acabar por conta da invasão do território por imigrantes e fazendeiros, que levou a dimimuição das suas terras, ao desgaste do solo e aos desmatamentos. Além disso, a proliferação de doenças contribuiu para deixar o território tradicional insustentável para sua reprodução física, social e cultural.

Segundo Sra. Maria de Lourdes, os não-índios gostavam de visitá-los e, em uma dessas visitas, um vizinho teria orientado seu tio a procurar outro lugar para fazer sua aldeia: “Aí tinha um vizinho nosso que disse assim pra meu tio”, “Olha Maximiliano tu tem que mudar as casas mais pra longe da aldeia, essa aldeia aí não presta pra você. Senão vocês vão morrer tudo”. (MARIA de LOURDES, fevereiro 2015, aldeia São Francisco entrevista realizada por mim na aldeia)

Entretando, segundo Pairé42, esse conselho estava assentado na intenção de tomar suas terras. As epidemias pareciam atingir com mais força os índios, o que levava os Krenyê a levantar hipóteses para essa maior incidência: feitiçaria praticada por pessoas que moravam próximas, ou envenenamento pelos vizinhos não índios, para que eles deixassem o território vazio.

Do começo, do Bacabal. Do Bacabal que a vozinha contou. Do Bacabal começou assim que os Cupen43 [não-índio] tavam

invadindo a aldeia se agradou de uma sobrinha sua, um feiticeiro gostou dela e pediu “eu quero casar com sua filha”. E o índio não entregou, aí ele jogou coisa nela, jogou algodão dentro da barriga dela. Aí depois disso o homem pegou e falou assim “pois vocês vão se acabar, vocês tudinho”. E foi a palavra dele que ele fez, ele fez mesmo. Aí foi o tempo que Sarampo deu neles tudinho aí o tempo que ainda bem que a vozinha fazia o de comer dela era cedo, cedo antes de ficar escuro, porque diz que os Cupen atacava lá o nosso parente lá. Aí ela escondia os irmãozinho lá debaixo do giral, mais a outra. A tia Balbina escondia vocês lá debaixo porque eles ficavam se matando, os Cupen, pra tomar as nossas terras lá. Foi o tempo que

42 Em conversa, na aldeia São Francisco, sobre os conflitos na região em que viviam na Pedra do Salgado.

Participaram desta conversa, Pairé, D. Francisca, D. Geneci, Raimundo, Francisco, Antônio. Eu também estava presente e fiz uso do gravador, mediante a permissão dos presentes.

43 Cupen significa não índios nas línguas Timbira e Mehin é o termo para denominar índios Timbira.

68 morreu de cinco, de dez, de onze. Não tinha caixão, aí foi o jeito fazer o buraco, desse aí que faz parede. Ai eles ia só fazia jogar dentro e jogava o barro por cima. Aí vinha pra cá. Aí primeiro quem saiu de la do Bacabal foi a Feliciana, minha vó, saiu de lá com os meninos veio direto pra aldeia da Geralda [Geralda Toco Preto]. Depois a mãe dele veio mais o tio atrás dela e não encontraram. (PAIRÉ, abril, 2016, aldeia São Francisco)

Pairé está contando esse episódio, que ouvira da sua tia Celina, para seu tio, Francisco. O relato enfatiza a ameaça dos cupen sobre eles, que teria conduzido a mudança. Esse argumento de que os Cupen foram responáveis pela saída daquela aldeia é retomado em vários relatos. Antônio afirma que a sua avó teria sido aconselhada a mudar-se por um vizinho: “A vó diz que tinha um vizinho lá que pediu que eles mudassem da aldeia”. (ANTÔNIO, abril, 2016, conversa na aldeia São Francisco)

Geneci, Krepumkateyê casada com Raimundo, faz referência a um fazendeiro que teria pedido que os Krenyê mudassem a aldeia de lugar porque estariam morrendo:

Documentos relacionados