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Capítulo II: Lisboa e a Freguesia de Santa Justa Contextualização

II. 7. D Pedro II e a Defesa de Lisboa

Da documentação camarária deste período transparece a premência da edilidade junto do Rei sobre questões de abastecimento, segurança e saneamento. Já a iniciativa régia direccionou-se mais para a dotação da cidade em infra-estruturas de defesa, melhoria do provimento, no embelezamento e na expressão pública de magnificência através da festa.

Entre 15 de Novembro de 1697 e 3 de Abril de 1698 decorreram em Lisboa as últimas cortes do período moderno convocadas para formalização da sucessão do príncipe D. João como herdeiro da coroa,103 sendo um dos procuradores por Lisboa, o Marquês de Alegrete, Manuel Teles da

98 OLIVEIRA, 1898, Tomo X: 54. 99 OLIVEIRA, 1898, Tomo X: 66.

100 a 10 de Dezembro de 1697. Terá sido após a representação da comédia “La mor hidalga hermozura,” e o clarão do fogo avistava-se da casa do memorialista Manuel de Almeida, morador na Bica de Duarte Belo.

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Era aqui uma das portas de entrada no Pátio, junto às casas do Marquês de Cascais e onde o incêndio terá sido violento.

102 Associação de Arqueólogos Portugueses, 1947-1948:42.

103 Foi jurado solenemente no primeiro acto a 1 de Dezembro, na Sala dos Tudescos do Paço Real da Ribeira, perante os procuradores de todas as comarcas e cidades, vilas, lugares do reino, com formação dos terços da ordenança no Terreiro do Paço.

Silva.104 No cerne da convocação de cortes esteve o pedido de contribuição de 600.000 cruzados muito necessários a Portugal, que despendia avultadas somas com a manutenção da paz, assegurada através de missões diplomáticas nas principais potências europeias e na segurança interna com a aquisição de material de guerra e o aumento do corpo militar de cavalaria e infantaria, sem esquecer o auxílio “às conquistas.”105

Noutro âmbito, o cenário de grave crise económica trouxe às cortes questões como a rentabilização de recursos com benefício para o estado, como o estanque do tabaco.106

Numa das sessões, antevendo a grave crise alimentar de 1698, o presidente do Senado da Câmara de Lisboa e capitão da guarda real, D. Francisco de Sousa chamou a atenção para a “decadência e definhamento em que cada vez mais se sentia debater o paiz, em virtude dos

exorbitantes preços a que haviam chegado todos os géneros necessários, quer para alimentação, quer para vestuário.”107 Lançou o debate do desajustamento com repercussão directa no tecido social, dos elevados salários dos oficiais mecânicos e preço das manufacturas, o que lhes permitia luxos impróprios “rompendo galas, gastando ballonas de renda, chapeus de castor […] que não se

coadunavam com a natureza do seu nascimento”108 daí resultando pragmáticas sobre o excesso dos

trajes e jogos de parar, com consequências como já vimos, de prisão dos infractores.109

Nos conturbados anos finais do século XVII, D. Pedro II teve que lidar com a questão de maior importância na política externa de Portugal, a eminência de guerra, dando prioridade ao planeamento da defesa de Lisboa e a necessidade de mais dinheiro para o provimento de armas e para pagamento da gente de guerra.110

O conflito que mais tarde se tornou bélico, teve origem na sucessão ao trono de Espanha, por morte sem sucessores, em 1700, do rei Carlos II. A 4 de Março de 1701 Portugal assinou um tratado de aliança ofensiva e defensiva com a França, temendo-se a ofensiva dos holandeses, aliados da Inglaterra e da Áustria, defensores da sucessão do arquiduque Carlos de Áustria. Num dos artigos do tratado que assegurava a sucessão de Filipe V, as forças portuguesas seriam auxiliadas por uma

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OLIVEIRA, 1898, Tomo IX: 492. Eleitos a 17 de Outubro de 1697 na casa de Santo António e jurados a 13 de Novembro de 1697. Pertencia aos conselhos de Estado e Guerra, gentil homem da câmara do Rei e vedor da Fazenda.

105 Carta régia de 23 de Dezembro de 1701. No entanto, a sua concessão solucionou só pontualmente a situação, surgindo novas exigências e o aumento das despesas com o conflito europeu, sendo o rei obrigado a manter a cobrança de contribuições ao povo, agravados com os direitos de entrada e consumo no reino de que é exemplo a crise de abastecimento de palha já relatada.

106 Carta régia de 21 de Junho de 1700. Até então era arrendado, deixou de o ser, mas só até 1700 quando o estanque foi extinto, retomando o contrato e arrendamento, embora com nova forma de administração da responsabilidade da fazenda real.

107 OLIVEIRA, 1868, Tomo IX: 490. 108 OLIVEIRA, 1868, Tomo IX: 491. 109

O mesmo que a dinheiro. Leis promulgadas em Junho e Novembro de 1698. 110 Carta régia de 14 de Novembro de 1699.

armada na defesa de Lisboa, em caso de agressão inimiga, daí que uma das medidas foi o posicionamento em Cascais de uma esquadra francesa, a 21 de Setembro de 1701.

Outra medida defensiva foi a construção de uma linha de fortificação nos cais e orla marítima, numa grande intervenção no espaço urbano envolvente. Mandou fortificar em 1701 todas as praias em Lisboa, tendo sido construído um muro do cais dos Mouros até à Boavista, com colocação de peças de artilharia em pontos chave. O projecto não foi concluído por falta de financiamento, mas o espaço ribeirinho sofreu algum reordenamento, com demolição de barracões, tavernas, casas de habitação e das estâncias das madeiras e lenha de apoio à Ribeira do Peixe.

Sucederam-se decretos reais111 procurando soluções duradouras noutras áreas de gestão da cidade,112 como já vimos com o impedimento de despejos das imundícies nas praias e na corrente do rio, de modo a evitar “o que custa tanta despesa na limpeza das trincheiras e fortes da marinha que

eram então inúteis na defesa manda não se lance mais nas praias.”

No aspecto militar mas também logístico, todos os Terços e tropas de praças raianas regressaram a Lisboa, significando um acréscimo populacional considerável, passando aos domingos de tarde, de Agosto a Novembro, a fazer exercício na Junqueira, escrevendo o memorialista já citado que “bem pizado foi o areal da senhora Junqueira e todas as ruas de Lisboa.”113 O guarnecimento de Lisboa de infantaria e cavalaria foi dividido por comandos, ficando a cargo do Marquês de Alegrete, o comando da Ribeira até à Boavista. Este cenário implicou para o Senado da Câmara o agravar de preocupações114 tendo que assegurar os mantimentos e água necessários nas guarnições das trincheiras.

No entanto, a esquadra inimiga não apareceu e as milícias regressaram ás fronteiras, retirando-se os franceses a 20 de Outubro de 1701115 e alterando-se a estratégia de D. Pedro II que passou a alinhar com a outra facção do conflito.