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6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.4. Pegada ecológica

6.4.1. Brasil

As Tabelas 33 e 34 apresentam os resultados obtidos para a aplicação da Pegada Ecológica ao estudo de caso do Brasil com dados de 2008. Como já descrito na parte da metodologia (item 5.3.5.), a análise dos resultados nesse caso se faz por meio da comparação da Biocapacidade e da Pegada Ecológica que representa o consumo.

Por meio da Tabela 33, percebe-se que a maior contribuição para a Biocapacidade do país é da floresta natural, em função da extensa área da floresta Amazônica com 358 milhões de hectares (MMA, 2007) ou 62,37% do total da cobertura vegetal preservada brasileira. A metodologia da Pegada Ecológica, no entanto, não demonstra a importância do bioma amazônico em termos de serviços ambientais prestados. Bergier (2010) destaca a contribuição da evapotranspiração da floresta para o fornecimento de umidade para correntes de ar que rumam na direção sul, podendo afetar os regimes de chuva no Pantanal. Além disso, Batjes e Dijkshoorn (1999) citam a importância da manutenção dos estoques de carbono e nitrogênio no solo amazônico, que podem ser liberados com a mudança no uso da terra. Saatchi et al. (2007) estimam que a floresta Amazônica tenha um estoque total de carbono de 86 petagramas ou 86 bilhões de toneladas, o que equivale a 11 anos de emissões globais de dióxido de carbono considerando os valores de 2005. No que diz respeito à biodiversidade, Nelson et al.

(1990) e de Oliveira e Mori (1999) destacam que a bacia amazônica possui uma das maiores diversidades de espécies do mundo.

Tabela 33. Biocapacidade do Brasil em 2008.

Tipo Área (ha) EQF A (ha ha-1) Biocapacidade (ha pessoa-1) Cultivo 6,10E+07 B 2,21 0,71 Pastagem 7,80E+07 B 0,49 0,20 Urbana 2,13E+06 C 2,21 0,02 Pesca 7,10E+07 D 0,36 0,13

Floresta natural 5,74E+08 E 1,34 4,06

Total 5,13

A

Kitzes et al. (2007) / B IBGE (2008) / C MAPA (2010) / D CIA (2008) / E MMA (2007).

Do ponto de vista do consumo, a Tabela 34 mostra que a categoria mais impactante na Pegada Ecológica do Brasil é a de energia. A pegada relativa à área de cultivo foi de 0,58 hectares por pessoa, enquanto a de pastagem foi de 0,19. De acordo com o IBGE (2008), a área real de pastagem é de 78 milhões de hectares contra 61 milhões de hecaters de cultivo, e pela Tabela 34, verifica-se que a área equivalente de consumo de pastagem é de 74,2 milhões de hectares contra 49,5 milhões de hectares de cultivo, porém os fatores de equivalência dão pesos diferentes aos tipos de área, o que resulta em uma pegada de cultivo aproximadamente cinco vezes maior que a de pastagem.

Na categoria de energia, a Pegada é calculada por meio das emissões de CO2

equivalente. Nesse trabalho, foram utilizados dois valores de referência: o primeiro deles de 0,53 Gt CO2 eq. foi retirado da Parte 2 do Inventário Brasileiro de Emissões Antrópicas por

Fontes e Remoções por Sumidouros de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal (MCTI, 2010); o segundo de 0,09 Gt CO2 eq. foi obtido do Millennium

Development Goal Indicators da ONU (UNSD, 2008), incluindo emissões da indústria de energia, transporte, combustão, serviços e moradia, mas não inclui emissões de mudanças no uso da terra, pois ainda não existe uma metodologia consensual.

Segundo o MCTI (2010), as emissões do setor de energia representaram 19 % das emissões totais de CO2 eq. As emissões devido a processos industriais representaram 4 % das

emissões totais, com a produção de ferro-gusa e aço, constituindo a maior parcela (58 %). O setor de mudança do uso da Terra e Florestas foi responsável pela maior parcela das emissões de CO2 eq., que incluem o manejo de áreas protegidas, a regeneração de áreas abandonadas e a

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mudança no estoque de carbono nos solos, com as emissões líquidas do setor participando com 77% das emissões líquidas totais de CO2 eq. A conversão de florestas para outros usos, em

particular o agrícola, consistiu na quase totalidade das emissões de CO2 do setor, sendo a

pequena parcela restante devido à adição de calcário agrícola aos solos.

Considerando o valor da UNSD (2008), tem-se um saldo ecológico positivo para a Pegada Ecológica (biocapacidade - pegada = saldo) de 0,52 ha por pessoa (5,13 - 4,61), porém se o valor fornecido pelo MCTI (2010) que inclui emissões de CO2 provenientes de mudanças

no uso da terra for considerado, o saldo ecológico é negativo de -16,59 ha por pessoa (5,13 - 21,82).

Tabela 34. Pegada Ecológica do Brasil em 2008.

Tipo Produção (kg ano-1) Importação (kg ano-1) Exportação (kg ano-1) Consumo A (kg ano-1) Produtividade B (ton ha-1) Área eq. C (ha) Eqf D (ha ha-1) Pegada (ha pessoa-1)

Cultivo 2,10E+11 8,73E+09 4,85E+10 1,71E+11 3,45E+03 4,95E+07 2,21 0,58

Pastagem 3,78E+13 5,26E+11 2,39E+12 3,59E+13 4,84E+05 7,42E+07 0,49 0,19

Urbana - - - 2,13E+06 2,21 0,02

Pesca 1,07E+09 2,10E+08 5,82E+07 1,22E+09 1,72E+01 7,10E+07 0,36 0,13

Floresta 5,77E+10 0,00E+00 0,00E+00 5,77E+10 1,00E+04 5,77E+06 1,34 0,04

Energia 0,53 Gt CO2 eqE - - - - 2.95E+09 1,34 20,85

Energia 0,09 Gt CO2 eqF - - - - 5.15E+08 1,34 3,64

Total 21,82 ou 4,61

A

Consumo = Produção + Importação - Exportação / B Produtividade = (Produção/Área do tipo) / C Área equivalente ao consumo = (Consumo/Produtividade) / D Kitzes et al. (2007) / E MCTI (2010) / F UNSD (2008).

Segundo Siche et al. (2010), uma análise mais adequada nesse caso pode ser feita dividindo-se a Biocapacidade pela Pegada Ecológica, ao que se nomeou "fator capacidade de suporte". Esse fator demonstra se um sistema pode ou não suportar sua própria população considerando seu estilo de vida atual. Valores menores que 1 significam que o sistema está em uma situação insustentável sobre o ponto de vista dessa metodologia, enquanto que valores superiores a 1 caracterizam um sistema sustentável. Considerando-se uma Biocapacidade de 5,13 ha por pessoa e uma Pegada Ecológica de 4,61 ha por pessoa para o Brasil, o fator capacidade de suporte é de 1,11. Esse valor indica que o país apresenta uma condição sustentável do ponto de vista ambiental com possibilidade de crescimento do consumo em ainda 10 %.

Para fins de comparação com resultados publicados na literatura, utilizou-se o Living Planet Report (LPR) publicado a cada dois anos pela World Wide Fund for Nature (WWF), que utiliza a Pegada Ecológica como referência metodológica desde 2002. Segundo o LPR de 2008 (WWF, 2008), o Brasil apresentou uma Pegada de 2,5 hectares globais por pessoa em 2005 sendo que 50 % era atribuida às áreas de pastagem. Ao mesmo tempo, a Biocapacidade era de 7,5 hectares globais. No LPR de 2010 (WWF, 2010), foi incluida no cálculo da Pegada do Brasil a categoria referente à energia (carbono), assim a demanda total por pessoa subiu para 3,0 hectares globais e a Biocapacidade foi superior a 8,0 hectares globais por pessoa em 2007. No último LPR 2012 (WWF, 2012), o Brasil apresentou uma Pegada de 2,5 hectares globais e uma Biocapacidade de 9,0 hectares globais para o ano de 2008. Neste trabalho, a Biocapacidade foi estimada em 5,13 hectares por pessoa e a Pegada em 4,61 hectares por pessoa para o ano de 2008. De acordo com os dados apresentados, os resultados encontrados com a metodologia da Pegada Ecológica neste trabalho foram mais pessimistas do que os apresetandos nos relatórios da WWF. A categoria de maior impacto na Pegada do Brasil segundo este trabalho foi a de energia com mais de 4 hectares por pessoa, enquanto no LPR 2012 (WWF, 2012), essa categoria atingiu menos de 1 hectare por pessoa. Como os cálculos e os fatores de conversão da Pegada Ecológica utilizados nos relatórios não são divulgados, não é possível saber onde há diferenças metodológicas entre o método aplicado neste trabalho e o do LPR.

6.4.2. Estado de São Paulo

As Tabelas 35 e 36 apresentam os resultados obtidos para a aplicação da Pegada Ecológica ao estudo de caso do estado de São Paulo com dados de 2008. Por meio da Tabela 35, percebe-se que a maior contribuição para a Biocapacidade do estado ao contrário do caso do Brasil não é mais da floresta natural, mais sim das áreas de cultivo. A contribuição da área de floresta natural preservada (0,08 ha por pessoa) é menor inclusive do que a de áreas de pastagens (0,10 ha por pessoa). Esses valores evidenciam a expansão das áreas de produção agrícola e pecuária, em detrimento das áreas de vegetação preservada da Mata Atlântica. Como exemplo, segundo a UNICA (2011), a safra de 2008/2009 de cana no estado de São Paulo apresentou uma área de colheita de 4,45 milhões de hectares, ou seja, 56 % da área total de cultivos do estado. Uma análise mais impactante mostra que essa área de produção de cana-

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de-açúcar é quase o dobro da área de floresta natural preservada do estado (2,43 milhões de hectares).

Tabela 35. Biocapacidade do estado de São Paulo em 2008.

Tipo Área A (ha) Eqf B (ha ha-1) Biocapacidade (ha pessoa-1) Cultivo 7.959.734 2,21 0,42 Pastagem 8.072.849 0,49 0,10 Urbana 369.690 2,21 0,02 Pesca 27.500 0,36 0,00 Floresta natural 2.432.912 1,34 0,08 Total 0,62 A

SAASP (2008) / B Kitzes et al. (2007).

Ao analisar a Tabela 36, percebe-se que a categoria mais impactante para a Pegada Ecológica do estado de São Paulo é a de energia, assim como no caso do Brasil. O item cana- de-açúcar foi apresentado de forma separada por ser uma produção de destaque no contexto do estado e pelo grande uso de área. Apesar disso, a área equivalente de consumo não é tão grande quanto a de cultivos, pois a produtividade da cana é bem maior, 74 toneladas por hectare segundo o MCTI (2010). Considerando o saldo ecológico (Biocapacidade - Pegada Ecológica), chega-se a um valor negativo de -7,12 hectares por pessoa. Segundo a metodologia, isso demonstra que o estado ultrapassou sua capacidade de suporte. Pode concluir que o restante do país funciona, de certa forma, como uma área de suporte para as atividades antrópicas desenvolvidas em São Paulo.

Diferentemente do Brasil, o fator capacidade de suporte para o estado de São Paulo foi estimado em 0,08, o que indica uma situação de déficit, ou seja, o consumo é muito maior do que a capacidade do estado de manter sua própria população.

Tabela 36. Pegada Ecológica do estado de São Paulo em 2008. Tipo Produção (ton ano-1) Importação (ton ano-1) Exportação (ton ano-1) Consumo A (ton ano-1) Produtividade B (ton ha-1) Área eq. C (ha) Eqf D (ha ha-1) Pegada (ha pessoa-1) Cultivo 43.000.000 41.100.000 19.100.000 65.000.000 54,1 12.000.000 2,21 0,64 Cana-de-açúcar 36.400.000 0 5.190.000 31.200.000 74,0 4.220.000 2,21 0,22 Pastagem 1.780.000 11.900.000 0 13.700.000 0,22 61.900.000 0,49 0,73 Urbana - - - 370.000 2,21 0,02 Pesca 55.100 411.000 0 4,66E+08 16,9 27.500 0,36 0,00 Floresta 12.300.000 0 0 12.300.000 10,0 1.230.000 1,34 0,04 Energia 0,03 Gt CO2 eqE - - - - 188.000.000 1,34 6,09 Total 7,74 A

Consumo = Produção + Importação - Exportação / B Produtividade = (Produção/Área do tipo) / C Área equivalente ao consumo = (Consumo/Produtividade) / D Kitzes et al. (2007) / E CETESB (2010).

6.4.3. Município de Campinas

As Tabelas 37 e 38 apresentam os resultados obtidos para a aplicação da Pegada Ecológica ao estudo de caso do município de Campinas com dados de 2008.

Por meio da Tabela 37, percebe-se que a maior contribuição para a Biocapacidade do município é da área urbana. Apesar de surpreendente, esse resultado está alinhado com o dado da SAASP (2008) de que a área urbana de Campinas representa cerca de 50 % da área total do município e do pressuposto conceitual da metodologia (WACKERNAGEL; REES, 1996), segundo o qual as cidades surgiram sobre as áreas mais férteis do mundo e, portanto, apresentam uma produtividade potencial similar a das áreas de cultivo (mesmo fator de equivalência).

Tabela 37. Biocapacidade do município de Campinas em 2008.

Tipo Área A (ha) Eqf B (ha ha-1) Biocapacidade (ha pessoa-1) Cultivo 6.496 2,21 0,01 Pastagem 24.428 0,49 0,01 Urbana 38.989 2,21 0,08 Pesca - 0,36 0,00 Floresta natural 2.732 1,34 0,00 Total 0,11 A

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Ao analisar Tabela 38, percebe-se que a categoria mais impactante para a Pegada Ecológica do município de Campinas é a de energia, assim como nos casos do Brasil e do estado de São Paulo.

Considerando o saldo ecológico (Biocapacidade - Pegada Ecológica), chega-se a um valor negativo de -2,91 hectares por pessoa. Do ponto de vista da metodologia, esse valor mostra que o município ultrapassou sua capacidade de suporte e depende de outras áreas do país para suporter os padrões de consumo e de absorção de emissões.

Tabela 38. Pegada ecológica do município de Campinas em 2008.

Tipo Produção (kg ano-1) Importação (ton ano-1) Exportação (ton ano-1) Consumo A (ton ano-1) Produtividade B (ton ha-1) Área eq. C (ha) Eqf D (ha ha-1) Pegada (ha pessoa-1) Cultivo 0 123.000 0 123.000 5,41 22.661 2,21 0,05 Pastagem 0 25.800 0 25.800 0,22 116.713 0,49 0,05 Urbana - - - 38.989 2,21 0,08 Pesca 0 87,8 0 8,78 16,9 52 0,36 0,00 Floresta - - - - 10,0 - 1,34 0,00 Energia 1,72E-03 Gt CO2 eqE - - - - 2.250.000 1,34 2,84 Total 3,02

A Consumo = Produção + Importação - Exportação / B Produtividade = (Produção/Área do tipo) / C Área equivalente ao

consumo = (Consumo/Produtividade) / D Kitzes et al. (2007) / E SEADE (2011).

Apesar do valor baixo obtido para a Biocapacidade, uma vez que o município apresenta mais de 50 % de área urbana e poucas áreas de vegetação preservada, o resultado para o consumo de 3,02 hectares por pessoa foi menor do que os valores encontrados para o Brasil e para o estado de São Paulo. Outro ponto que pode ter contribuido para esse resultado foi o fato do consumo do município ter sido obtido por meio do fator CPS, o que pode ter levado a uma subestimativa da Pegada Ecológica.

O fator capacidade de suporte do município de 0,04 é ainda menor do que o do estado de São Paulo, demonstrando uma clara incapacidade de manutenção da população local com recursos próprios, ressaltando a dependência de fontes externas já evindenciada pela Avaliação Emergética.