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A valorização do indivíduo associa-se facilmente à existência recorrente de uma “obra aberta” (Eco, A Obra Aberta, 1989), sem fim aparente, onde a execução da própria obra se confunde facilmente com a leitura que se faz dessa mesma obra. Nesta obra aberta, a forma define-se com a matu- ridade do espectador, pelo que se fosse demasiado definida, concluída ou restringida, qualquer manifestação a deixaria indiferente. Na Obra Aberta, não só o autor como o espectador e o contexto participam activamente na interpretação da obra. Também o observador passa a ser considerado como o próprio centro, desencadeando-se a acção também em torno dele (Miranda, 2002). Se a forma é concebida como algo em movimento, como o que está em vias de ser, então é entendida como uma doutrina da trans- formação (Molder, 1995) sujeita, constantemente a uma interpretação. Só há então uma opção possível para a compreensão e determinação formal da realidade material: atribuir um novo sentido de efemeridade às próprias formas (Molder, 1995, p. 272).

Segundo Donald Schon, o design está a assumir cada vez mais um lugar “para além dos estados estáveis” (Thackara, 2006, p. 106). A partir do mo- mento que se pretende que o designer projecte algo para o enriquecimento da experiência humana, algo centrado e baseado na experiência, torna-se

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necessário que este consiga discernir de algum modo o projecto da forma como a realidade é verdadeiramente percebida. É preciso que o designer consiga produzir para os outros mas também para si, também ele um uti- lizador final. O designer torna-se utilizador mas o inverso também parece ser uma nova realidade: o utilizador também se torna designer. Projectos do

it yourself, o hacking criativo de algum design já existente, ou algum tipo

de crowdsourcing, são apenas alguns exemplos que produzem soluções para problemas anteriores complexos ou demasiado caros de resolver das maneiras mais convencionais (Blauvelt, 2008, tradução livre).

Ainda que a função do autor passe por caracterizar os modos de existência e determinar o funcionamento de certos discursos dentro da sociedade, parece ser uma visão desactualizada na medida em que fecha, à partida, as possibilidades de interpretação dessa realidade. Entender a realidade não é propor uma forma genérica de representação, consistindo antes em abri-la a um número indeterminado de possíveis aplicações. Ainda que seja normal entender o autor como o criador genial de um trabalho no qual ele deposita um exaustivo mundo de significados, não significa que estes não possam ser subvertidos e alterados, percebidos e adaptados de uma forma individual constante. A função do autor enquanto responsável exclusivo pela produção de conteúdos vai desaparecer, de tal forma que a ficção e a pluralidade da realidade vão funcionar de uma outra forma absolutamente plural e constrangida (Barthes, The Death of the Author, 1967). Quem executa um projecto, perde então protagonismo para quem pode vir a experienciar esse mesmo projecto. A diferença parece incidir no facto do designer já não oferecer produtos fechados na sua funcionalidade operativa, propondo antes um dispositivo ou um sistema aberto a múltiplas interpretações e usos. O conceito de criador e consumidor são duas realidades que continuam a existir, sendo a responsabilidade da criação simplesmente partilhada pelos dois sujeitos. O importante é a possível experiência que resulta daquilo que o designer oferece e da forma como o consumidor a interpreta. Neste sentido,

(…) toda a gente deve poder participar no processo criativo. Os artistas já não produzem obras de arte para serem apreciadas ou julgadas; em vez disso, eles providenciam um sistema, um estímulo, que pode ser interpretado de diversas maneiras por cada pessoa que experiencia a obra, incluindo o autor (Mitchell, 1989, p. 213, tradução livre).

O mesmo se passa com os designers. Estes não devem ser entendidos como fornecedores de sistemas totalitários fechados e estruturados, nem como autores ou produtores de um qualquer sistema pós-estrutural. O designer deve agora ser entendido como um prosumidor (Toffler, 1980), sendo simul- taneamente entendido ao mesmo tempo como produtor, utilizador e editor de uma mesma realidade.

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As barreiras que separam o autor do utilizador, que diferenciam o criador do usufruidor, perdem a sua força criando um novo conceito ampliado de autoria e de co-autoria, havendo uma participação recíproca e dinâmica na criação da realidade. Neste sentido, o eu criador e o eu usufruidor acabam por se fundir, transformando-se a singular obra de arte em tantas obras quanto as suas actividades individuais o possam permitir. Assim se passa também no design onde se verifica hoje uma predominância do design open source, sujeito a alterações constantes, não terminando a disciplina projectual no próprio autor do projecto.

A partir do momento que “uma coisa é sempre permeável, acompanhada, coberta ou envolvida por outra”, e que “tantas coisas estão dependentes de tantas outras” (Johann W. V. Goethe citado em Hensel & Menges, 2008, p. 15, tradução livre), como é que é possível encontrar aquilo que governa e aquilo que serve, aquilo que lidera e aquilo que segue, aquilo que manda e aquilo que obedece? Como é que a forma, determinada e determinante, se relaciona com as suas características com o elemento envolvente (Johann W. V. citado em Hensel & Menges, 2008, tradução livre)?

Há uma força viral que se torna útil desenvolver: o conceito de acções apro- priadas. Estas possibilitam a criação de um espaço real, de um espaço a saber e conhecer, de um espaço de mudança que possibilita a libertação da vida nas sociedades actuais. Em última instância, cabe ao indivíduo a decisão de se tornar espectador ou, pelo contrário, um criador da sua própria vida. Esta ideia passaria pela construção de situações e pela sua transformação numa qualidade passional superior, os quais resultariam em momentos efémeros - - os únicos que ainda nos restam e que valem a pena serem trabalhados (Pinto J. M., 2005).

Reunimos trinta raios e chamamos-lhe roda. Mas é do espaço onde não há nada que a utilidade da roda depende. Giramos o barro para fazer um vaso; Mas é do espaço onde não há nada que a utilidade do vaso depende. Perfu- ramos portas e janelas para fazer uma casa; e são esses espaços onde não há nada que a utilidade da casa depende. Portanto, da mesma forma que nos aproveitamos daquilo que é, devemos reconhecer a utilidade do que não é (Ching, 1998).

Como já foi observado, estar no mundo é estar entre esferas, e por isso em espaços de relação, em climas ou atmosferas, cuja análise diz mais da vida humana que a consideração do individuo autónomo, ou das diversas posições que a ciência e a metafísica têm atribuído. Ainda que a metáfora das espumas recorde o carácter eminentemente frágil de cada unidade, a sua representação evoca a co-fragilidade e o co-isolamento das unidades empilhadas em compactas associações, fundamental para descrever o actual estado das coisas. O mundo, na sua realidade infinita, funciona hoje como um conjunto de “ (…) ‘sistema de sistemas’, em que cada sistema individual condiciona os outros e é condicionado por eles” (Calvino, 1990, p. 128).

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A forma das coisas, vista apenas como um congelamento de determinados comportamentos efémeros, cobre-se então com uma pele passível de ser analisada de duas formas: uma primeira derivada de quem produz e uma outra derivada de quem consome. A pele dos objectos forma-se então a partir do cruzamento do que o produtor cria e do que o consumidor explora, sendo antes uma realidade combinada e um fenómeno de transformação constante. A pele dos objectos faz a transição da realidade produzida com a forma como foi percebida. Derivado de uma experiencia e de algo pas- sageiro e vindouro, a forma é então uma compreensão de determinados requerimentos, com intrínsecas responsabilidades emotivas e funcionais (Bramston, 2009, tradução livre).

A DIMENSÃO