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Seqüência da pesquisa temática anterior, mas agora com um texto e uma história a ser contada. Nesse processo, a improvisação foi muito trabalhada como procedimento, porque a criação se deu, principalmente, pelo uso da partitura física.

A diretora dava aos atores apenas ações de um conto que ela conhceia, mas os atores não. A partir das ações, foi criada uma partitura de cada um. Com essa estrutura pronta, os atores entraram em contato com o texto, modificando algumas ações para que se encaixassem, criando novas se necessário e editando o texto conforme seu próprio critério. Ao final dessa primeira parte do processo, cada ator tinha trechos do texto e de suas ações estruturado. Em seguida, a diretora editou cada momento e realizou uma colagem com trechos de atores diferentes, formando uma grande partitura.

A partir daí as estruturas eram modificadas diariamente. Na encenação, foram acopladas cenas das outras duas “pesquisas”, criando então um segundo processo de improvisação e colagem. O espetáculo ficou em cartaz na cidade de São Paulo em maio de 2006, e depois fez turnê pelo interior da cidade. Abaixo, o roteiro que foi desenvolvido após as colagens.

Léo com o toda vez que eu e palavra – MH e Léo com cena do tapa (termina no beijo) – Aura cena das flores mortinhos – Aura pega o Léo e faz a varrida – Aura pega o Dú e eu sou varrida – Aura e Du cena do beijo – Sumô – Léo e MH terror no chão – Aura entra – Du.”

77 Figura 29 65

 2007 – ANÔNIMOS

Processo de criação do espetáculo baseado no texto de um dos atores, Leonardo Moreira. Se apropriando da temática detetivesca de filmes noir dos anos 50, a pesquisa de linguagem girava em torno desse universo. Nesse caso, a interpretação voltava um pouco à concepção de personagem, mas sempre com a característica performática e não representativa. A improvisação foi amplamente explorada no processo, já que o texto estava sendo construído junto com a construção das cenas. O espetáculo ficou em cartaz na cidade de São Paulo em maio e junho de 2007, realizando também turnê pelo interior da cidade.

65 Trecho extraído dos cadernos de ensaio desse processo. Refere-se à estrutura final do

espetáculo, concluída a partir de cenas previamente trabalhadas. “Josef – Reflexão – depoimentos- mulher – carimbador – gerente – Leni – julgamento – crime.”

78 Figura 30 66

 2007 – (A)TENTADOS

Processo de criação do texto dramático de Martin Crimp, dramaturgo contemporâneo inglês. A peculiaridade de sua escrita e estrutura totalmente fragmentada do texto proporcionou para a Companhia seu processo de criação mais rico. A abertura do texto deu vazão a interpretações mais livres e performáticas, bem como uma encenação sem amarras de linearidade. O público construía junto, não ativamente, mas era preciso estabelecer e captar as ligações e sentidos das diferentes cenas. A improvisação aqui teve seu turning point no trabalho do grupo, já que passou a fazer parte do espetáculo pronto.

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Com a inclusão do método dos viewpoints no processo, foi possível experimentar suas variações e testar os limites da improvisação. Falaremos com detalhes sobre em seguida.

Figura 31 67

 2008 - A TEMPESTADE

Espetáculo baseado no texto de William Shakespeare. O contexto do texto foi totalmente alterado para os dias de hoje, invadido pela tecnologia. Os quatro atores faziam todos os 14 personagens da peça, portanto, cada um era bem marcado fisicamente. O processo se destinou à construção de figuras delineadas e corpos desenhados no espaço. A improvisação aqui, como em todos os processos do grupo, teve seu papel procedimental, auxiliando a criação e variação das partituras físicas e jogos cênicos. Abaixo, uma maneira bem pessoal de registrar a partitura criada.

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80 Figura 32 68

68 Imagem referente à anotação de uma partitura desenvolvida no processo de criação do

espetáculo: “1- dedinhos; 2 – aparecida; 3 – mãos paisana; 4 – perseguindo seios no ar; 5 – corpos e costelas; 6 - entregando frutas; 7- Maria; 8 – grávida; 9 – chão; 10- costas; 11 – mãos dadas; 12 – deus, perna levantada.”

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Portanto, partindo desses processos desenvolvidos no período de 2005 a 2008, destacamos a montagem de (a)tentados, em 2007, cujo processo e resultado mais se encaixam com os propósitos dessa pesquisa. Além disso, foi o trabalho em que mais se desenvolveu a performatividade e a criação dos atores passou por uma transformação devido ao surgimento da técnica dos viewpoints em alguns ensaios. A fim de contextualizar a escolha do texto - que originalmente se chama “Attempts on her life” - e seu conteúdo, segue uma breve descrição do autor.

Figura 33 69

82 Martin Crimp, um expoente dramaturgo britânico surgido na década de

80, tem seu trabalho caracterizado por uma escrita fragmentada que aborda com crueldade e humor devastadores a violência de nossa sociedade, sua decadência social, compromisso moral e violência reprimida.

Um escritor cujo trabalho é notável pela corrosão direta e chocante de suas palavras, fruto de uma total falta de piedade com suas personagens, nunca envolvidas em amores ou alegrias. A busca de uma responsabilidade do indivíduo frente à violência está a serviço de uma reflexão em torno da palavra como motor de ação. Mais do que narrativas de nosso tempo, suas peças são um exercício da linguagem teatral e toda sua potência.

No ano de 1980, Martin Crimp começa a trabalhar no Orange Tree Theatre, onde foi encenada sua primeira peça, “Living Remains”. Com “No One

Sees the Vídeo”, de 1990, ele se torna uma figura central na nova dramaturgia

britânica e uma importante influência para dramaturgos contemporâneos, como Sarah Kane.

As peças seguintes se encaixam na tradição anti-naturalista européia, todas encenadas pelo Orange Tree Theatre. Peças como “Four Attempted

Acts” e “Definetly the Bahamas” são prenúncios de uma dramaturgia explosiva.

Freqüentemente encenado na Europa, ele também se dedica à tradução de autores como Ionesco, Koltès, Genet, Marivaux e Molière. Muitas de suas peças são apresentadas no Royal Court Theatre, em Londres, no qual foi escritor residente em 1997. Neste mesmo ano, escreve a sua mais premiada, e talvez mais inovadora peça: “Attempts on Her Life”, primeiramente encenada em Londres e logo traduzida para mais de vinte idiomas.

Devido à expoente dramaturgia de Crimp, que conheceríamos com mais profundidade mais tarde, “Attempts on her life” foi escolhido para fazer parte do repertório da Cia. O texto em si trazia características próprias e de muita originalidade, e instigava a Cia. na busca de um teatro mais performativo.

Além disso, o momento de criação da Companhia pedia uma nova dramaturgia, um frescor em relação a forma dos textos. Também com relação à temática abordada pelo texto, nossos interesses eram conflitantes. Orientados

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pela diretora, partimos antes de temas que nos eram apresentados e desenvolvidos ainda sem um texto escrito, ou seja, na pesquisa de imagens cênicas. Tais temas como crimes contra a humanidade, violência, perda da identidade, nos incitaram na busca de figuras ficcionais e imagéticas. O texto, portanto, nos caiu como uma luva nessa busca.

A primeira página do texto indica uma inclinação do autor as novas tecnologias, já que ele intitula as cenas de “Dezessete roteiros para ensaio”. Certamente, o uso da palavra “roteiro” não foi acidental, já que o dramaturgo parte de uma escrita cinematográfica, onde se compõe imagens em movimento e não estáticas com num quadro.

A imagem abaixo mostra claramente os títulos dados pelo autor a cada cena:

84 Figura 34 70

70 Texto traduzido por Luiza Jatobá, especialmente para a montagem da Cia. Notações a

caneta se referem a ações e cenas relacionadas: “1 – Todas as mensagens apagadas; 2 – Tragédia de amor e ideologia – partitura da bolsa na mesa TODOS; 3 – Fé em nós mesmos – documentos de envelopes TODOS; 4- O ocupante – TODOS; 5 – A Câmera te ama – TODOS/MA e AURA – Noiva da Aura; 6- Mamãe e Papai – TODOS (radiografia, fotos, Fitas); 7 – A nova Any – TODOS – comercial, os atores saem, quando o Du sai do carro a gente entra; 8 – Partículas físicas – MA/AURA – Partitura da cadeira (antigas); Intervalo – toma chá e mijo e mulher cantando; 9 – A ameaça do terrorismo internacional – Du e Ma durante a cena dos sapatos; 10 – Engraçada – Leo – chuva, tomando remédios/Du estética; 11 – Sem título (cem palavras) – TODOS – fala dele, depois dos vídeos, partitura da Pina; 12 – Estranhamente – Aura, Du, Leo – teatro, cena do tomate – Ma partitura do viewpoints; 13 – Comunicando com alienígenas – Ma, Aura – partitura da cadeira com liquidificador; 14 – A garota da porta ao lado; 15 – A declaração – Ma e Leo; 16 – Pornô; 17 –Congelado antecipadamente.”

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Outra característica marcante da escrita de Crimp é a primeira notação escrita no texto:

“Um travessão (-) no começo da linha indica uma mudança de personagem. Se não tem travessão depois de indicações de Pausa, isto significa que o mesmo personagem ainda está falando. Uma barra (/) marca o ponto de interrupção num diálogo sobreposto.”

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Ou seja, podemos notar que nas cenas escritas não há nem quantidade de personagens determinada. Há o diálogo e a indicação de que o interlocutor mudou. Além disso, as barras (/) espalhadas nas frases indicam sobreposição de falas, deixando para o autor a escolha do ritmo do texto, trazendo assim certa participação mais ativa do dramaturgo. Ao mesmo tempo, o ator tem a liberdade de decidir quantos personagens falam naquela cena, e em que encadeamento isso se dá.

Portanto, ao olhar para um diálogo da cena “6 – Papai e Mamãe” 72, por

exemplo, nos deparávamos com esse tipo de escrita:

- Não foi sua primeira tentativa.

- Não seria sua primeira tentativa. Ela tentou de várias maneiras. Mesmo antes

de ir embora de casa / ela tenta, não é?

- Ela tenta em vários momentos durante a vida.

- A gente vê das outras vezes.

- A gente acompanha das outras vezes. A gente acompanha momentos

angustiantes. Silêncio.

71 Trecho do texto original traduzido por mim.

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- Vemos fotos, não é?

- Vemos um monte de fotos.

- A gente vê bem de perto, tão perto que elas viram só pontinhos. É engraçado

não é? Como num determinado ponto tudo se torna somente pontinhos – mesmo seu sorriso.

- É um sorriso feliz. É um sorriso bem franco.

- É um sorriso genuinamente feliz. / sorriso bom.

- Porque ninguém está forçando ela, ninguém está forçando ela a sorrir, estão?

- Ninguém está forçando ela a fazer nada. A idéia de Ana, nossa Aninha sendo

forçada a fazer seja lá o que for é francamente ridícula.

- De jeito nenhum.

Outrossim, a personagem Ana, Ann, Anne, Aninha, Any, é citada em todas as cenas, mas ela nunca está presente. Fala-se sobre ela, em todos os sentidos e de todas as formas, até transformando-a num carro em certo momento, mas ela não aparece.

Como então, se comporta um ator que deve criar diante de uma realidade dramatúrgica e cênica que ele não está acostumado? Nesse ponto, se percebe que não há como manter antigos padrões de criação, é como se o contexto pedisse por uma mudança, uma transformação, uma investigação mais profunda acerca desse ator performativo e contemporâneo.

Pela sua riqueza, o texto ampliou, tanto estética como tematicamente os desejos, as pulsões, a imaginação de uma atriz, a que vos fala, diante de uma montagem teatral. A partir daí, surgiram indagações e reflexões que estão dissecadas nesse trabalho.

87 2.2.1. O processo

Partimos então de um contexto apontado no texto para a construção das cenas. Mesmo sem saber, algo já havia mudado a maneira de criar diante daquela outra realidade dramatúrgica, e isso refletia amplamente nos primeiros momentos de leitura e discussão do texto. Como era de praxe nos processos do grupo, fomos logo para a cena. Num primeiro momento, os diálogos foram divididos de acordo com diversos princípios, dependendo da cena em que estavam inseridos. Ora a divisão se dava por uma imagem que já havia aparecido na leitura; ora porque imaginávamos que aquela cena aconteceria segundo tal ritmo ou tempo; ora porque um ator tinha uma idéia diante daquele diálogo. O importante era dar forma àquela dramaturgia caleidoscópica.

Ao que se segue do processo de ensaios, muitas coisas poderiam ser citadas e analisadas. Mas, nos deteremos ao que nele se conecta com esse trabalho, e com suas possíveis ligações, ainda que feitas a posteriori. Portanto, o que prossegue em nossa análise diz respeito ao comportamento do ator diante dessa dramaturgia e as possíveis analogias práticas entre o pensamento desenvolvido a partir da prática e a própria prática.

Um dos pontos de destaque no processo foi a autonomia dos atores para criar. A Companhia estava num momento de bastante conexão entre os componentes e isso culminava num fértil campo criativo. Assim, a primeira proposta foi no sentido de criar cenas que viessem na cabeça, ou seja, qualquer um dos dezessete roteiros poderia servir de estímulo para a criação, bem como qualquer idéia advinda do texto, ou da personagem Ana, ou de discussões em cima dos temas que poderiam estar contidos na dramaturgia; enfim, “o que viesse”.

Nesse ponto, podemos perceber claramente como pode funcionar um processo teatral nos moldes do teatro performativo. O ator tem um estímulo, vai executar sua criação da maneira que lhe for mais conveniente, apresentando idéias temáticas e estéticas e realizando essas idéias de uma forma “performática”. Ao utilizar o termo “performática”, queremos dizer que a cena tem um caráter eventual, já que é apresentada em processo para os colegas de cena, e pode ou não ser incluída no espetáculo. Aliás, a cena pode acabar

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sendo um estímulo para a encenação ou mesmo para outros atores que queiram realizar algo no mesmo sentido.

Passado esse momento de fertilização de idéias, inicia-se o momento de escolhas. Não só escolhas de cenas que estarão ou não no espetáculo, mas escolhas que se baseiam em conceitos que a montagem abordará, bem como a leitura que se quer atingir – mesmo sendo múltiplas as leituras, é necessário pensar na abordagem de cada uma delas.

Quando se tem então, depois de um tempo de experimentação, um primeiro roteiro do espetáculo, com algumas cenas encadeadas, o processo que poderíamos chamar de manutenção da criação começa a acontecer – e é aqui que fazemos o vínculo com esse trabalho de pesquisa.

Figura 3573

Ao se deparar com a constatação de que o construído, ou seja, a cena “pronta” não pode dar segurança para o ator, porque através dessa segurança ele perde a vivacidade, foi preciso ir a fundo à prática de um estado de improvisação que trouxesse ao mesmo tempo algo de seguro – já que se tem uma relação com uma temática, uma estética e um texto para ser dito que quer dizer uma porção de coisas – e algo de imprevisível, que surpreenda e nos lembre que estamos vivos em cena, e que tudo pode acontecer a qualquer momento.

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“O construído não pode ser uma segurança”. Trecho extraído de cadernos de ensaio pessoais do processo de ensaios da peça.

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Como já dissemos, a criação é um processo imaginativo, pessoal, e de difícil teorização, já que parte de uma pulsão que não sabemos muito de onde vem e como controlar. A “cria” se estabelece a partir do momento que essa pulsão é transformada em forma, imagem, máscara. Lidamos aqui, então, com essa passagem, e mais ainda, com a ação criativa comandada pelo ator nesse momento da sua concepção cênica.

Bem, unindo o texto de “(a)tentados” com o momento criativo vivido pela Companhia, estabelecemos que o espetáculo teria um pouco mais de “liberdade” diante das marcações de cena e intenções do texto. Essa liberdade tinha o objetivo de criar um estado de tensão para os atores que deixasse a cena mais viva, mais real, mais instantânea. Como o texto permite e até impele os atores a fazer isso, especialmente pelo tom casual e de vocabulário muitas vezes prosaico, esse se tornou o grande exercício de atuação da peça: falar bem o texto, ser verdadeiro e brincar com seu ritmo.

Figura 36 74

Durante os ensaios, que duraram menos do que gostaríamos, essa improvisação latente trouxe grandes momentos e enfraqueceu outros tantos. Daí, os primeiros questionamentos acerca dessa brincadeira, do jogo lúdico, surgiram de maneira inesperada. Como brincar sem arriscar a integridade das cenas, sem ultrapassar o limite sutil entre lúdico e cênico? E como manter um padrão mínimo de qualidade e de entendimento no meio de certo caos trazido pela improvisação? Analogamente, como tocar um jazz sem fugir da base e deixar virar qualquer coisa, menos música?

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“é como um jazz, cada hora um improvisa.” Trecho extraído de cadernos de ensaio pessoais do processo de ensaios da peça.

90 2.2.2. O espetáculo

Com todas essas questões na cabeça, aliadas à paixão pelo texto que baseou a montagem, fomos para a cena, para o enfrentamento do público. A primeira temporada teve duração de dois meses, com sessões de quinta a domingo. Passados três meses, a peça rodou o interior de São Paulo por mais três meses, sempre aos finais de semana.

Foi realmente durante a temporada que exercitamos a improvisação ao extremo com todos os seus prós e contras. Além da pura experimentação, o ator passa por um trabalho exaustivo de analisar a cada apresentação o que se mantém como na marcação original e o que se rende a uma descoberta feita em determinado momento de improvisação.

Por isso é extremamente importante o desenvolvimento daquele olhar 360 graus, da faceta receptor que falamos anteriormente. Para ter autonomia é preciso trabalhar em dobro, já que faço e imediatamente penso no que estou fazendo segundo outra parte de mim mesmo: isso “cabe” nessa cena esteticamente? Confronta as idéias temáticas do grupo? Segue o raciocínio de leitura que queremos abordar? Caminha junto com o todo do espetáculo? Tem entendimento para o público? Cria jogo só entre os atores? Traz à tona o tal “aqui e agora” do teatro, que mantém o público ali, mesmo diante de tantas outras formas de ficção mais bem desenvolvidas - cinema, por exemplo? Mantém verdadeira a grande mentira do estar em cena?

Pode-se perceber, no entanto, que diante de tantas questões estamos exatamente exercitando esse olhar que chamamos de 360 graus ou de

receptor, nos impelindo ao risco e ao acontecimento. Assim, com o passar do

tempo e sempre conectada a esse outro olhar, vamos descobrindo meios de realizar essa complexa criação com mais precisão e clareza. Dentre eles, há a sutileza.

91 Figura 37 75

Como garante a observação acima, ao improvisar em cima da interioridade, surgem relações mais profundas e conscientes com o trabalho e com a postura de um ator diante desse trabalho. É quase impossível dizer, na prática, para “improvisar na interioridade”, mas o que avaliza a afirmação é exatamente a percepção de mudança interna e não externa. O olhar muda de dentro pra fora, o posicionamento do ator se transforma como conseqüência de outro patamar de percepção.

Não estamos tratando de juízo de valor quando dizemos que há outra visão de criação desenvolvida pelo ator diante de uma realidade diferenciada. É apenas uma constatação real de uma experiência que influenciou totalmente toda criação posterior e toda relação com a arte do ator.

Ao mesmo tempo, o conhecimento da teoria dos viewpoints destacou um enorme campo de trabalho para o grupo, e especialmente no meu caso, virou uma espécie de jogo lúdico, porém concreto e embasado. A cada apresentação, eu escolhia um “ponto de vista” para improvisar, e fazia isso individualmente, pesquisando todo o tempo como era mais interessante para mim, para o jogo com os outros atores e para a platéia que estava presenciando o espetáculo. As conseqüências eram boas e ruins, mas o limite estava bem mais claro. Muitas vezes, nem os colegas percebiam o que estava acontecendo, notavam apenas mudanças sutis, que eram julgadas subjetivamente.

75 “improvisar em cima dos gestos e na interioridade, transformar e improvisar em cima do

mesmo gesto.” Trecho extraído de cadernos de ensaio pessoais do processo de ensaios da peça.

92 Figura 38 76

Através dessa tensão e concentração, era possível ao menos atingir o momento presente, estar ali fazendo aquela peça por inteiro, durante a uma hora e meia em que ela acontecia. E pensar nela enquanto objeto móvel de expressão, e não uma obra acabada que se repete até se esgotar. A repetição se tornou um prazer, e cada nova descoberta trazia a sensação de estar vivo,

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