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Pensamento e linguagens

No documento O educador e a leitura de imagens (páginas 35-38)

Ao referir-me à reflexão como possibilidade de elaboração da consciência crítica, não posso deixar de lado as questões relativas à elaboração do pensamento que se estrutura a partir do domínio progressivo das linguagens, verbal e visual.

Para tanto, é imprescindível posicionar-me em relação a obras de Vygotsky (2000) e de Piaget (1969), que trouxeram valiosas contribuições para entendermos como se processa o desenvolvimento que acontece a partir da infância e que para Vygotsky (2000) continua na vida adulta e das inter-relações entre o pensamento e essas diferentes linguagens.

Vygotsky (2000) não faz uma distinção entre pensamento e linguagem, pois julga serem ambos uma coisa só. Enfatiza a importância do significado das palavras como parte inalienável delas e sua compreensão como única maneira de dominar a linguagem e o pensamento. A comunicação, segundo o mesmo autor, precisa dos signos e significados. As dificuldades de aprendizagem das palavras geralmente estão relacionadas à apreensão de seu significado.

Portanto, a comunicação é um processo que exige não só o domínio das palavras, pois ao buscarmos seu significado, recorremos às representações mentais que são associadas a elas. Essas representações são criadas pelos homens, esses seres de linguagem, que fazem construções em seus repertórios lingüísticos a fim de poder comunicar-se com outros homens, pretendendo obter melhor conhecimento do outro e facilitar as relações que com ele estabelecem. Embora Piaget (1969) já tenha falado também sobre representação, quando se referiu aos processos de construção do pensamento, foi Vygotsky (1986) quem insistiu em tratá-la como construção social, ou seja, a representação depende da minha interação com o outro como já descrevi anteriormente.

O termo representação vem da palavra latina representare que significa "tornar presente”, e seu uso é quase inteiramente reservado para objetos inanimados (LAGARDE, 1937). Pode também significar tornar os objetos literalmente presentes, trazê-los à presença de alguém.

Entendo que as palavras estão associadas às imagens mentais dos objetos que elas representam e que fazem parte do repertório mnemônico de cada indivíduo. Nesse repertório, encontram-se imagens que estiveram presentes em nossa história e que de alguma forma ganharam muita importância no momento em que tivemos contato com elas por estarem associadas à solução de nossos problemas, aos nossos desejos e aos valores que considerávamos válidos naquele momento. A palavra tem, assim, poder de evocar essas imagens que permaneceram até então guardadas em nosso ideário imagético. É assim que, para cada indivíduo, a palavra tem um significado diferente.

O que quero dizer com o significado que as palavras possuem? Como sua interpretação pode variar de um indivíduo para outro? Como a história de vida de cada um, os grupos a que os indivíduos pertencem, os recursos de que dispõem devem influenciar na construção dessas relações?

Existem convenções com as quais estabelecemos os atributos gerais que cada objeto deve possuir para poder ser considerado dentro da categoria que o denomina. Sua função, as possibilidades de sua utilização, suas características físicas, suas relações com outros objetos e com o ser humano, determinam sua categorização. Essa padronização é que permite a comunicação entre os homens. Todavia, um mesmo objeto, ao ser enquadrado dentro de determinada categoria, pode apresentar características diferentes, pois o contato que cada indivíduo teve com os objetos pertencentes a essa categoria e que possuem detalhes que lhes foram incorporados faz parte de sua experiência que é única. Cada ser trilha por caminhos diferentes, tem experiências vivenciais diferentes e o registro que efetua dessas experiências também é diferente. Por exemplo, quando alguém diz a palavra cadeira, supõe-se que todos que dominam a língua portuguesa saibam do que se está falando. Mas para cada indivíduo, a imagem mental do objeto que surge quando alguém pronuncia essa palavra tem características diferentes, ou seja, para alguns a imagem evocada pode ser de uma cadeira arredondada e estofada e, para outro, de uma cadeira quadrada e toda de madeira.

Para entendermos como essa construção se processa, precisamos considerar a leitura da palavra e da imagem, tendo-se em vista os aspectos fisiológicos, psicológicos e sociais de quem as lê, porque esses aspectos, quando não influenciam, determinam essas leituras.

As condições em que se encontravam seus órgãos do sentido, as vias neurais responsáveis pela transmissão das mensagens captadas por esses órgãos, o estado anatômico e a capacidade de funcionamento cerebral são os aspectos fisiológicos importantes que estão presentes durante o processo de leitura. Devemos considerar sempre esses aspectos, se quisermos entender como se processa a leitura em determinado indivíduo.

Quando estabelecemos relações com o mundo, significando-o, usamos tanto a parte mais racional de nosso cérebro, que é o hemisfério esquerdo, como também o lado afetivo mais voltado para as emoções, o hemisfério direito, pois o que fica presente em nossa memória e o que evocamos sempre que solicitadas são as experiências que nos impressionaram e nos deixaram marcas por possuírem grande carga emocional. Esses aspectos afetivos são os que muitas vezes nos deslumbram, e que fazem parte da dimensão psicológica do leitor.

Outro fator importante da leitura é o seu aspecto social, uma vez que é por via da leitura do mundo e da palavra que conseguimos nos constituir sujeitos participantes de nossa história. Sujeitos que constroem a história e que a alteram quando julgam necessário. É quando me associo ao outro, segundo Freud (1996), que suponho ter melhores condições de defender-me das intempéries da natureza, de produzir mais e de alcançar uma felicidade relativa. Digo felicidade relativa, pois segundo o autor, para viver em sociedade, necessitamos da repressão dos instintos mais primitivos, o que pode causar-nos certa infelicidade, podendo, inclusive, provocar distúrbios mentais. A arte, a ciência e a religião são, para Freud (1996), as formas aceitas socialmente de realização desses instintos.

Portanto, na sociedade, existem regras e convenções estabelecidas pelos grupos, as quais nos remetem a categorias mais gerais que possibilitam a comunicação e a convivência entre os elementos desses grupos. Podemos então dizer que existem dois tipos de representação mental, uma mais geral que comporta a inclusão de determinados objetos dentro de uma categoria construída por meio do contato social e outra mais específica que seria a representação individual do objeto evocado. Existe um movimento de vai-e-vem entre o individual e o coletivo, entre o subjetivo e o objetivo, e entre o cognitivo e o afetivo, e ao se entrelaçarem, constituem o processo de desenvolvimento da consciência humana.

Para que o processo de desenvolvimento da consciência humana evolua de maneira saudável, deve embasar-se invariavelmente no contato com um mundo repleto de significados. Todavia, quando não existe esse contato, a patologia da alienação mental se instala e a interação entre o sujeito que aprende e o mundo do conhecimento deixa de existir (VYGOTSKY, 1986).

No documento O educador e a leitura de imagens (páginas 35-38)

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