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Hannah Arendt percebeu que o século XX fomentou o “colapso do mundo”, ou seja, produziu uma série de eventos que, em seu conjunto, fizeram com que o mundo perdesse sua capacidade de ser a “morada imortal de seres mortais”: um espaço que existe antes que qual- quer homem venha a adentrar o palco da vida e que continuará a existir após sua morte. Consequentemente, a partir desse colapso, houve uma quebra da capacidade dos homens de se sentirem pertencentes a este mundo, criado por mãos humanas, bem como deste mesmo mundo ser compreendido como espaço que congrega, separa e distingue os homens. Tais transformações tiveram seu nascedouro nas mudanças que a Modernidade sofreu a partir da revolução científica e suas consequências: transformações tecnológicas e industriais. Nesse sentido, segundo Rodrigo Ribeiro Alves Neto:

A partir do fim do século XIX e durante todo o século XX, o mundo moder- no sofreu profundas transformações nas condições gerais para a instauração e a preservação do mundo. A mundialização da economia, a crescente massi- ficação do consumo, a exportação maciça de capitais, a internacionalização do trabalho pela circulação sem fronteiras de imigrantes provenientes de to- da parte do mundo, o desgarramento e desterritorialização das massas supér- fluas não integradas ao sistema capitalista de produção e consumo globaliza- dos, assim como, a coletivização dos homens em sindicatos e movimentos populares. (ALVES NETO, 2007, p. 55)

As transformações sofridas pelo mundo moderno fazem com que questões acerca do “que” e “como” os homens estavam fazendo o que faziam na Modernidade fossem elaboradas por Arendt, com o intuito de conduzirem suas reflexões em torno da política. Estes “que” e “como” ocorridos na Modernidade, em nosso entendimento, não se estagnaram neste momen- to histórico, mas se propagaram na contemporaneidade. A ameaça de ruína que o homem cau- sou ao mundo, sobretudo na Era Moderna, foi fomentada a partir de um ambiente de valorização da vida em sentido estritamente biológico, caracterizado pela exacerbação da condição humana do trabalho como um processo metabólico do homem com o seu corpo e com a natureza.

Com a vitória do animal laborans e sua incapacidade de cuidar do mundo,96 uma vez que o sua primordial preocupação é com a manutenção da sua vida biológica, o homem viu-se diante da nulidade de agir em conformidade com qualquer tipo de atividade que tivesse como meta preservar o mundo ou pensar acerca de tal preservação. Essa ausência de preocupação em cuidar do mundo está na razão de que “preservação” se constitui em algo sem significado

para o animal laborans, pelo fato de que sua atividade necessita da não preservação, ou seja, do consumo de tudo que entra em contato com sua atividade.

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Sobre isso, diz Adriano Correia na introdução à sua tradução do texto de Hannah Arendt labor, work, action, de 1964: “O animal laborans, pela sua atividade, não sabe como construir um mundo nem cuidar bem do mundo criado pelo homo faber. Os produtos do trabalho, do metabolismo do homem com a natureza, não demoram no mundo o tempo suficiente para se tornarem parte dele; do mesmo modo, a atividade do trabalho, atenta somente ao ritmo das necessidades biológicas, é indiferente ao mundo ou sem mundo, compreendido como artifício humano [...] A vitória do animal laborans, do trabalho, é o triunfo do consumo sobre o uso, do metabolismo sobre o mundo, da vida sobre a imortalidade [...] A vitória do animal laborans traduz o apequenamento da estatura e dos horizontes do homem moderno, para quem a felicidade se mostra como saciedade e não como grandeza”. (CORREIA, 2007, p. 337 e 338)

Diante dessa perspectiva, percebemos que na Modernidade o homem, mais do que nunca, voltou uma de suas faces para a saciedade de seus desejos, cuja única forma de amenizá-los é criar uma cultura do consumo desenfreado. Essa cultura, entre outros elemen- tos, fomenta uma sociedade consumista, a qual pode ser definida, segundo Arendt, como um tipo de vida organizada que automaticamente se estabelece entre os homens, a qual, apesar de manter algum tipo de contato mútuo, perdeu o interesse em assuntos de cunho comum. Sua única preocupação é trabalhar (laborar) e consumir, ficando longe das preocupações de ordem pública. A outra face revelada pela cultura moderna, e associada à primeira, é a crença inquestionável na razão instrumental, fomentadora de sistemas técnico-burocráticos que têm como finalidade permitir que as forças necessárias de um processo natural ou histórico sigam seu rumo sem nenhum tipo de impedimento.

A partir dessa conjectura, procuramos compreender, seguindo os passos de Hannah Arendt, como as três atividades da vita activa que determina a condição humana: trabalho (labor) – metabolismo do homem com a natureza, no intuito de garantir sua existência –,

fabricação (work) – construção de uma mundanidade artificial e durável – e ação (action) –

ação conjunta, realizada por palavras e ações, que ratifica a certeza de que a pluralidade é a lei da Terra –, puderam, na Era Moderna, inverter-se e, assim, elevar a atividade humana do

trabalho, a qual é destinada a garantir a manutenção da vida biológica da espécie humana.

Essa hierarquização do trabalho sobre as outras atividades da vida activa levou à vitória do

animal laborans – o agente dessa forma de atividade humana – e concomitantemente ao

triunfo do consumo sobre a durabilidade do mundo, das necessidades da vida sobre a ação em conjunto e da não intencional atividade cíclica sobre o intencional parar-para-pensar.

O giro de cento e oitenta graus que alterou a hierarquia da vida activa fez com que Arendt procurasse empreender uma análise que tivesse como pauta realizar um delineamento entre as esferas privadas e públicas, tendo como referencial analítico a Grécia Antiga. Para

nossa autora, à luz do antigo mundo helênico, a primeira esfera constitui-se como o locus no qual os homens têm suas relações íntimas, sentem dor, amor e todo o tipo e variedade de sentimentos restritos ao âmbito do indivíduo com seus pares familiares. É também nesse espaço que os homens procuram satisfazer suas necessidades e garantir sua sobrevivência. No que diz respeito à esfera da vida activa – a pública –, esta se configura como o locus no qual os homens lançam-se ao mundo com o escopo de fomentar histórias ao agirem em concerto com os demais.

A partir das indicações contidas na obra A condição humana, procuraremos acompanhar os passos dados por Arendt, na análise do caráter ativo da condição humana, ou seja, pensar a vida dos homens tendo como fio condutor o condicionamento relacionado a cada atividade. Deste ponto, desdobraremos nossas análises e procuraremos, nesse passo de nossa pesquisa, refletir acerca da vitória do animal laborans, bem como analisar o porquê de sua preocupação com a manutenção de sua vida tê-lo expelido da esfera pública para dentro de seu próprio eu.

Segundo Hannah Arendt, são três os eventos primordiais que fundamentam o mundo moderno: a descoberta da América e a concomitante expansão marítima, a expropriação de terras eclesiásticas e a invenção do telescópio. A partir de tais eventos, desdobraram-se consequências na vida dos homens, tais como a alienação do homem em relação ao mundo e a concomitante mudança de perspectiva em relação à realidade.

No prólogo de sua obra intitulada A condição humana, Arendt chama a atenção para um evento que se caracterizou como o primeiro de uma série que assinalou o nascimento da Era Moderna.97 Segundo nossa autora, quando o homem, no ano de 1957, lançou ao espaço o

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ARENDT, 2010, p. 309ss. Em Arendt há uma distinção entre o começo da Era Moderna e o começo do mundo moderno. Sobre isso, diz Weyembergh: “Si l’âge moderne commence avec trois événements – event au sens arendtien de fait historique imprévu et commençant une nouvelle période ou une nouvelle série de phénomènes – la découverte de l’Amérique et l’exploration du monde, l’expropriation des possessions monastiques et l’accumulation de la richesse sociale, et enfin l’invention du télescope, le monde moderne commencerait, pour les sciences naturelles, au début de ce siècle et, pour la politique, à l’extrême fin de la seconde guerre mondiale". (WEYEMBERGH, 1992, p. 157-158)

primeiro satélite artificial, uma obra feita por mãos humanas, este pode ser considerado como o primeiro passo que a humanidade deu rumo à efetivação da marca indistinta da Era Moder- na: expulsar o homem do mundo e, assim, arruinar, em suas bases, a condição humana, ou seja, transformar o homem em um ser do universo, fazendo com que ele se alienasse da vida na Terra.98 Outro importante evento que contribui para o esfacelamento da condição humana e

a consequente alienação do mundo é a expropriação de terras, que levou à perda de um refe- rencial no mundo.

O que Arendt procura enfatizar em suas análises é que a condição humana se funda- menta em três pressupostos básicos – vida biológica, pertencer ao mundo e pluralidade – sem os quais a vida do homem perderia toda a significação e não poderia mais ser chamada de “vida humana”. Ou seja, segundo nossa autora, para que se possa compreender a condição humana, é preciso distinguir as três atividades que compõem a vida ativa: o trabalho, a fabri-

cação e a ação. A circunscrição da condição humana pelas atividades anteriormente mencio-

nadas, que limitam e restringem a existência do homem na Terra em linhas bem definidas, é constantemente atacada na Era Moderna, pois, nesse período da história da humanidade, há uma tentativa de dar ao homem um outro condicionamento, o qual permitisse ao mesmo fugir das amarras que o prendem à sua condição, dando a ele a possibilidade de viver em outros mundos, os quais o libertariam do seu condicionamento, pois essa condição humana só se efetiva ao se ter como referencial a vida na Terra. Em outra parte do universo, esse condicio- namento não teria a mesma relação com a vida humana. É nessa perspectiva que André Duar- te salienta que:

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“Para a autora, a descoberta do ponto arquimediano, com o qual o homem pôde projetar-se para fora da Terra e conquistar o impressionante avanço no conhecimeto científico e tecnológico da Terra e do próprio sistema solar, trouxe consigo, como sua condição necessária, os fenômenos da moderna alientação do homem em relação à Terra e em relação ao mundo. Para Arendt, portanto, o ganho teórico conquistado pelo avanço técnico e cientí- fico foi pago com o alto preço da perda da uma relação de confiança e interesse do homem moderno pelo planeta e pelo próprio mundo circundante em que vive, dando ensejo às crises ecológica e política que caracterizam nosso presente”. (DUARTE, 2010, p. 54)

O desejo de abandonar a terra é, simultaneamente, o desejo de alterar radi- calmente a condição humana, dado que apenas sob condições terrenas po- demos viver sem que a própria vida não se encontre completamente interme- diada por artefatos tecnológicos. O desejo de abandonar a Terra é a etapa fi- nal de um longo processo de crescente alienação do homem em ralação ao mundo e à natureza, manifesto, também, na crescente artificialização tecno- científica da natureza e de todas as formas de vida, iniciando com a revolu- ção científica do século XVII. (DUARTE, 2010, p. 48-49)

Não é a tarefa desta pesquisa, neste momento, analisar o percurso que Hannah Arendt realizou no interior de sua obra A condição humana e, nesse sentido, lançar luz, passo a passo, sobre os eventos que marcaram o nascimento da Era Moderna. O que nos interessa, de fato, é compreender como a perda de referência, que orienta o homem a viver entre seus pares, passa pelo fato de este ter perdido seu laço primordial com o mundo.

Nessa perspectiva, o deslocamento do homem de seus laços, ou seja, da privação de sua referência, teve um efeito direto para o fomento do homem da Era Moderna. É nessa perspectiva que Arendt, no capítulo VI de A condição humana, refere-se à perda de proprie- dade, marcada fundamentalmente pela expropriação de terras eclesiásticas, como um evento que ajudou no aceleramento do fenômeno de desenraizamento do homem face à sua vida ter- rena, pois a propriedade constitui-se no ponto de ancoragem do homem no mundo, uma vez que ela é o referencial de que o homem é um ser do e no mundo, diferentemente de tribos nômades que não possuem um ponto de referência no mundo, a partir do qual eles possam apontar e dizer: “eis o fundamento da minha história, o seio de onde eu nasci”.

Devemos ressaltar que, quando nos referimos ao termo “propriedade”99, nossa inten- ção é tão somente, seguindo os passos analíticos realizados por Hannah Arendt, compreender um espaço que, ao pertencer a alguém, faz com que este possuidor passe a ter o mundo como

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O sentido que em nossa pesquisa estamos dando ao termo “propriedade” está em estreita relação com as ideias de Hannah Arendt sobre o mesmo, quando ela realiza uma explicação dos conceitos de propriedade e riqueza inerentes à esfera da família e da casa. Arendt afirma que só com a garantia da propriedade e da riqueza necessária à subsistência biológica, o homem poderia escapar à escravidão e à pobreza, tornando-se, assim, capaz de ultrapassar as necessidades da vida natural e aspirar à cidadania na polis. Arendt destaca que a mentalidade cristã e o socialismo contribuíram para a desagregação da propriedade e da riqueza, elementos

um referencial de sua existência, pois dessa forma, o mundo, ou melhor, parte desse mundo, pertence-lhe e, assim, essa “parte” (propriedade) do “todo” (mundo) precisa se tornar uma “coisa pensamento”, no intuito de ser significada, ganhando contorno de algo que pertence à vida humana para, consequentemente, ser preservada.

Com a aceleração da industrialização e o advento do fenômeno de acúmulo de rique- zas, houve a necessidade de tirar toda a importância que outrora a propriedade possuía, ou seja, de ser compreendida como um marco referencial da existência humana em sociedade, com o propósito de fazer com que o “ter e consumir” passassem a ser os novos laços que u- nem os homens na vida em comum. A partir desse evento, o homem viu-se alijado, juntamen- te de sua propriedade, de uma parte do mundo que lhe pertencia e possibilitava ter parte nos assuntos públicos.

O que essa análise arendtiana procura demonstrar, à luz da concepção antiga da distin- ção da esfera privada e pública, é que sem um pedaço de mundo não há como haver ações políticas. É nesse espaço que o homem pode refugiar-se para, distante da luz da publicidade, realizar a atividade do trabalho que lhe proporciona manter seu ciclo biológico intacto e, as- sim, garantir a sua sobrevivência e a de sua espécie, no intuito de, estando liberado dessas necessidades vitais, poder ingressar na esfera pública. Sem a esfera privada que constitui o espaço onde o esforço destinado à preservação da vida humana possa ser desempenhado, tal como o era no mundo grego, a liberação da mesma e de sua consequente relação com a esfera pública perde todo caráter de plausibilidade e urgência. Na Antiguidade grega, somente ti- nham acesso à esfera pública aqueles que eram detentores de bens – terras e escravos100 – que

clássicos da esfera privada. O cristianismo encara a propriedade e a riqueza de forma não-individualista, mas como bens partilháveis em comunidade. (ANTUNES, 2013, p. 07)

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É nesse sentido que, na Antiguidade, a escravidão era vista como algo “natural” das exigências do mundo público, e o escravo visto como uma espécie de propriedade privada. Sobre isso, diz Arendt: “Trabalhar significa ser escravizado pela necessidade, e essa escravidão era inerente às condições da vida humana. Pelo fato de serem dominados pelas necessidades da vida, os homens só podiam conquistar a liberdade dominando outros que eles, à força, sujeitavam à necessidade [...] A instituição da escravidão na Antiguidade, embora não em épocas poste- riores, não foi um artifício para obter mão-de-obra barata nem um instrumento de exploração para fins de lucro, mas sim a tentativa de excluir o trabalho das condições da vida do homem”. (ARENDT, 2010, p. 103-104)

possibilitassem ao homem vencer a luta contra a necessidade da manutenção do ciclo biológi- co e, assim, lhes proporcionassem abstrair-se (skhole) de qualquer atividade que não fosse política. É nesse sentido que o escravo não tinha condições de se aventurar na esfera pública, pois ele não possuía uma parte do mundo.101

Segundo Arendt, a perda de propriedade significou o primeiro passo rumo à socializa- ção da vida humana, que possui como uma de suas características o incessante acúmulo de riquezas. Ora, nada é tão contrário ao acúmulo de riqueza do que possuir uma parte do mundo que não seja, necessariamente, intercambiável e possível de ser consumido, pois esta possui como traço predominante a permanência e estabilidade que fixa o homem em seu domínio.102 O papel que a propriedade desempenha ao fixar o homem em seu habitat artificial é o de pro- porcionar ao indivíduo a possibilidade de ter um contato direto com o mundo, no intuito de preservá-lo, uma vez que, sem essa atitude de resguardar o mundo como lar do homem, não há a mínima condição de se ter propriedade e, portanto, um lar para o repouso das fadigas e a manutenção da vida.

O que procuramos enfatizar, a partir das reflexões de Arendt, é que o processo de a- cúmulo de riqueza, que distingue a Era Moderna de todas as eras anteriores, que estimula e é estimulado pela manutenção da vida biológica, não seria possível sem que, previamente, hou- vesse a tentativa de eliminação do que estamos chamando de propriedade, com o propósito de

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Sobre isso diz Adriano Correia: “Ela [Arendt] indica, com efeito, que o surgimento da polis representou algum sacrifício da esfera privada da família e do lar; não obstante, assinala ainda que, se a polis não violou as vidas privadas de seus cidadãos, não foi por respeito à propriedade privada, como agora a concebemos, mas pela compreensão de que ter um lugar no mundo, ao qual representar e do qual retirar o necessário à liberação das necessidades, era indispensável à participação do cidadão nos assuntos públicos”. (CORREIA, 2007, p. 44)

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Para André Duarte, “Nas modernas sociedades de trabalho e consumo, as barreiras que protegem o mundo em relação aos grandes ciclos da natureza vão sendo constantemente derrubadas em nome do ideal da abundância, o qual traz consigo, como consequência, uma forte instabilidade institucional e uma perda do sentido de realidade: ‘a realidade e confiabilidade do mundo humano repousam basicamente no fato de que estamos rodeados de coi- sas mais permanentes do que a atividade pela qual foram produzidas, e potencialmente ainda mais permanentes que a vida de seus autores. A vida humana, na medida em que é criadora do mundo, está empenhada em um constante processo de reificação; e o grau de mundanidade das coisas produzidas, cuja soma total constitui o artifício humano, depende de sua maior ou menor permanência neste mundo’. Por tudo isto, Arendt pensa que um dos principais aspectos da política diz respeito à preservação da estabilidade do mundo, e não ao cuidado dos interesses privados e ao suprimento das necessidades vitais daqueles que o constroem e habitam”. (DUARTE, 2000, p. 50)

fazer com que tudo o que existe passasse a ser parte do processo de acúmulo de riqueza. As- sim, o processo de acúmulo de riqueza somente pode continuar se o mesmo não se estagnar, que é o risco inerente que a estabilidade do mundo traz em seu cerne.

[...] o processo [acúmulo de riqueza] só pode continuar se não se permite que a durabilidade e a estabilidade mundanas não interfiram, e na medida em que todas as coisas mundanas, todos os produtos finais do processo de produção o realimentem a uma velocidade cada vez maior. Em outras palavras, o pro- cesso de acúmulo de riqueza, tal como o conhecemos, estimulado pelo pro- cesso vital e, por sua vez, estimulando a vida humana, é possível somente se o mundo e a própria humanidade do homem forem sacrificados. (ARENDT, 2010, p. 318-319)

Para que o processo de acúmulo de riqueza possa desenvolver-se livremente é preciso fazer com que o homem não seja somente dono de uma parte do mundo, mas de todo o mun- do, ideal que somente poderá ser concretizado se o homem compreender o mundo como um vasto campo de objetos de consumo, no qual os homens passam a ser donos coletivos de um mundo em que todas as suas partes pertencem à coletividade.103

A propriedade, assim entendida, é condição fundamental à vida pública, e o seu con- trário, a expropriação de Terras, é o primeiro passo rumo à alienação humana em relação ao seu habitat e o concomitante afastamento do homem de pensar sobre o mundo e cuidar do mesmo. Sem esse pedaço de Terra, o que há é uma forte alienação do mundo, pois sem um