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Pensamentos sobre o processo de regionalização nas Relações Internacionais dos países latino-americanos

SOBRE A BALANÇA COMERCIAL, O CRESCIMENTO ECONÔMICO E AS CONDIÇÕES DE DESENVOLVIMENTO

1. REGIONALISMOS E PROCESSOS DE REGIONALIZAÇÃO EM ESTADOS SUBDESENVOLVIDOS:

1.1. Como é pensado o processo de regionalização nas Relações Internacionais?

1.1.2. Pensamentos sobre o processo de regionalização nas Relações Internacionais dos países latino-americanos

Nas Relações Internacionais brasileira e latino-americana, o pensamento sobre as regiões, regionalismos e processos de regionalização é majoritariamente dominado por textos histórico-descritivos e/ou por publicações que não deixam explicito seu referencial teórico31. Os trabalhos que exibem desenvolvimentos teóricos e que ao menos tangenciam essas temáticas encontram-se no campo da Economia Política, sobretudo no pensamento cepalino e nas teorias da dependência. Apesar disso, essas contribuições se dedicam mais às possibilidades e condições de desenvolvimento das economias subdesenvolvidas do que ao entendimento das regiões, regionalismos e processos de regionalização. Dentro da preocupação normativa específica a qual se propõem, tais autores prescrevem políticas públicas regionais como um dos meios de enfrentamento das instabilidades, constrangimentos e desafios ao desenvolvimento. A despeito dessas limitações, tais obras trabalham com algumas particularidades dos Estados sul-americanos que serão importantes para a construção do modelo de análise na seção posterior.

Prebisch (1962), autor representante do pensamento cepalino clássico, observa na integração regional32 um mecanismo pelo qual os governos latino-americanos devem procurar a fim de se desenvolverem.

31 Ao afirmar isso, não se pretende realizar nenhum tipo de crítica a essas

publicações pela sua natureza histórico-descritiva, mas tão somente afirmar que os desenvolvimentos teóricos ainda são pouco desenvolvidos nas Relações Internacionais dos países latino-americanos. Consultar Lima (2011), Pecequilo (2013) para exemplos de publicações histórico-descritivas do processo de regionalização sul-americano. Para exceção a essa regra, ver, por exemplo, Malamud (2004).

32 “Integração regional” é o termo utilizado pelo próprio autor. Vale ressaltar que

o conceito de “regionalismo” passou a ser utilizado sobretudo a partir dos anos 1980.

Isso porque, para o autor, no início dos anos 1960, os processos de industrialização latino-americanos aconteciam de maneira separada e geralmente implicavam indústrias monopolistas protegidas por um nível de tarifação alto (PREBISCH, 1962, p. 176). Isso era problemático ao consumidor pelos preços elevados e ruim para a economia pela baixa produtividade relativa dessas indústrias (Idem, 1962).

Além disso, tal autor afirma que a alocação nacional dos parques industriais era ineficiente porque os mercados nacionais são comparativamente menores do que os regionais (Idem, 1962, p. 177). Nesse sentido, Prebisch (1962) sustenta que o avanço do processo de industrialização deve ocorrer de modo a distribuir as indústrias de maneira racional a cada país para a formação de cadeias industriais regionais (p. 182). Assim, segundo comenta o próprio autor:

é cada vez mais evidente que a solução fundamental do problema econômico e social na América Latina encontra-se na industrialização e modernização da agricultura, e esses propósitos fundamentais não podem ser alcançados sem a formação progressiva do Mercado Comum Latino- Americano. A América Latina não saberá escapar a esta lei histórica: a industrialização não pode ser realizada em pequenos compartimentos33

(PREBISCH, 1962, p. 175, tradução nossa). Os estudos de Prebisch (1962), portanto, não visavam a explicar o regionalismo em si, mas sobretudo, prescrever um modelo de desenvolvimento conjunto aos países latino-americanos. É interessante notar que as experiências de integração regional verificadas na América Latina ao longo dos anos 1960, como a Associação Latino Americana de Livre Comércio (ALALC), basearam-se, em alguma medida, nas ideias cepalinas de integração regional34. A despeito de seu objetivo ser muito mais normativo do que o de outras teorias e abordagens sobre o regionalismo, Prebisch (1962) tem muito a contribuir para as perspectivas sobre os regionalismos latino-americanos porque parte do princípio que esses fenômenos são conformados por países cujo constrangimento externo à ação política é alto.

33 Prebisch (1962) via os processos de industrialização latino-americanos no

começo dos anos 1960 como “[...] vinte compartimentos herméticos e incomunicáveis [...]” (p. 176).

34 Prebisch (1962), no entanto, criticou o a condução da ALALC por ela não

Por sua vez, Marini (1992, 1993), um dos maiores expoentes da teoria marxista da dependência, também analisa como os regionalismos latino-americanos são constrangidos pelo sistema capitalista internacional. Tal autor aponta que a estruturação desigual do comércio internacional gera não somente uma transferência de mais-valia dos países subdesenvolvidos aos desenvolvidos e superexploração da força de trabalho na periferia. Além desses resultados, a exclusividade de produção de artigos primários causa, dentre outras coisas, “[...] a impossibilidade da integração das economias latino-americanas por elas mesmas” (MARINI, 1992 apud SOUZA e SILVA, 2013, p. 156).

Para Marini (1992, 1993), nesse sentido, a integração se torna possível apenas em situações políticas de afrouxamento das relações de dependência. Para que isso ocorra, no entanto, a procura por políticas de enfrentamento às tendências capitalistas estruturais é um fator a ser perseguido pelos governos. Nesse âmbito, por exemplo, Marini (1993) exalta o peronismo argentino, o movimento trabalhista brasileiro, o Chile de Allende, o sandinismo nicaraguense, as revoluções populares bolivianas (1952) e venezuelana (1958) como movimentos políticos de superação do capitalismo e de busca de congregação regional.

Assim como muitos economistas, Marini (1993) também prescreve o que acredita ser o modo mais adequado de integração latino-americana. Para o autor, o regionalismo latino-americano deve

[...] envolver a construção de uma nova economia baseada na incorporação de um grande número de pessoas para o trabalho e o consumo, através da repartição adequada do investimento, uma verdadeira revolução educacional, a supressão das altas taxas de sobre-exploração do trabalho e, assim, melhor distribuição de renda. Claramente, este resultado não pode ser alcançado sem que a integração econômica também signifique avançar em direção à integração política, que envolva a formação de um Estado supranacional na América Latina (MARINI, 1993, s.p., tradução nossa). Além disso, segundo comenta o próprio autor:

chegamos ao ponto em que nossa sobrevivência como Brasil, México, Chile, Venezuela depende da nossa capacidade de construir novas superestruturas políticas e legais, dotadas de poder de negociação, resistência e pressão necessária para ter presença efetiva nos superestados que já

existem ou estão a emergir na Europa, Ásia e na América35 (MARINI, 1993, s.p., tradução nossa).

As contribuições de Prebisch (1962) e Marini (1993) indicam dois aspectos importantes das dinâmicas regionais que serão melhor exploradas ao longo deste trabalho. Inicialmente, segundo apontam os autores, os processos de regionalização da América do Sul frequentemente demandam autonomia das nações da região frente ao sistema internacional para sua devida operacionalização. Esse aspecto é significativo visto que não basta a mera intencionalidade dessas nações em se agregarem politicamente e economicamente, mas igualmente devem ser observadas as condições com as quais essas nações se relacionam com o sistema internacional. Em segundo lugar, a recomendação de políticas de regionalização como uma das formas de superação do subdesenvolvimento é um importante indicativo das expectativas com as quais o governo, a sociedade e a opinião pública observam historicamente o processo de regionalização e a formação de regionalismos.