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Período BNH (1964-85): problemas, auge e declínio do SFH

INADEQUAÇÃO DOS DOMICÍLIOS Componentes

4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE HABITAÇÃO E INTERVENÇÕES: UM ESBOÇO HISTÓRICO

4.1 CRIAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO SFH

4.1.1 Período BNH (1964-85): problemas, auge e declínio do SFH

Nos primeiros anos do SFH a política anti-inflacionária provocou baixo crescimento econômico e queda dos salários reais. As constantes correções monetárias aplicadas às

prestações, maiores e mais frequentes do que os reajustes salariais, implicaram o aumento da participação das prestações na renda familiar. O descompasso entre o reajuste salarial (anual) e o reajuste das prestações (trimestral) foi, portanto, a dificuldade inicial do sistema. Diante do grande descontentamento da população e do seu reflexo político, o governo introduziu o Plano de Equivalência Salarial (PES), a fim de contornar o problema. O PES estabelecia que o reajuste das prestações deveria ser realizado anualmente, de acordo com o aumento médio dos salários.

Mas a criação do PES não resolveu o problema atuarial do sistema porque os saldos devedores dos financiamentos continuavam sendo reajustados trimestralmente. O descompasso agora entre o ressarcimento do financiamento (valor das prestações) e o incremento do saldo devedor, causado pela utilização de índices com valor e periodicidade diversos, teve como corolário inevitável a existência, ao final dos contratos, de valores residuais a serem pagos. Esse foi outro problema, para cujo equacionamento o governo criou o Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS): eram cobradas, nos novos financiamentos, sobreprestações mensais destinadas a financiar esse Fundo, cuja função era garantir, ao final dos contratos, a quitação dos saldos devedores remanescentes junto aos agentes financeiros (SANTOS, 1999).

Em contextos de baixa ou até moderada inflação, a defasagem nos reajustes (saldo devedor

versus prestações) não causaria problemas tão graves. Entretanto, a aceleração inflacionária

ocorrida em 1980 (110% ao ano) e 1983 (210% ao ano)24, decorrente dos choques externos adversos, resultou num quadro completamente desfavorável ao país, particularmente para a sustentabilidade do SFH. Já em 1979, os reajustes salariais, antes anuais, passaram a ser feitos semestralmente, alteração que não foi observada na correção das prestações, nem mesmo dos contratos novos (SIMONSEN, 1991, p. 27).

A política de reajustes nos primeiros anos do SFH pode ser resumida da seguinte forma (tabela 4.1): até 1973, o reajuste das prestações seguiu o reajuste do salário mínimo; entre 1973 e 1982, as prestações tiveram reajustes abaixo da correção do salário mínimo e em 1983 o reajuste das prestações voltou a ser igual ao do salário mínimo, mas a política salarial foi alterada com ajustes diferenciados entre as classes de renda. Para aqueles de menor renda, o salário foi reajustado pela correção monetária plena enquanto que eram aplicados redutores na

correção dos salários daqueles de maior renda (SANTOS, 1999). Portanto, em 1983 e 1984 o reajuste das prestações de mutuários das classes média e alta foi superior aos seus reajustes salariais, o que equivale a dizer que houve aumento real de suas prestações. Como esse segmento populacional possui maior capacidade de mobilização e reivindicação, foram criadas associações de mutuários, houve forte aumento de ações na justiça e substancial elevação da inadimplência do SFH, aprofundada pela recessão econômica da época – em 1984, 54% dos financiamentos estavam inadimplidos (GONÇALVES, 1997 apud SANTOS, 1999).

Tabela 4.1 – Reajuste do Salário Mínimo, Correção Monetária e Prestações dos Mutuários do SFH - 1965-1984.

Anos Reajuste do Salário

Mínimo (%)

Correção Monetária (%) Reajuste das

Prestações (%) 1965 57,14 63,00 57,14 1966 27,27 39,20 27,27 1967 25,00 23,23 25,40 1968 23,43 25,00 23,43 1969 20,37 18,51 20,37 1970 20,00 19,60 20,00 1971 20,56 22,67 20,51 1972 19,15 15,30 19,15 1973 16,07 12,84 14,70 1974 20,77 33,31 14,40 1975 41,40 24,21 34,00 1976 44,14 37,23 26,72 1977 44,06 30,09 36,97 1978 41,00 36,24 30,51 1979 45,38 47,19 39,76 1980 82,96 50,77 55,06 1981 103,99 95,57 72,84 1982 96,20 97,76 89,03 1983 109,39 156,58 130,42 1984 179,43 215,27 191,05

FONTE: Silveira e Malpezzi (1991, p.95).

No SFH, a inadimplência afetou as classes de renda média e alta em dois momentos: no início do sistema, antes do PES e FCVS, e no final do regime militar, por causa da política salarial relatada acima. Mas as classes de renda baixa (até 3 Salários Mínimos - SM) sempre foram afetadas, o que prejudicou muito o desempenho das COHAB. As sistemáticas quedas dos salários reais fizeram com que o peso da habitação no orçamento, apesar dos subsídios, se tornasse cada vez maior, relativamente à necessidade dessas classes.

Conforme aponta Carmo (2006, p. 34), com o objetivo de reduzir o nível de inadimplência do SFH no período compreendido entre fins dos anos 1960 e 1974:

(...) declinaram consideravelmente os investimentos realizados pelo BNH na faixa de baixa renda, ao mesmo tempo em que se direcionavam cada vez maiores volumes de recursos para os segmentos populacionais de renda mais alta. Assim, por exemplo, no período de 1970 a 1974, foram financiadas 404.123 unidades residenciais para o mercado médio, contra 157.748 para o mercado econômico e apenas 76.746 para o mercado popular.

A situação da inadimplência nas COHABs e COOPHABs só ficou um pouco melhor a partir de 1975, quando houve ampliação do seu público-alvo para famílias com até 5 SM25, o que provocou importante crescimento do número de financiamentos até 1982, quando sofreu os efeitos negativos da recessão. Mas, se a ampliação da faixa de renda atendida pelas Companhias por um lado ajudou a atenuar os seus desequilíbrios financeiros e até a aumentar os financiamentos concedidos, por outro significou relativa perda do foco social, com prejuízo para a população de renda mais baixa (SANTOS, 1999).

Observando o aumento da autoconstrução e das habitações informais e reconhecendo a sua dificuldade em atender às necessidades de moradia da população com renda inferior a 3 SM, o BNH criou, no final da década de 1970, programas habitacionais especiais, destinados a esta população excluída. Tais programas visavam basicamente a auxiliar a autoconstrução e a reurbanização de áreas degradadas, viabilizando o acesso a materiais de construção, lotes e favelas urbanizadas para essa classe de renda.

Com isso, a política deixou de ser exclusivamente voltada para as classes de maior renda, embora, segundo Santos (1999) os dados indiquem baixo desempenho quantitativo dessas iniciativas alternativas “sem fôlego”, além de não priorizarem a produção de novas unidades, mas apenas a melhoria em moradias pré-existentes.

O auge do SFH começou em fins dos anos 1970 e prolongou-se até a recessão do início dos anos 1980, período no qual atingiu uma média anual de 400 mil novas unidades residenciais financiadas (VASCONCELOS; CÂNDIDO Jr, 1996). Para esse resultado, contribuíram a captação significativamente positiva do FGTS entre 1974 e 1979 e a já citada ampliação, em 1975, do público-alvo das COHABs (SANTOS, 1999).

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A população atendida pelas COHABs era composta por famílias com renda mensal de até 3 SM, limite de renda que foi ampliado para 5 SM. Essa medida contribuiu para amenizar os problemas das Companhias relacionados a elevados níveis de inadimplência, os quais incidiam mais sobre as classes de renda mais baixa.

Tabela 4.2 - Financiamentos do SFH e dos Programas Alternativos – 1964 a 1984 – Em mil unidades.

Ano Total COHABs e

COOPHABs

SBPE Outros Programas

FGTS/OGU