• Nenhum resultado encontrado

O período das invasões francesas

No documento amares BOLETIM CULTURAL DE N º 1 (páginas 59-61)

Ocorridas em três vagas sucessivas entre os anos de 1807 a 1810, as invasões francesas marcaram no nosso país a entrada da contemporanei- dade com violência e destruições generalizadas que reforçaram a deca- dência do nosso país, que se vinha registando já desde inícios do século.

O Decreto do marechal Junot de 1 de fevereiro de 1808 impõe a Portugal o pagamento de uma contribuição extraordinária de guerra de cem milhões de francos (quarenta milhões de cruzados), a título de res- gate de todas as propriedades. Todos os bens pertencentes à Família Real foram também sequestrados. No seu Artigo VII, surge a contribuição que a Igreja portuguesa teria de pagar como quota-parte da contribuição:

Art. VII – Todos os Arcebispos e Bispos do Reino, todos os Prelados e Superiores de Ordens Religiosas de ambos os sexos, as Congregações Regulares

e Seculares, que possuam Bens, Fundos ou Capitaes postos a juro, contribuirão com dois Terços do seu rendimento annual, se este rendimento não exceder a dezesseis mil cruzados: se o seu rendimento exceder a dezesseis mil cruzados, contribuirão com tres Quartos deste rendimento.43

Ficão exceptuados os Calices, Patenas e Colherinhas, as Pixides, as Custodias, os Cofres, em que na Semana Santa se costuma depositar o Santíssimo Sacramento, as Coroas e Resplendores, que actualmente adornão as Imagens, e as Imagens de Nosso Senhor Jesus Christo e de Nossa Senhora.44

Em 25 de fevereiro do mesmo ano, um outro Decreto excetua tam- bém os relicários cujo peso não exceda os dois marcos de prata.

A 14 de fevereiro, o abade geral Fr. Manuel da Conceição envia uma circular aos mosteiros para executar o Decreto que diz o seguinte:

1.º - Que logo que esta receberem, cuidem em fazer entregar no tempo

determinado [...] todo o oiro e prata pertencente as Igrejas e capelas dos seus Mosteiros, cobrando dos mesmos Recebedores hum recibo authentico por onde conste o Mosteiro que fez a sobredita entrega, o tempo em que se fez e o pezo do

oiro e prata que se entregar, cujo recibo nos será remetido para com elle requerermos a seu tempo o abatimento da mesma prata no total da nossa contribuição como se declara no mesmo Decreto.

2.º - Que devem V. P.es exceptuar nesta entrega aquelas pratas que pertencem e são necessarias a decencia do culto, as quaes devem ficar nas mesmas Igrejas para o seu serviço, na forma do sobredito Decreto. 45

Foi desta forma que as nossas igrejas sofreram a perda de inúmeras peças de grande valor, em ouro e prata, como relicários, castiçais, cruzes, imagens, lampadários e outros objetos de valor artístico e patrimonial. Tendo ficado apenas os objetos necessários para a celebração do culto, como cálices, patenas, colherinhas, custódias, mesmo estes, durante as 2.ª e 3.ª invasões, foram alvo do saque quer por parte das tropas fran- cesas quer pelas próprias populações, a quem excitou a fome, a cobiça e a anarquia (Oliveira, 2005).

Na igreja Rendufe, perdeu-se, infelizmente para sempre a porta do sacrário, toda de prata, entregue no âmbito da famigerada contribuição de 40 milhões de cruzados ao invasor francês, tendo-se construído uma nova, agora em madeira. Dizem-nos os Estados de Rendufe, relativos ao triénio de 1807-1810:

E fes-se huma porta de madeira para o sacrario da capella do santissimo sacramento em lugar da de prata que se tinha no tempo que o governo Francez mandou remetter ao Orario as pratas das Igrejas: fica dourada e prateada fingindo seda d’ouro com seu emblema do Cordeiro e livro dos sette sellos e perfeitamente acabada.

Fica encomendado, quazi feito, e pago hum novo orgão, servindo para elle parte da Canaria do velho, folles e caixa, comforme hum plano que fez o P. Fr. Domingos de S. Jozé Varella: o Mestre he Manoel de Sá Couto da Ponte da Lagoncinha, e não fica assente pelas circuntancias do capitulo o não terem permitido. 46

Este pequeno órgão, de autoria do músico, professor e compositor beneditino Fr. Domingos de S. José Varela, ainda hoje podemos apreciar no transepto, defronte da capela de N.ª Sr.ª do Rosário. Seria terminado no triénio seguinte, de 1810-1813, no abaciado de Fr. Luís dos Serafins: Fez-se e concluiu-se o Concerto do Orgão na forma, que se tinha ajustado no Triennio passado, para cujo concerto tinha ficado dinheiro. 47

No triénio subsequente (1813-1816), com Fr. José do Pilar como abade, reformam-se as grades da igreja:

Alcatifou-se com papagaios novos o pavimento da Capella mor, depois de solhada novamente do que summamente precizava; nella se colocou hum Orgão de Cappela, e se fechou com grades de pao d’oleo á moderna na embocadura da mesma.

Compozerão-se as grades da Igreja que fechão o Cruzeiro, e Altares, pintando-se a imitação das novas que se pozerão na Capella Mor. 48

BO LE TI M CU LT UR AL D E AMARES Nº1

Estes são os últimos registos que subsistem sobre obras ou remo- delações decorativas na igreja do Mosteiro de Rendufe. A partir desta data, e também devido a fatores sociais, políticos que aconteceram nos inícios do séc. XIX no nosso país, como as invasões francesas, a revolução liberal de 1820 e a guerra civil, os mosteiros tiveram que satisfazer pe- sados impostos ao Estado e conter os seus gastos internos, submetendo- -se a um rigoroso controlo da despesa, pois alguns deles foram grave- mente afetados por saques e destruições, tendo que acorrer primordial- mente à recuperação dos seus imóveis.

No documento amares BOLETIM CULTURAL DE N º 1 (páginas 59-61)