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4.5 O fator gênero

4.5.3 Período moderno

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Como realizado na seção anterior, apresento nesta a caracterização dos gêneros dos textos do período moderno, bem como os valores da freqüência, no intuito de verificar a relação de motivação entre esses valores e o ambiente sintático e semântico específico dos gêneros.

Inicio a caracterização considerando os três primeiros textos do período, 20

apresentando características gerais dos gêneros narrativos, o que não implica, entretanto, na postulação da existência de modos e gêneros “puros”, ou seja, conceber que num dado texto ocorra só um ou outro modo, num único gênero. Desse modo, percebi que, de modo geral, nos textos há a predominância de um modo e um gênero, o que não exclui que nesse mesmo texto ocorram passagens descritivas e dissertativas.

O primeiro texto, intitulado Novelistas e contistas portugueses dos séculos XVII e

XVIII (AVE), apresenta características eminentemente narrativas, específicas dos gêneros

conto e novela. Já os dois seguintes Cartas dos primeiros jesuítas no Brasil (CJB) e Tratado

da Terra do Brasil (TTB), mesclam características da narrativa, com alguns aspectos de

gêneros mais descritivos. De um modo geral, esses três textos apresentam as seguintes 5

características: a) linguagem mais informal; b) sucessão temporal; c) verbos de movimento, percepção e caracterização de fenômenos e paisagens por meio de substantivos e adjetivos; c) pessoalidade no modo de expressão verbal; d) buscam relatar e documentar aspectos da realidade à qual se direcionam.

Outro texto analisado no período foi o intitulado Cultura e opulência do Brasil na 10

lavra do açúcar. Engenho real moente e corrente, (COB), que foi caracterizado como gênero

argumentativo escrito, e apresenta as seguintes características: a) defende-se um ponto de vista; b) o ponto de vista é fundamentado em argumentos; c) linguagem de acordo com variedade padrão; d) o autor costumeiramente coloca-se de modo impessoal ou em primeira pessoa; e) presença de palavras ou expressões impessoais que introduzem comentários (é 15

provável que, trata-se de, não se pode observar que, convém salientar que, etc).

O texto restante a ser caracterizado no período intitula-se Carta de Sesmaria ao

Coronel Mathias Barbosa da Silva (SES), e é identificado como o gênero notarial,

apresentando as seguintes características: a) forma padrão da linguagem; b) forma impessoal ou primeira pessoa; c) conteúdo argumentativo. Considerados os textos, passemos à tabela 20

abaixo com os valores das porcentagens e freqüências relativas do período moderno:

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Tabela 23

Descrição das porcentagens e freqüências relativas por texto no período moderno

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Observando os valores acima apresentados, note-se que os textos SES e COB, caracterizados por gêneros que apresentam padrão mais formal e traços mais argumentativos e descritivos, têm os maiores índices percentuais e de freqüência dos tipos do grupo não- reflexivo, 87,12 % (SES) e 64,82% (COB), enquanto que entre os tipos do grupo reflexivo, por outro lado, correspondem a somente 12,24 % em SES e 35,18 em COB.

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Destacam-se também a relevância em SES e COB dos valores de freqüência relativa dos tipos: 12,39 e 15,80 para o grupo não-reflexivo respectivamente, e a baixíssima freqüência dentre os tipos do grupo reflexivo em SES 1,73.

As novelas e contos intitulados Novelistas e contistas portugueses dos séculos

XVII e XVIII (AVE) apresentam a predominância do grupo reflexivo, 57,66 %, entretanto, em

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termos de freqüência relativa, não há uma considerável diferença entre as médias, 7,23 e o grupo não-reflexivo, 5,31.

Os dois seguintes e últimos textos do período a ser analisados Cartas dos

primeiros jesuítas no Brasil (CJB) e Tratado da Terra do Brasil (TTB), que mesclam

características da narrativa e da descrição, apresentam ligeira preponderância dos tipos do 25

grupo não-reflexivo, 53,66 % (CJB) e 55,12% (TTB). Destacam-se também os valores das freqüências relativas 6,78 (CJB) e, principalmente, 11,77% (TTB), esse último próximo do valor de SES. Passemos à análise conclusiva do fator gênero.

Tipo Grupo Reflexivo Grupo Não-Reflexivo

Texto % ‰ % ‰ CJB 46,34 5,85 53,66 6,78 TTB 44,88 9,58 55,12 11,77 AVE 57,66 7,23 42,34 5,31 COB 35,18 8,57 64,82 15,80 SES 12,24 1,73 87,76 12,39

4.5.4 Conclusões

Considerando as análises das duas seções anteriores, pode-se afirmar claramente a 5

motivação que os gêneros dos textos possui na construção de um ambiente sintático e semântico que favorece a presença ou ausência de determinas estruturas lingüísticas.

Após então observar os valores de ocorrências por texto nos períodos analisados, pode-se perceber a associação de determinados traços mais específicos dos textos, como, por exemplo, o modo mais narrativo, que cria um ambiente favorável ao aparecimento de 10

construções do tipo reflexivas, ou o modo mais argumentativo, que favorece a presença de construções impessoais, e por sua vez, daquelas com o pronome se, como Observa-se que,

Diz-se que, etc. Apresento abaixo de modo mais sistemático minhas conclusões gerais:

1. Quanto à linguagem formal ou informal

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1.1 Gêneros mais formais, que utilizam a norma-padrão, como as teses, dissertações, documentos notariais, apresentam predominância de ocorrência dos tipos do grupo não-reflexivo.

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1.2 Gêneros mais informais, como as crônicas, novelas, contos, etc, apresentam predominância de ocorrência do grupo reflexivo.

2. Quanto ao modo: narrativo, descritivo ou dissertativo

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2.1 Gêneros com predominância dos elementos da dissertação e da descrição, como ausência de tempo, argumentação, exposição e definição de idéias e

conceitos, etc criam um ambiente sintático e semântico propício às ocorrências dos tipos do grupo não-reflexivo.

2.2 Gêneros com predominância dos elementos da narrativa, como sucesso temporal, personagens, ações etc. criam um ambiente sintático e semântico 5

propício à ocorrência do grupo reflexivo.

3. Quanto às características semânticas

3.1 Gêneros que apresentam conteúdos mais concretos, que narram ou descrevem 10

fatos, personagens, acontecimentos, constituem um ambiente motivador das construções do tipo reflexivas.

3.2 Gêneros que apresentam conteúdos mais abstratos, que apresentam ou discutem conceitos, normas, análises, etc. constituem um ambiente motivador das 15

construções o grupo não-reflexivo.

O que se conclui então é que há motivação da presença ou ausência de determinadas estruturas de acordo com: a) o grau de formalidade de um texto b) o modo e 20

objetivo para o qual o texto é escrito; c) as características semânticas das palavras e construções do texto.

Outra conclusão relevante e de grande amplitude é que essa constatável motivação pode influenciar, de modo bem claro, a direção da análise lingüística. Se um lingüista, ao estabelecer o seu corpus de análise, não considerar o gênero como fator relevante na variação 25

seriamente sua análise. Imaginemos, por exemplo, se o corpus de análise desse trabalho fosse composto somente por textos com traços dissertativos, com certeza, seriam aferidas outras conclusões, muito mais distantes das realidades lingüística, do que uma análise mais global, que incluísse em seu escopo essa mesma variação.

CAPÍTULO V–ANÁLISE DO PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO DE SE

5.1 Apresentação

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Neste quinto e último capítulo apresento a análise dos resultados deste trabalho, ou seja, os argumentos que comprovam a tese de tratamento do percurso diacrônico da forma pronominal se como um caso de gramaticalização.

Para tal, comento, em primeiro lugar, uma síntese da análise quantitativa dando a 10

devida relevância aos aspectos relativos aos processos de gramaticalização. Em seguida, apresento uma caracterização sintática do grupo reflexivo e não-reflexivo, com o intuito de sustentar, dentro do quadro gerativo, qual grupo seria mais ou menos gramatical.

Como veremos adiante, a análise quantitativa em conjunto com a teórica apontam, claramente, que o percurso histórico de se na língua portuguesa pode ser caracterizado por um 15

caso de gramaticalização.

5.2 Síntese dos Resultados e a Gramaticalização de se

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