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Percentual da População Rural de Mulheres, Sergipe, 2010

Diante desse perfil, o Estado estrutura focopolíticas para atendê-las, dentre as quais, a principal é o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural – PNDTR, que ―possibilita acesso à documentação gratuita nas proximidades de suas moradias, com informações sobre as políticas públicas‖72

. Esse programa foi/é importante para as mulheres camponesas, entretanto com a mudança de conjuntura que

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Informações obtidas na capacitação regional do NEDET/MDA/CNPQ em agosto-setembro 2015, em Juazeiro-Ba.

147 exige da mulher ter essa documentação para acessar políticas compensatórias que auxiliam economicamente a família, a aquisição desses documentos tem sido mobilizada até mesmo pelos homens, a fim de que a família receba o recurso das políticas compensatórias, pois quem recebe, prioritariamente são as mulheres.

São as mulheres camponesas que realizam a preservação do meio em que vivem e trabalham, tendo a natureza como valor de uso e, portanto, entendendo a necessidade de preservá-la como o modelo de produção agroecológica, como alternativa e também uma metodologia de encontros. Dentro da metodologia feminista do ―pessoal é político‖ entende-se que nesses encontros as mulheres percebem que seus problemas ―individuais‖ são questões políticas e assim constroem consciência de classe e seu papel de protagonistas na história.

Nesse cenário de disputa por acesso às políticas públicas opta-se pela metodologia de acompanhamento do desenvolvimento do trabalho das mulheres junto ao Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial – NEDET. Tal experiência será apresentada no capítulo que segue, fundamentado nas práticas dos grupos de mulheres realizadas durante os anos de 2015 a 2017. O debate trata sobre o conjunto dessas ações, além da participação das mulheres em atividades organizadas pelos próprios movimentos aos quais elas estão inseridas. A partir deste recorte, analisa-se a luta por participação, autonomia, emancipação e o movimento de mulheres no campo.

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4. PRA MUDAR A SOCIEDADE DO JEITO QUE A GENTE QUER,

PARTICIPANDO SEM MEDO DE SER MULHER73

Aviso da lua que menstrua

Moço, cuidado com ela!

Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...

Imagine uma cachoeira às avessas: cada ato que faz, o corpo confessa. Cuidado, moço

às vezes parece erva, parece hera cuidado com essa gente que gera essa gente que se metamorfoseia metade legível, metade sereia. Barriga cresce, explode humanidades e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar mas é outro lugar, aí é que está:

cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita..

Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente

que vai cair no mesmo planeta panela. Cuidado com cada letra que manda pra ela! Tá acostumada a viver por dentro,

transforma fato em elemento a tudo refoga, ferve, frita

ainda sangra tudo no próximo mês.

Cuidado moço, quando cê pensa que escapou

é que chegou a sua vez! Porque sou muito sua amiga é que tô falando na "vera"

conheço cada uma, além de ser uma delas. Você que saiu da fresta dela

delicada força quando voltar a ela. Não vá sem ser convidado

ou sem os devidos cortejos... Às vezes pela ponte de um beijo já se alcança a "cidade secreta" a Atlântida perdida.

Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.

Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas

cai na condição de ser displicente diante da própria serpente

Ela é uma cobra de avental

Não despreze a meditação doméstica É da poeira do cotidiano

que a mulher extrai filosofando

149 cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso

julgando a arte do almoço: Eca!... Você que não sabe onde está sua cueca? Ah, meu cão desejado

tão preocupado em rosnar, ladrar e latir então esquece de morder devagar esquece de saber curtir, dividir. E aí quando quer agredir chama de vaca e galinha.

São duas dignas vizinhas do mundo daqui! O que você tem pra falar de vaca?

O que você tem eu vou dizer e não se queixe:

VACA é sua mãe. De leite. Vaca e galinha...

ora, não ofende. Enaltece, elogia: comparando rainha com rainha óvulo, ovo e leite

pensando que está agredindo que tá falando palavrão imundo. Tá, não, homem.

Tá citando o princípio do mundo! (Elisa Lucinda)

O feminismo precisa estar fundamentado na luta pelas autonomias das mulheres (política, econômica, do corpo, etc), assim como pela construção de uma sociedade igualitária com a socialização do poder, das riquezas e do saber. A luta feminista é pela desconstrução de padrões e estereótipos do ser mulher, e pela liberdade de cada uma ser o que deseja, sendo respeitadas em sua diversidade, deve perpassar as questões de raça-etnia, gênero e classes sociais.

No caso das mulheres camponesas, na sua particularidade, o seu olhar vai além do horizonte desmatado, envenenado e destruído pela lógica exploratória e incessante do capital, pois entendem a necessidade da luta por uma produção saudável, que promova relações equitativas e de respeito à natureza. Para o Movimento de Mulheres Camponesas – MMC

O feminismo é uma referência histórica de análise das relações sociais de gênero, étnico-raciais e de classe, expressos na luta de dor, de resistência, de sangue, de valorização, de libertação e de emancipação das mulheres no mundo (Cartilha do MMC, 2008, p. 15).

150 Os movimentos camponeses feministas além de espacializarem-se também territorializam-se e constroem territorialidades (expressões do seu modo de vida camponês que cria signos e significados).

4.1 - ESPACIALIZAÇÃO DOS GRUPOS DE MULHERES NO CAMPO SERGIPANO

Para compreender a importância das experiências desenvolvidas pelas mulheres do-no campo sergipano, como a agroecologia e diversas outras ações políticas, pauta-se nas experiências vivenciadas junto ao Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial – NEDET, no período entre 2015 e 2017, nas atividades de reuniões de Colegiado Territorial, da Câmara de Gênero ou Comitê de Mulheres, e atividades realizadas dentro e fora do estado de Sergipe por iniciativa dos próprios movimentos. Na discussão que se segue são apresentadas um pouco dessas experiências para elucidar a luta das mulheres camponesas e suas pautas à luz do feminismo.

A fim de conhecer onde estão as experiências dos movimentos de mulheres camponesas, fez-se um mapeamento dos grupos de mulheres organizadas no estado de Sergipe junto ao Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial – NEDET. Complementam-se as informações do mapeamento por meio de pesquisa de campo, participação em eventos de mulheres camponesas, e nas reuniões do Comitê de gênero/Câmara Temática de Gênero. Até abril de 2017 registrou-se 856 mulheres, organizadas em 105 grupos. Conforme demonstra a prancha a seguir.

Nos dois mapas, as cores de fundo expostas fazem referência ao percentual de mulheres residentes no campo; os círculos lilás representam, no mapa à esquerda, a quantidade de grupos de mulheres; no mapa à direita, número de participantes.

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152 Conforme se observa na prancha, mesmo nos municípios com percentual rural de mulheres mais elevado, não necessariamente existe maior quantidade de grupos de mulheres organizadas, como o caso de Gararu, no Território do Alto Sertão Sergipano e o caso oposto de Estância, onde o percentual rural de mulheres é baixo e aparecem muitos grupos organizados.

Desses grupos catalogados, 75 (71%) são grupos articulados, ou seja, pertencem a movimentos sociais de mulheres, ou sindicais, ou movimentos sociais mistos, enquanto 30 grupos (29%) foram considerados como isolados, ou seja, que tem iniciativa dentro da comunidade, e podem atuar nos conselhos/comitês/ou outras instâncias públicas algumas vezes, têm venda dos alimentos ou artesanato/arte, entretanto não fazem parte de nenhuma rede, como mostra o gráfico a seguir:

Gráfico 1 – Percentual de grupos de mulheres isolados e articulados, Sergipe, 2015-2017

Fonte: Sistematização de dados, 2015-2017, Laiany Santos, 2018.

Considera-se relevante essa informação visto que os processos construídos nos diferentes grupos, isolados ou articulados podem impulsionar práticas diferentes em função das relações estabelecidas.

O mapa a seguir apresenta as atividades desenvolvidas pelos 105 grupos de mulheres, tomando a relação de trabalho como base para categorização, por proximidade em suas ações em: agroecologia, alimento, cultura e pesca.

Em relação à Agroecologia, reunimos os grupos de produção agroecológica e orgânica, que em sua maioria, quando visitados, estavam tratando de produção agroecológica, mas as camponesas ou desconheciam o termo ou utilizavam o termo orgânico, devido a

Articulados 71%

Isolados 29%

153 relação empreendedora ensinada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE.

Na atividade denominada Alimento estão os grupos que processam e beneficiam a produção: casa de bolo, doces, óleos, etc. Os grupos relacionados à Cultura foram designados como aqueles produtores de artesanato e grupos artísticos (teatro, dança), ou que se definiram de acordo a etnia e cultura como indígena, quilombolas. Para a atividade, Pesca, estão as pescadoras artesanais, marisqueiras e extrativistas, como catadoras de mangaba.

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Mapa 3 – Grupos de Mulheres Camponesas por atividade