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Percepção de Vulnerabilidade (PV)

2.2 Impactos Cognitivos do roubo

2.2.2 Percepção de Vulnerabilidade (PV)

A literatura científica tem apontado que, comumente, pessoas que não passaram por eventos traumáticos em suas vidas tendem a menosprezar a possibilidade de tais eventos virem a acontecer com elas, em comparação com as chances que outras pessoas têm de sofrer tais acontecimentos. Esse aspecto cognitivo tem sido bastante estudado desde a década de 1980, aplicado a diversos eventos tais como doenças, acidentes ou a vitimização criminal, e têm-se discutido tanto as suas consequências negativas, quanto as positivas. Esse estado considerado natural pela maioria dos autores foi nomeado de “expectativas irrealistas”, “otimismo não- realista” ou “invencibilidade pessoal” (WEINSTEIN, 1980; PERLOFF, 1983; SHEPPERD; POGGE; HOWEL, 2016)

Possivelmente, umas das consequências mais associadas a expectativas irrealistas é o fato do indivíduo ser vítima em uma situação por não estimar com precisão a probabilidade de ocorrência do fato que o vitimou. Aponta-se que a adoção de medidas de proteção frente a esses incidentes permanece escassa enquanto as pessoas se percebem relativamente invulneráveis a tais experiências, o que, contraditoriamente, as tornaria mais propensas a se deparar com tais situações (PERLOFF; FETZER, 1986; MKENNA; ALBERY, 2001). Além disso, quando as pessoas com invencibilidade pessoal são finalmente vitimizadas, tendem a ter mais dificuldades em lidar com os produtos negativos dessa experiência (PERLOFF, 1983).

Por outro lado, o otimismo não-realista está associado a diversos correlatos positivos. Expectativas irrealistas, além de produzirem prazer momentâneo, têm sido relacionadas com bem-estar geral, humor elevado, maiores níveis de esperança, persistência em metas, melhores indicadores de saúde física, maior engajamento social e melhores relações interpessoais (SHEPPERD; POGGE; HOWELL, 2016). Contudo, alguns fatores podem afetar tais crenças de invulnerabilidade, podendo, em alguns casos, incorrer em uma percepção que figura em direta oposição a elas. A tal posição, pode-se atribuir o conceito “percepção de vulnerabilidade”. Uma vez que o termo “vulnerabilidade” tem sido utilizado em diversos campos, com diferentes concepções, uma definição conceitual se torna essencial. A vitimologia, frequentemente, descreve uma situação na qual o sujeito se encontra em condições favoráveis para se tornar vítima de um ato criminoso (GREEN, 2007). Não obstante, especificamente, no campo da vitimologia em que se estudam as consequências do crime sobre a vida dos indivíduos, esse termo faz referência a um efeito cognitivo particular da vitimização.

Nessa área, a percepção de vulnerabilidade pode ser definida como o conjunto de crenças exacerbadas acerca da própria vencibilidade e mortalidade (LURÍGIO, 1987; PERLOFF, 1983). Nesse sentido, tal conceito perpassa a percepção de risco que o sujeito atribui a determinadas situações, que por sua vez é influenciada pela experiência pessoal direta ou indireta. Mkenna e Albery (2001), apontaram que a experiência direta de vitimização, a depender de sua gravidade, pode comprometer o nível das expectativas de invulnerabilidade dos indivíduos, sendo experiências mais graves responsáveis por maiores diminuições nos níveis de otimismo. Pode-se também dizer que as crenças sobre sua própria vulnerabilidade são afetadas por experiências indiretas, pois uma vez que esta ocorre em comparação com outros indivíduos, experiências de vitimização ocorrida com pessoas próximas, podem comprometer a forma como o sujeito percebe o risco com relação a si mesmo.

Perloff e Fetzer (1986) apontam que os estudos normalmente propõem a comparação entre o respondente e um indivíduo genérico, mediano, desconhecido. Esse fato,

normalmente, implica que os indivíduos se julguem menos propensos a serem submetidos a experiências negativas, uma vez que esse indivíduo genérico é normalmente compreendido como um estereótipo de um sujeito vulnerável. Em contrapartida, segundo essas autoras, as pessoas tendem a se enxergarem tão vulneráveis quanto seus familiares e amigos próximos. Nesse sentido, a percepção de vulnerabilidade também pode variar conforme a exposição do indivíduo à vitimização vicária, dado que se um amigo ou familiar sofre um roubo, por exemplo, colocando em xeque sua invulnerabilidade, o indivíduo se percebendo tão vulnerável quanto o seu ente vitimizado tem, provavelmente, uma mudança no conceito de invencibilidade atribuído a si até então.

Outra particularidade importante é que as vítimas podem, após a experiência de vitimização, experimentar um estado de vulnerabilidade pessoal (unique vulnerability) ou de vulnerabilidade universal (universal vulnerability). No primeiro caso, a vítima se julga mais vulnerável do que as demais pessoas, enquanto no segundo, ela se compreender em posição de igual vulnerabilidade do que os demais (PERLOFF, 1983). Essa distinção se faz importante uma vez que as pessoas que se julgam pessoalmente vulneráveis tendem a estar mais propensas a quadros de ansiedade, depressão e baixa autoestima, demonstrando que a vulnerabilidade apresenta suas próprias consequências deletérias para a vítima.

Por esse motivo, esse aspecto tem sido enfatizado nas pesquisas que buscam aferir tal componente nas vítimas. Como exemplo, pode ser citado o estudo de Lurígio (1987), no qual, analisando diversas consequências da vitimização, comparou o nível de percepção de vulnerabilidade entre vítimas e não-vítimas por meio das respostas de 331 indivíduos. O autor se utilizou de indicadores únicos, um para avaliar tanto a PV especificamente relacionada ao crime e outro para medir a percepção frente a outros eventos negativos, como acidentes, incêndios e doenças. Como resultado, o estudo apontou que a vítimas apresentam (além das outras consequências deletérias) uma maior percepção de vulnerabilidade frente a vitimização criminal, mas com relação aos outros eventos, diferenciaram-se apenas quanto à sua PV quanto a doenças, apontando para uma possível especificidade quanto a alteração das crenças de invulnerabilidade diante de um evento traumático.

Diante do exposto, a percepção de vulnerabilidade também será avaliada como uma consequência da vitimização criminal, levando em consideração seu potencial de produzir, por si só, ou agravar consequências negativas para os indivíduos roubos. Especificamente, será analisada a percepção pessoal de vulnerabilidade, dado o seu efeito particularmente acentuado sobre outros transtornos relacionados à vitimização. Agrega-se a isso o fato de que apesar de

muitos autores discutirem esse fenômeno de forma teórica, poucos estudos empíricos foram realizados visando medir a percepção de vulnerabilidade, associada à vitimização criminal.