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A percepção da diferença movimento popular e escola pública no olhar do educador

O educador/a egresso/a chega ao CEDEP, seja vindo da comunidade ou da universidade, carregado/internalizado de percepções (visão e prática) bancária/capitalista sobre educação. Sua história pessoal o constitui assim. Porque a sociedade assim o é.

Ao chegar no movimento popular eles/elas estranham a perspectiva diferente do fazer educação porque chegam com uma visão tradicional, individualista e reprodutora do conhecimento. Mesmo já tendo lido e estudado Paulo Freire, isto não faz dele/dela um educador não/menos bancário.

E o que é ser bancário na educação? Tem algo parecido com banco sim, seja o banco pra gente sentar e ficar quieto de castigo, ou aquele banco que a gente vai mais para pagar que para receber.

Lembro-me de meu avô, Seu José Raimundo, que era carpinteiro nato. Ele fazia os bancos de casa e tinha banco de todo jeito. Comprido que cabia mais gente e dava até para deitar; pequeno, que era o tamborete, este era para uma pessoa só. Tinha até bancos com encosto e apoio para os braços. Mas estes bancos tem poesia, história, transformação.

A educação bancária não tem poesia, não tem história, nem transformação. Ela serve como reprodutora e legitimadora da ideologia da sociedade dominante. Vê o aluno sentado “corretamente comportado” nos bancos da escola, sem direito a nenhum movimento de aproximação com o outro, com o meio e com o mundo.

Percebe o aluno como uma caixa deformada que deve ser concertada e transbordada de conhecimento e estes todos externos e alheios aos seus interesses (dos alunos). Afinal, para a educação bancária, na história de vida e no cotidiano do aluno não há nada que se aproveite. O aluno só serve como depósito do conhecimento que a escola possui e que é imposto pela sociedade.

Lembro de Paulo Freire (1987). Ele faz referência à pedagogia bancária àquela implantada pela classe dominante, que tem por finalidade a reprodução de sua

ideologia de dominação. A pedagogia do oprimido, defendida por Freire, busca romper com a dominação e a reprodução.

Mas educador/a e educando/a, na medida em que vão vivenciando o trabalho com a educação popular do CEDEP/UnB; a partir do momento em que eles vão experimentando uma proposta diferente de educação; que aprende a valorizar a sua própria história e a história de vida do outro; que valoriza o espaço do diálogo onde o ouvir é tão ou mais importante do que falar, vão experimentando uma mudança que vai ocorrendo internamente. Fatinha concorda comigo:

[...] E ssa é a diferença que eu via no CE D E P a gente ouvia a história de vida do aluno, do educando [...] ouvia a história, aproveitava o que eles tinham , os interesses deles. Q ual era a expectativa dele o que ele queria aprender. A gente usava isso nas nossas aulas, [...] (F A TIN H A , 2007)

É mesmo. E à medida que se constituem nos embates dos fóruns, planejamentos e formações (seja preliminar ou continuada), vai sendo trabalhado em si e no outro a superação do eu bancário e capitalista para a construção de um eu menos bancário e menos capitalista. É assim com o/a alfabetizando/a, com o/a alfabetizador/a, com o/a graduando/a, com o/a mestrando/a, com o/a doutorando/a, com o/a professor/a, com o/a convidado/a e com o/a visitante. Foi e é assim comigo também. E com você, Sílvio?

A cho que m inha postura com o professor, é diferente, [...] quando você sai de um m ovim ento popular você tem um a textura bastante diferente. O que eu vejo inclusive não é em m im , eu vejo tam bém em outra pessoa [...], m as eu acho que a vivência disso aqui seria um a experiência m uito m ais concreta. Por isso que m odifica a gente. A gente aprende até se portar num a sala de aula. E ssa vivência m ais direta com as pessoas, m as próxim as, m ais perto... (SÍL V IO , 2007)

Esta vivência podemos chamar de relação social, Sílvio. A natureza desta relação/vivência que acontece na educação popular do CEDEP/UnB desencadeia o processo de mudança interna que vai se externando nas ações, nas palavras, no pensamento, na fala, nos atos e atitudes. Vai refletindo com a família, com os amigos, na escola, na faculdade, no

trabalho, na rua, com o vizinho, com a vizinha. Esse processo de busca pela transformação vai ocorrendo de forma lenta e contínua, mas dentro de um coletivo que está presente no movimento popular.

O processo de transformação do eu depende do outro. Porque a constituição do sujeito depende das suas relações sociais, como bem diz Vygotsky (1989:33), “o homem é

uma pessoa social. Um agregado de relações sociais encarnadas num indivíduo”. Daqui

posso dizer que é no coletivo. Portanto, essa transformação é um processo de constituição deste sujeito. Talvez por isso o movimento popular valoriza o coletivo e o individual.

A história do Paranoá, já narrada no capítulo inicial, se constitui na medida em que vamos nos constituindo mutuamente dentro da nossa realidade, naquele momento. Dentro destas relações vai se constituindo uma maneira própria de luta. Esta luta resulta em vitórias e conquistas que são coletivas. Tanto para os que estão na luta como para quem está fora dela. Todos ganham.

E ao sair do CEDEP o educador popular traz esta perspectiva de constante constituição/transformação tanto em si como no outro. E todos ganham. Uma proposta internalizada da possibilidade do diálogo, do respeito às diferenças, do conflito que faz avançar e da construção de uma educação libertadora.

Fatinha pede a fala:

[...] o CE D E P [...] ele acolhe não só os educandos, m as os educadores tam bém . É um a m aneira de aprender junto porque a gente leva em consideração a experiência do outro. [...] Q ual é a bagagem que o outro traz e é um a troca. [...] O professor da rede pública acha que é o que sabe tudo que o aluno só vai aprender, só adquirir inform ações. N ão leva em conta o que o alu no sabe, a bagagem que e o aluno traz, a experiência que ele traz, a história de vida que ele tem . E no CE D E P não, a gente aproveita a história de vida do aluno, aproveita a história de vida da com unidade. O s problem as de vida que ele enfrenta na com unidade e o que pode ser feito pra solucionar e fazer um a transform ação. F azer com que o

sujeito seja transform ado para a vida. Q ue ele tenha visão do que é a sua cidade, do que é o seu país e o que é que ele esta fazendo ali, [...] (F A TIN H A , 2007) Pois é Fatinha, talvez por isso que, ao chegar na escola pública com essa perspectiva novamente há o conflito. Na escola pública o educador encontra predominantemente uma educação individualista, reprodutora, fria. Uma educação em que o professor é o detentor da fala, que o conteúdo pré-determinado vale mais que a história de vida. Uma escola que é reprodutora da dominação e do silenciamento. Do não-diálogo.

Esta tendência ao não-diálogo, característica de uma educação bancária, é fator determinante para o individualismo. Romper com o não-diálogo é dessilenciar e isto implica em responsabilidade social e política, segundo FREIRE:

“A distância social existente e característica das relações humanas no grande domínio não permite a dialogação. O clima desta, pelo contrário, é o das áreas abertas. Aquele em que o homem desenvolve o sentido de sua participação na vida comum. A dialogação implica na responsabilidade social e política do homem. Implica num mínimo de consciência transitiva, que não se desenvolve nas condições oferecidas pelo grande domínio”. FREIRE (2005:78)

Silvânia chega e apimenta ainda mais o nosso diálogo:

N o CE D E P, a form ação, frisa um a form ação política, um a form ação crítica, um a form ação pra vida. E no sistem a de ensino ainda é, ainda prioriza a educação bancária, conhecim entos que não vão ser úteis pra vida, ainda há um a cobrança com conteúdos. (SIL V Â N IA , 2007)

Eu diria, Silvânia, que há um estranhamento do educador popular com a educação bancária, encontrada na escola pública, sem nunca ter se separado definitivamente dela. Porque é necessária uma luta constante na tentativa de exterminá-la de dentro de si. E já há, dentro do educador egresso, a sementinha do poder ser diferente, do poder saber diferente, do poder fazer diferente. Ninguém será totalmente e definitivamente não bancário.

Em recente artigo no Correio Braziliense66 Frei Betto esclarece, muito didaticamente, o pensamento freireano sobre duas maneiras de ser/fazer escola. A educação escolar e a educação popular. Suas observações podem ajudar a entender melhor o que estamos fazendo e falando enquanto educação popular e escola pública. Vejamos o que ele diz:

“a educação escolar tem como pressuposto o patrimônio cultural adquirido e transmitido pelo professor [...] Já a educação popular tem como ponto de partida e chegada a prática social dos educandos. Ela não prioriza a transmissão de conhecimento, e sim o exercício pedagógico da reflexão crítica; da análise de conjuntura; da descoberta das relações de causa e efeito nos fenômenos sociais; das conexões entre o local, o nacional e o mundial; da percepção da vida, não como mera realidade biológica, mas, sobretudo como processo biográfico, histórico.” FREI BETTO (2007)

Talvez por isso o conteúdo que a escola impõe incomoda ao educador popular. Frei Betto ainda não conhece nossa pesquisa, mas escreve exatamente o que estamos apresentando aqui.

Graça chega pedindo acento para falar desta diferença na visão do conteúdo e no todo do educando . Fala, Graça:

[...] é que a escola trabalha m uito em cim a do conteúdo. E la vê, o professor vê, só as cabecinhas dos alunos. Trabalha m uito só o cognitivo.[...] N o projeto o aluno é trabalhado com o um todo. [...] A gente trabalhava m uito com a questão afetiva. A história do aluno, a história de vida dele. N a rede pública a gente tá o tem po todo só falando né? [...] M as que é um a coisa relevante isso, que o educador que era da educação popular que está na secretaria hoje, defende esse trabalho da história de vida. D a questão da afetividade, da em oção. D e valorizar o aluno com o gente. Com o ser. Com pleto. Q ue sente. (G R A ÇA , 2007)

Compreendo, Graça.

Só que na escola pública o educador popular não encontra os espaços de discussão e busca pela superação do bancário pelo não bancário. A escola não está discutindo,

pensando e construindo estes espaços de valorização, libertação e problematização. Talvez a escola não esteja preparada para isso.

Então vem o conflito que vira problema. É a problemática encontrada na rede pública.

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