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3.4 Conceitos básicos do risco

3.4.1 Percepção do risco nas comunidades

De acordo com Fontes (1998 apud Vieira, 2004), a concepção de risco muda radicalmente com a modernidade. A era da razão permite ao homem o controle sobre a natureza e também sobre a sociedade. O desastre que acontece por motivos inesperados, estranhos e fora do controle do indivíduo, é agora pensado e enfrentado como qualquer outra coisa: ele possui uma lógica e, portanto, pode ser conhecido. Ainda segundo o autor, os fenômenos naturais não são mais obras do destino, mas sim resultantes de uma ordem previsível, mesmo não se tendo os conhecimentos que os determinem com razoável grau de antecedência.

Vieira (2004) entrevistou moradores de áreas susceptíveis a escorregamentos na sub-bacia do Ribeirão Araraguá - Blumenau Santa Catarina com o objetivo de avaliar como os moradores percebem o risco de escorregamento no seu cotidiano. A autora concluiu que todos os entrevistados sabem o que é um escorregamento, afirmando que risco é um perigo devido à destruição e mortes, considerando o imprevisível, possuindo muita força e resultando em um efeito dominó. A possibilidade de reincidência é conhecida por quase todos. Praticamente a metade dos entrevistados acha que o escorregamento não pode acontecer onde moram por achar que moram no “plano”, ignorando o corte/aterro que fizeram para edificar a casa. Subestimar o risco é uma alternativa para negar a convivência com o mesmo, ou excluir a incerteza. Os moradores que admitiram que um escorregamento pudesse ocorrer onde eles moram, são aqueles que lá moram há mais tempo e que já tiveram danos com escorregamentos, devido à proximidade da encosta.

No Recife, as pessoas atribuem as causas dos escorregamentos especialmente à chuva (35%), à ação dos moradores em executar cortes (18,4%) e ao lixo (11,9%). Sendo que a ausência de vegetação, a insuficiência no sistema de drenagem e a deficiência no sistema de coleta de lixo foram apontadas por poucos moradores, como causadores de escorregamentos, conforme constatado por Fontes (1998, apud Vieira, 2004).

Burton e Kates (1972 apud Vieira, 2004) colocam que alguns moradores percebem o perigo, mas não estão motivados para encontrar medidas preventivas. Eles tendem a confiar no seu poder de resistência. Alguns tentam reduzir a incerteza quando dizem que o desastre não pode

acontecer mais de uma vez no mesmo lugar. Assim, a avaliação da probabilidade de ocorrer uma catástrofe é diferenciada entre os moradores, situação geralmente distinta da percepção dos técnicos.

As características dos desastres naturais são, para Burton et al (1978 apud Vieira, 2004), aquelas que afetam as ações de adaptação e ajustamento aos riscos, podendo tais níveis variar de acordo com a frequência, duração, extensão, velocidade, dispersão no espaço e espaçamento temporal dos eventos extremos. Como os escorregamentos são desastres raros e incertos, não fazendo parte do cotidiano, resultando muitas vezes em um processo de reocupação de áreas de risco, sendo a ameaça compreendida como distante, prevalecem valores como a possibilidade de obtenção da casa própria e relações sociais.

Enquanto os estudiosos em risco usam modelos de análise estritamente técnico-científicos, o público às vezes percebe e age de forma distinta, como acentuam Okrent e Pidgeon (1998

apud Vieira, 2004). Alguns exemplos de avaliação formal de risco identificaram que o

público não vê a questão de igual maneira que os técnicos.

E, mesmo entre os técnicos a percepção varia. Raab e Brosch (1996 apud Vieira, 2004) desenvolveram um estudo com 43 geólogos representados por profissionais com muitos anos de experiência e por estudantes universitários. A estimativa dos estudantes apresenta geralmente uma tendência para superestimar; já os profissionais experientes não se limitam a valores de referência, como fazem os estudantes. Isso mostra diferentes padrões de estimativa e que não há trabalho geológico sem subjetividade, porque o problema é individual e a escolha dos métodos disponíveis influencia nos resultados tidos como objetivos.

A modernização, a divisão do trabalho e a especialização tornaram a realidade dependente do especialista técnico, segundo Dombrowsky (1990 apud Vieira, 2004), desconsiderando-se as competências tradicionais. Criou-se o equivocado conceito que o risco constitui um evento concentrado no tempo e espaço, não o compreendendo como uma construção social. Esquece- se que em uma análise sobre riscos naturais, o tempo é fator importante quando as pessoas tentam evitar fracassos, pois a gravidade do desastre está relacionada à velocidade de preparação da comunidade para enfrentar o perigo. A velocidade que cada pessoa precisa para

analisar a sua situação é o primeiro fato que influenciará na rapidez para a tomada de decisão frente ao desastre. Atordoadas, as pessoas aceleram o perigo, rápidas reações desaceleram-no.

A velocidade do perigo depende do padrão cultural de agilidade, da percepção de risco e do comportamento das pessoas. O aspecto mais importante não é o perigo em si, mas o padrão de agilidade geral da sociedade. As pessoas experientes com o risco percebem, avaliam, e possuem ações mais ágeis. Por isso, é importante considerar a experiência humana para evitar riscos.

Os estudos sobre percepção de risco geralmente abordam a diferença entre a percepção de técnicos e não técnicos. Os estudos sobre comunicação de risco investigam métodos através do qual a informação pode ser comunicada a todos, como acentua Reid (1999 apud Vieira, 2004). Por isso, o autor conclui que a análise e comunicação de risco precisa estabelecer um debate crítico de dependência e confiança entre técnicos e a população.

Os trabalhos sobre a percepção de risco tem contribuído para tomadas de decisões políticas para prevenção de acidentes. Compreender a percepção que os moradores possuem do lugar onde vivem, contribui para a construção de ações que tomem por base os conhecimentos e as experiências locais. É necessário que os cientistas, os técnicos e o poder municipal considerem as percepções sociais, tendo em mente sua responsabilidade social (Vieira, 2004).

É importante compreender como as comunidades percebem suas paisagens e lugares e qual o seu comportamento cotidiano, para a partir daí construir ações para a redução de desastres. Não basta que os meios de comunicação mostrem o problema, nem que os técnicos desenvolvam projetos incompreensíveis para a maioria da população. É preciso inicialmente que os moradores, especialmente aqueles que se mudaram recentemente, sintam a necessidade de efetuar ações para minimizar o risco. O nível da ação só pode ser alcançado se a população for orientada com informações baseadas em seu conhecimento, experiências e nas suas condições de sobrevivência.