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4.2.1 A percepção do assistente social sobre a atuação e a formação profissional

4.2.1.1 Percepção dos assistentes sociais sobre a relação teoria e prática

A relação entre teoria e prática (já tratada teoricamente em outros momentos desse estudo) pode ser entendida, resumidamente, enquanto uma relação dialética que se estabelece na dinâmica do real, sendo construída no processo de apreensão teórica da realidade e explicita as tendências presentes no seu movimento. No caso específico do Serviço Social possibilita entender as manifestações que particularizam o campo sobre qual incide a intervenção profissional, isto é, permite situar a prática do assistente social oferecendo caminhos para entender o significado social da ação profissional.

Nesse sentido, Cláudia Santos (2001, p. 93) indica que toda prática

[...] tem um significado social, [já que] ela é constituída por determinações que têm uma legalidade interna e, portanto, inteligível à razão. Entretanto, essa legalidade não é aparente, é necessário um movimento que gere um conhecimento teórico sobre esse fenômeno. Assim, nem a teoria se transforma em prática nem a prática se transforma em teoria. Quando se tem

um procedimento teórico sobre a prática, ela expressa uma teoria. De outro modo, essa teoria poderá modificar a prática quando for utilizada para avaliá-la e interpretá-la.

Partindo desse entendimento da relação teoria e prática enquanto unidade que possibilita ao assistente social compreender o significado da sua intervenção profissional e possa dirigi-la no sentido de alcançar as finalidades do PEPSS, procurou-se analisar de que forma os profissionais tem entendido a relação teoria e prática para o desenvolvimento do seu trabalho.

De acordo com 78,20% dos profissionais entrevistados (18 profissionais) eles têm conseguido adotar, no exercício profissional, os conhecimentos adquiridos na formação acadêmica, isto é, tem conseguido fazer a relação teoria e prática no cotidiano do desenvolvimento do seu trabalho profissional. Os depoimentos dos profissionais oferecem alguns elementos para a discussão da relação teoria e prática, conforme se observa na fala dos profissionais selecionados abaixo.

Busco fazer a relação entre a teoria e a prática tentando estudar, buscando informação, buscando ouvir a demanda sob a ótica de todos eles, buscando ouvir do representante de cada conjunto envolvido no espaço da assistência social. Tento conhecer a realidade, conhecer a legislação, conhecer obras, a fala daquelas pessoas que vivem naquele cotidiano e saber como aqueles serviços podem ser utilizados [...] É algo que não dá para dissociar teoria e prática; a instituição tenta nos corromper e se deixar a gente esquece o que é o Serviço Social, nosso código de ética, nosso projeto e a realidade vai nos levando de uma maneira perversa e por isso eu procuro sempre manter essa reflexão. Eu sinto que essa formação continuada ela é muito importante, pois eu senti a necessidade de voltar a ler, a me atualizar, é fundamental. Não se trata de achar que o aquilo que eu li eu vou aplicar, mas sim auxiliar no processo reflexivo enquanto profissional, de ser um profissional propositivo (Trechos dos depoimentos dos entrevistados 01 e 09).

É identificável na fala dos profissionais, como visto também no item anterior, que a busca pelo conhecimento da realidade, da dinâmica do cotidiano, das determinações sociohistóricas do capitalismo na sua fase contemporânea através do campo das mediações, as bases materiais (Lei de Regulamentação, o Código de Ética e as Diretrizes Curriculares) que conformam o projeto ético-político da profissão são elementos importantes para estabelecer a relação da formação acadêmica com a prática profissional. Esses elementos pensados dentro da prática profissional perpassam, decerto, por um processo reflexivo que busque a totalidade dos fenômenos, a fim de potencializar para que aporte teórico-metodológico se traduza em uma prática próxima e/ou compatível com os princípios e objetivos do PEPSS.

Nesse sentido, os depoimentos dos assistentes sociais ressaltaram corretamente a importância da busca pelas mediações nesse processo reflexivo a fim de desvendar e conhecer a realidade e, por conseguinte, produzir respostas qualificadas as demandas dos usuários. Afirma o entrevistado 07 a esse respeito: “[...] No nosso trabalho nós conseguimos relacionar a relação teoria e prática no contato com o usuário, as condições sociohistóricas que determinam as relações sociais, a pobreza e que se expressam na situação de vulnerabilidade do usuário. Você procura as mediações para entender essa realidade” (Depoimento do entrevistado 07).

Como visto aqui e em outras passagens desse trabalho, a teoria, enquanto meio, ajuda a entender os fins e os elementos que constituem o processo que possibilitará projetar as finalidades para a intervenção sobre o real. O conhecimento para desvendar o real deve ser operado através das mediações que possibilitam situar a profissão dentro das relações sociais historicamente determinadas, entendendo-a como parte de uma prática social e, portanto, ela não pode ter existência objetiva sem que a situe no contexto das relações socioeconômicas, políticas e culturais que marcaram a sua emergência. A profissão é também produto da articulação da categoria, das lutas impressas no contexto social, bem como resultado teórico, prático e político da categoria profissional (SANTOS, C., 2011).

Dito isso, vê-se que é possível situar a prática profissional, tendo a clareza que ela não tem “o poder miraculoso de revelar-se a si mesma, como uma coisa ‘natural’” (IAMAMOTTO, 2011, p. 115). Portanto, é fundamental o papel da formação profissional (a qual não se restringe a formação acadêmica, mas a formação continuada) enquanto um processo de construção de competências e acumulação de saberes que se constituam como subsídios para a atuação profissional envolvendo as dimensões política, teórica e técnica de modo a consolidar uma prática profissional crítica. Ao compreender o significado social da sua prática, o sujeito profissional passa a ser capaz de situar sua ação no âmbito da relação teoria e prática, isto é, reconhece o caráter político da sua prática.

De outro lado, 21,80% dos assistentes sociais entrevistados (05 profissionais) afirmaram não conseguir fazer essa relação da teoria e da prática no cotidiano do seu exercício profissional, justificando haver uma relação de oposição entre a teoria e a prática porque “na prática a teoria é outra” ou pelas deficiências decorrentes da sua formação acadêmica que não possibilitou a discussão crítica advinda da aproximação apropriada com a teoria social marxiana que permitiu esclarecer a relação de unidade entre teoria e prática. Essa tendência de postura pode ser observada nos depoimentos abaixo.

É muito raro consegui fazer essa associação da teoria, do que você aprendeu na academia com a prática. A gente lembra da importância da

reflexão, mas eu acho que me faltou muita coisa na universidade, aquele conteúdo é muito esquemático. A prática é muito diferente do que a gente vê

na teoria. [...] A minha formação acadêmica ainda foi na perspectiva do conservadorismo. Ainda não tinha o debate sobre a questão social, da

formação sociohistórica brasileira, o debate sobre o processo de ruptura com o conservadorismo, de como poderia está se reproduzindo isso dentro do ambiente institucional numa lógica de manutenção do sistema (capitalista).

Isso atrapalhou muito para que eu conseguisse fazer essa relação entre teoria e prática (Trechos dos depoimentos dos entrevistados 10 e 11, grifos

nossos).

Parece que, de fato, a falta ou imprecisão no entendimento desses assistentes sociais acerca da relação de unidade entre a teoria e a prática pode estar relacionada às deficiências na sua formação acadêmica, tendo em vista que todos esses profissionais que formam esse grupo de 21,80% graduaram-se no período anterior à aprovação das diretrizes gerais para o curso de Serviço Social. Essas deficiências da formação acadêmica podem também potencializar essa ideia de que há uma distância entre aquilo que é repassado durante a formação e o que é vivenciado na prática interventiva, como se os conhecimentos obtidos na formação acadêmica não estivessem adequados ou não respondessem suficientemente às requisições feitas pela instituição e pelo mercado de trabalho, produzindo assim o mito de que “na prática a teoria é outra” e de que entre ambas não há uma relação de unidade e sim de oposição.

Como já discutido anteriormente, a reprodução desse mito refere-se a um equívoco que está relacionado a racionalidade formal-abstrata como expressão do pensamento positivista que marcou historicamente as abordagens do Serviço Social Tradicional. Além disso, o perigo dessa apreensão equivocada da relação entre a teoria e a prática para a atuação profissional é que se abre espaço para a reafirmação dessa racionalidade que investe no discurso da cisão entre a teoria e a prática, na medida em que produz uma exaltação da técnica, do empirismo, não possibilitando a apreensão do movimento do real, gerando assim a sua mistificação que conduza manutenção da racionalidade burguesa, isto é, a reprodução do conservadorismo.

Segundo Guerra (2011, p. 170, grifos originais) a implicação da influência da racionalidade formal-abstrata na atuação profissional é de que o assistente social

[...] ao apreender os dados, sobre os quais atua como formas fixas, o profissional tende a identificá-los ao seu conteúdo e estabelecer entre eles uma relação causal, cuja tendência é aceitar os fatores econômicos determinantes, [levando] [...] o profissional a desconsiderar os demais

aspectos constitutivos das questões sociais e conceber os fatores econômicos como autoexplicativos, abstraídos das demais determinações que conformam os processos sociais. [...] A teoria, reduzida a um método de intervenção e caucionada pela experiência, ao extrapolar o âmbito do pensamento, objetiva-se numa prática burocratizada.

Os depoimentos acima demonstram, portanto, que esses profissionais não têm clareza teórica suficiente do que seja a prática e a teoria, dificultando assim seu entendimento de que a formação, também submetida à dinâmica da realidade, não consegue responder (nem deve) a todas as necessidades do mercado, como se fosse possível estabelecer modelos fixos de utilização de técnicas e instrumentos que respondessem do mesmo modo a todas as demandas sociais postas pelo usuário. As demandas e necessidades sociais surgem cotidianamente e nem sempre elas estão visivelmente expressas de forma que o profissional as identifique como legitimas a intervenção do assistente social e/ou dos demais profissionais que realizam a execução das políticas sociais. Cabe, então, a formação oferecer subsídios para o conhecimento da realidade possibilitando ao profissional desvendar essas novas demandas e necessidades e, assim, produzir estratégias de ação e respostas qualificadas a elas.

A formação acadêmica como estabelecida pelas diretrizes curriculares gerais para o curso de Serviço Social estabelece como recomendação que os cursos devem dotar os alunos por conhecimentos teóricos amplos e críticos que possibilitem situar a profissão na dinâmica das relações sociais e identificar o significado social da profissão e da sua intervenção, bem como estimule a postura investigativa capaz de fazê-los conhecer tanto as exigências do mercado de trabalho quanto ir além das demandas já postas à intervenção profissional, desvendando as demandas emergentes.

4.2.2 Avaliação da atuação profissional na execução da Política de Assistência Social

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