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7.2 Categorização

7.2.2 Percepção Sobre o Interesse da Comunidade por PIC

7.2.2.1 Devido à Cultura Familiar e Comunitária

O uso de plantas medicinais é costume centenário e bem popular no Brasil. Em pesquisa realizada com usuários do sistema de saúde é muito prevalente o uso de chás, inclusive pelos profissionais da área. Porém esses usos estão perdendo seu lugar nas famílias em favor dos

medicamentos, influenciados por uma propaganda altamente agressiva e pelo não incentivo ao seu uso.

Quando fui para o interior comecei a usar plantas, mais fitoterápicos.... Mas o povo já estava excluindo a questão da fitoterapia, tem que ser químico mesmo: tratamento alopático tradicional. M (d).

Além disso, há confusão entre os termos “plantas medicinais” e “fitoterapia”, sendo comum serem utilizados como sinônimos.

Oriento um pouco fitoterapia- os pacientes aceitam, porque as pessoas já usam. Os mais carentes usam bastante, primeiro usam chás em casa, aquilo que é passado de mãe para filho.... E (i)

A fitoterapia utiliza princípios ativos medicinais de plantas já manipulados industrialmente, sendo portanto, medicamentos de receita médica, com determinada concentração química, efeitos adversos e usos específicos. As plantas medicinais por outro lado, inteiras ou partes dela, são usadas ao natural ou após secagem, na forma de chás, infusões, emplastros, banhos de assento, compressas. Seu uso também necessita de conhecimento de dosagem, maneira correta de coleta e preparo e indicações, sendo consideradas por alguns estudiosos, como a forma mais adequada de uso ( em comparação com o princípio ativo concentrado no fitoterápico), pelo fato da planta possuir varias substâncias de efeito sinérgico. (Di STASI, 2007, CAVALLAZZI, 2005).

Alguns profissionais acreditam que a aceitação dos pacientes de orientações que estimulem o uso de chás e outros recursos, ditos mais naturais, é decorrente desta familiaridade com as plantas medicinais. “Já usaram plantas/chás antes de vir para a consulta...” M (e) Porem se observa um grande desconhecimento dos profissionais dos recursos de sua comunidade e, também, do uso feito pelos pacientes destes e de outros recursos não biomédicos. É uma preocupação atual, revelada em alguns estudos, o fato de que os pacientes não relatam este uso para seu médico assistente e os médicos também não perguntam sobre estes aspectos do auto cuidado, o que demonstra que estas são informações não valorizadas (FRANCO; PECCI, 2003).

7.2.2.2 Decorrente da Experiência Enquanto Usuária das PIC

A rápida difusão das PIC, tanto em termos de divulgação e popularização do conhecimento a respeito delas, como do aumento da oferta, propiciou que se tornassem desejadas e estas passaram a ser procuradas por pessoas de todas as condições econômicas.

A acupuntura é vista como uma especialidade médica. A procura é bem grande... as pessoas são colocadas na lista de espera e a lista é bem grande... E (g)

Os motivos que levam as pessoas a procurarem estes recursos são principalmente: doenças crônicas ou de difícil manejo pelos recursos da biomedicina, descontentamento com a relação médico-paciente, e também mudanças no entendimento sobre saúde-doença, numa busca por atenção integral à saúde (ARAÙJO, 2007, FRANCO, PECCI, 2003).

Lá em São José, inclusive os meus pacientes pediam que os encaminhasse para os outros (médicos), porque queriam fazer acupuntura. M (h).

Estas práticas, nas quais o cuidado é a essência terapêutica, passam a ocupar um espaço vital no serviço de atenção à saúde e no fortalecimento da relação médico-paciente, e passam a ser cada vez mais solicitadas, principalmente pelas pessoas que já as experimentaram.

O pessoal gosta bastante da parte da homeopatia assim como da acupuntura. E (b).

Era bem interessante, as pessoas não faltavam, todos falavam bem... Acho muito bom. O pessoal gostava bastante de vir, de ter (acupuntura) na ULS, não ter que ser encaminhado para longe de casa. E (i).

O pessoal gosta bastante, elogiam bastante... porque o resultado é bem imediato da auriculoterapia. E (g).

A compreensão da aceitação das PIC pelos usuários do SUS é possível através de uma melhor análise das concepções populares do processo saúde-doença e das causas das doenças. Muitos estudos antropológicos indicam uma composição sincrética nas concepções sobre saúde, todavia este não é o foco principal deste trabalho

(MINAYO, 1988; NGOKWEY, 1988; LUZ, 1996, TESSER, 1999; ASTIN, 1998). Estudos como o de Minayo (1988), realizado com famílias de trabalhadores de uma favela carioca, sintetizam bem esta articulação plural de representações sociais, sintetizada pela autora como ecológicas. Segunda ela (p.366):

[...] o conhecimento etiológico [popular] se relaciona com o conceito de cultura popular que é holístico e ecológico, englobando todas as dimensões da vida em sociedade (vida material, organização social e ideologia). As condições materiais da existência no tempo e no espaço são o contexto de produção das explicações etiológicas, da prática médica e da cura. Portanto, as "teorias populares" desenvolvem-se a partir das experiências da vida e se reorganizam constantemente no contato com a prática, tanto da medicina "oficial" como de todos os sistemas alternativos. Ele inclui e integra vários domínios de causação: a) natural; b) psicossocial; c) sócio-econômico; d) sobrenatural. Esses quatro níveis de explicação apresentam-se com dimensões distintas, vinculadas, intercambiantes e não contraditórias. [...] Eles se unificam na visão da Doença como a ação patogênica de elementos de ruptura das relações do indivíduo com a natureza e com seu grupo social. [...] a doença cumpre um papel questionador, integrador e de reequilíbrio: seu conceito é holístico.

A autora chama a atenção para o fato de que apesar de a concepção natural e mecânica do sistema biomédico também compor com grande legitimidade, e muitas vezes dominância, o mosaico de representações das populações, isso não significa que outras representações estejam sistematicamente dominadas ou excluídas. Embora pareça claro que o contato progressivo com a biomedicina e a modernização e globalização social, com seu associado processo de medicalização social, tendam para certa hegemonia da concepção medicalizante (TESSER, 1999), trata-se mais de recomposições tensas e permanentes desse calidoscópio sincrético de representações sociais das populações, em que o componente ecológico acima citado ainda está presente, mesmo nos países desenvolvidos, como encontrado em inquérito nacional relatado por Astin (1998), nos Estados Unidos da

América. Tanto Minayo (1988) quanto Ngokwey (1988), que estudou a população de Feira-de-Santana, na Bahia, consideram que a concepção multicausal das doenças pelas populações contraria em parte o modelo biomédico que tende a colocar em relevo a causação natural das doenças, dificultando qualquer expressão mais holística da saúde. E facilita a compreensão de porque as populações em geral têm boa aceitação das práticas complementares e tradicionais, cuja caracterização geral passa por uma visão holística “nativa” (SOUZA e LUZ, 2009).

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