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5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.3 Análise do Discurso dos Profissionais que acompanham os Idosos do

5.3.3 Percepções da Violência contra a pessoa Idosa

Odália (2012) afirma que ao falar de violência, a primeira imagem, a face mais imediata e sensível, é a que se exprime pela agressão, ou seja, pensar violência nos remete a vislumbrar a violência física.

No entanto, esta não é a única, pois há inúmeras formas de violência, veladas e mascaradas. Algumas categorias e tipologias para designar as várias formas de violências mais praticadas contra a população idosa foram estabelecidas como as que estão no documento de Política Nacional de Redução de Acidentes e Violências do Ministério da Saúde (2001): Abuso físico, maus tratos físicos ou violência física; Abuso psicológico, violência psicológica ou maus tratos psicológicos; Abuso sexual, violência sexual; Abandono;

Abuso financeiro e econômico, Negligência e Auto-negligência. Pode resultar de atos de omissão e negligência e ainda podem ocorrer várias tipos simultaneamente.

A negligência é uma das formas de violência contra os idosos mais presente no país e refere-se à recusa ou à omissão de cuidados devidos e necessários aos idosos, por parte dos responsáveis familiares ou institucionais.

Os entrevistados citaram diversas manifestações de violência relacionando com suas vivências tanto profissionais quanto pessoais.

Eu já trabalhei no CREAS, a gente recebia muita denúncia de violência patrimonial, violência psicológica, violência física também, negligencia também (Leonardo Da Vinci).

A que eu vejo mais que é a patrimonial, a física, a moral (Eliane Brum).

Tem a institucional, a patrimonial, a física, a moral e a psicológica (Talmude).

Patrimonial, psicológica, eu acho que a exploração do trabalho com o idoso, que lava rede, idoso que vai limpar um espaço, que é babá, por mais que seja uma cultura existe por trás uma família que se aproveita da situação, existe uma pressão psicológica muito grande em cima do idoso pra que ele continue sendo uma referencia da família (Chateaubriand).

A negligência né? a física, e a patrimonial né (Mario Quintana).

Todos os depoentes citaram a violência patrimonial e expuseram que era a mais frequente. Interessante que essa especificação "patrimonial" não é citada e nem utilizada nas classificações sobre violência.

Trata-se de uma violência financeira ou econômica ou, ainda , abuso financeiro, que de acordo com a Política Nacional de Redução de Acidentes e Violências do Ministério da Saúde (2001) consiste na exploração imprópria ou ilegal dos idosos ou ao uso não consentido por eles de seus recursos financeiros e patrimoniais.

Esse tipo de violência não deixa marcas físicas e também é pouco conhecido por muitas vítimas, o que acaba dificultando uma estimativa desse tipo de violência. Ao contrario dos idosos, os profissionais entrevistados conhecem bem e apontam a violência financeira como a que se coloca mais presente na vida dos idosos.

Na busca por evidências que corroborasse essas falas encontramos uma Pesquisa do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que ao consolidar dados da Delegacia Especializada de Proteção ao Idoso de São Paulo comprova que mais de 60% das queixas

desse grupo à polícia se referem a disputas dos familiares pela posse de seus bens ou por dificuldades financeiras das famílias em arcar com a sua manutenção (IBCCRIM, 2004).

Costa e Chaves (2003) também constataram essa mesma relevância no estudo das denúncias na Delegacia de Belo Horizonte que também atende aos idosos. Em contrapartida, os estudos de Pasinato, Camarano e Machado (2006) mostram que os principais tipos de violência são o abandono e a negligencia.

Dos profissionais entrevistados, apenas um citou a violência institucional e posteriormente, quando se indagou sobre a violência institucional notou-se que a maioria do grupo conhecia e exemplificou situações e algumas formas de manifestação desse tipo de violência.

Pode-se aferir que a violência institucional contra o idoso não é lembrada imediatamente devido a sua invisibilidade causada pela falta de notificação, pela utilização de outros termos que a mascara, como por exemplo, falta de acesso, do direito distanciando-se da lógica de violação.

Quanto à violência financeira, a mais citada pelos entrevistados, é focada exclusivamente numa violação patrimonial no âmbito familiar.

Portanto não é apenas nesse lócus que os abusos econômicos e financeiros contra idosos ocorrem. Eles estão presentes nas relações do próprio estado nos trâmites demorados para concessão de aposentadorias e pensões; nas empresas, bancos e lojas que maltrata e discrimina; nos planos de saúde com seus aumentos abusivos; nas ações de estelionatários e criminosos que se aproveitam de sua vulnerabilidade física e econômica.

Há de se considerar o discurso do grupo sobre a prevalência dessa violência no âmbito familiar, visto que sua sutileza não deixa marcas e está envolta de laços afetivos.

Violência sem Classe social

A questão da condição econômica relacionada com a violência, de acordo com Safioti (1997) aponta que existe uma ideia equivocada de que somente as pessoas menos favorecidas economicamente praticam violência contra a família.

Foi apontada nos discursos essa relação entre violência e classe social iniciada por narrativas de casos de violência contra o idoso tanto em famílias pobres como nas abastadas.

A gente acredita que é só com a pessoa idosa pobre né, mas não, um dia desse eu passei numa casa [...] tá no portão e ela sempre tava sujinha um cheiro ruim, [...],

uma casa bem estruturada, estruturada assim né, bem mobilhada, a gente ver que era uma família com condição (Chateaubriand).

Tem um caso também verídico, é de um empresário aqui de sobral, ele foi criado e os pais dele de criação é de uma família muito conhecida aqui em Sobral há tempos atrás e hoje quem foi cuidar deles foi adotado, pois a família, os filhos não queria. (Eliane Brum).

Para Baptista (2007), o simples fato de uma família não ter condições econômicas não é necessariamente um fator de risco para ocorrência de violência.

Em outro estudo de Gianini et al (1999) sobre agressão física e classe social expõe um risco aumentado de mortalidade por homicídio para indivíduos de grupos sociais de menor renda, com ocupações não qualificadas, residentes em áreas de piores condições socioeconômicas, e risco aumentado de agressões físicas em desempregados.

No entanto o estudo de Gianini et al (1999) se restringe ao abuso físico para situações de mortalidade e apresenta outros fatores de risco como o uso abusivo de álcool e outras drogas. No grupo foi apontado também casos de violência contra idosos em condições de pobreza incluindo uso de drogas.

Uma idosa né, da extrema pobreza mesmo, bem pobre e um filho morava com ela, usuário de droga e trouxe uma mulher também usuária pra dentro de casa e quando o filho saia, essa mulher maltratava a idosa (Eliane Brum).

A violência contra o idoso pode acontecer independente de condição social. Minayo (2003) aponta que estudos de várias culturas demonstram que pessoas de todos os status socioeconômicos, etnias e religiões são vulneráveis aos maus-tratos.

No Brasil, a grande maioria dos idosos convive e estão sob os cuidados da sua família. Minayo (2005) levantou dados sobre a presença de idosos no convívio familiar no Brasil, constatando que mais de 95% das pessoas acima de 60 anos co-residem com parentes, de forma que, em 26% de todas as famílias brasileiras, existe pelo menos uma pessoa com mais de 60 anos.

Considerando o cenário de desigualdade social no país, um grande número de famílias vive em condição de pobreza e sem ter como prover seu sustento acabam sendo vitimas de violência estrutural (violência entre classes sociais inerente ao modo de produção da sociedade capitalista).

Paralelo a este tipo de violência há também a violência doméstica que difere da estrutural, pois permeia todas as classes sociais como violência de natureza interpessoal.

Dentre as múltiplas formas de violência a que estão submetidas os idosos, é na família o local privilegiado, pois devido seu caráter privado e sigiloso torna-se mais difícil para identificar e nomear ocorrências de violência.

Violência da Peregrinação

Os princípios da Lei Orgânica da Saúde expõe que todos têm direito ao acesso igualitário aos serviços de saúde de forma equânime e integral. Porém observa-se na realidade a peregrinação de usuários do SUS em busca de atendimentos, internações dentre outros. Essa realidade é vivenciada por muitos idosos, configurando um problema de saúde pública e uma violação do direito ao acesso aos serviços de saúde.

A utilização do código "Peregrinação" foi escolhida para representar os discursos dos casos que descreveram situações de longas filas de espera, várias idas à unidade para conseguir atendimento, demora e carência de consultas especializadas e o próprio termo peregrinação conforme pode ser observado nos seguintes depoimentos.

Tinha uma idosa que era diabética tava perdendo a visão, toda semana ela levava duas ou três quedas no caminho do CSF, não era tão longe, era porque ela era diabética, o fato dela cair hoje a deixava um pouco debilitada pra outra semana (Chateaubriand).

É o que a gente ver né, na fala de muitos idosos, é a demora das consultas: às vezes espera e vai atrás uns dois,três, quatro anos, uma peregrinação (Hillman).

Às vezes o idoso morre aí recebe a consulta né, mas isso não é só aqui em Sobral é geral (Schweitzer).

Além de violação de direito, esse contexto que dificulta o acesso dos idosos a procedimentos necessários para sua saúde é uma violência institucional, embora não seja chamada como tal pelos entrevistados.

Quando se indagou sobre os tipos de violência contra o idoso, os profissionais não citaram e nem exemplificaram situações que correspondiam à violência institucional. Porém quando se questionou o seu entendimento acerca da violência institucional nos serviços de saúde a maioria dos profissionais evidenciaram situações reais desse tipo de violência.

O fato dos entrevistados não reconhecer a violência institucional no primeiro momento deve estar relacionado ao que expõe Martinez (2015) ao afirmar que é pouco difundida na sociedade e, consequentemente, pouco denunciada. Outra explicação expõe Sá (2005) quando diz que a violência institucional não é percebida, pois as instituições aparecem como protetoras.

E tem profissionais que agente ver que tá ali empenhados pra que aquela consulta saia, mas não depende só dele, depende de outras e outras, ai agente não pode botar só a culpa no profissional né, no posto né? (Schweitzer).

A fala dessa entrevistada aponta esse deslocamento da violência institucional, pois o espaço é de cuidado e a falta de acesso que gera essa peregrinação é naturalizada e vislumbrada sem indignação, sem perspectiva de violação de um direito.

Violência da Escassez

Todos deveriam ter acesso aos medicamentos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), visto que é um direito previsto na Constituição Federal e em outras leis, mas a realidade é que nem todos conseguem a medicação que necessita, assim como é exposto pelos entrevistados:

Há falta de medicação, tem idosos que tem diabetes, pressão alta. O médico passa o remédio, mas no CSF não tem, as visitas dos agentes de saúdes tem muitos idosos que relataram que não vai de jeito nenhum, que não sabe nem como é o nome do agente de saúde (Chateaubriand).

A falta de medicamento, acho que é uma violência, tem que ser preparado antes né, quem tá atuando no medicamento, deve saber né, porque as vezes esquece, algumas vezes de mandar um pedido (Leonardo Da Vinci).

Eu acho que aqueles idosos que tem a necessidade de um remédio especial, que é oferecido pelo governo, a instituição não se preocupa em procurar esse remédio na data certa, porque é algo de reclamação dos idosos (Mário Quintana).

Essa escassez por medicamentos apontada pelos entrevistados coincide com os resultados dos idosos entrevistados nesse estudo, em que 71,2% relataram dificuldades de acesso à medicação no município de Sobral.

A fala dos profissionais, além de evidenciar a escassez de medicamentos, aponta alguns possíveis motivos para essa falta, como por exemplo, a desorganização e ingerência dos responsáveis pela assistência farmacêutica.

Outro fator que chama atenção nos depoimentos é a idéia de que o governo oferece a medicação, como se fosse uma dádiva, um favor. Ao contrário, a lei assegura e o governo deve garantir que todo cidadão tenha acesso aos medicamentos que necessitar, pois estes já foram pagos anteriormente através dos impostos.

Eu sei que existem erros né porque o sistema é falho, mas eles poderiam se precaver né, uma demanda pra tantos remédios no mês que vem, mas acontece muito isso, ai o remédio é muito caro, uma caixa e 100, 20 reais, 200 reais (Chateaubriand).

No entanto, há um discurso institucionalizado de que a escassez de medicamento acontece em todo lugar. Isso pode ser confirmado através de notícias e de pesquisas como a realizada pelo Idec que ratifica a falta de medicamentos nas unidades dos municípios pesquisados.

Esse contexto gera um descontentamento com o serviço de saúde e desestimula a mobilização e denúncia por parte dos que são lesados e violados institucionalmente: nós cidadãos.

Violência do Desrespeito

A interação estabelecida entre o profissional de saúde e o usuário, desde o momento em que este procura assistência na unidade de saúde, segundo Starfield (2004), contribui para o estabelecimento de relações de longa duração e para o alcance da efetividade da atenção.

Portanto, a unidade de saúde é um espaço de relações de poder entre profissionais e destes com os usuários. Ao tratar das questões de poder, Foucault (2004), expõe que têm sido um dos principais entraves aos projetos de desenvolvimento da humanidade, sendo este problema, parte do cotidiano do trabalho, nas relações entre os técnicos, entre técnicos e a comunidade ou até mesmo, dentro da própria comunidade.

A violência se apresenta nesse contexto adquirindo várias facetas que surgem e se reproduzem no cotidiano da assistência. O tratamento desrespeitoso contra a pessoa idosa acontece nas unidades de saúde é apontado pelos profissionais entrevistados.

É impressionante você senta com o grupo de idosos eles dizem porque eu gosto de vir pro CRAS? Porque eu chego no CRAS todos falam comigo, todo mundo me abraça,todo mundo me conhece , porque eu não gosto de ir pro CSF? Porque, ela usa um palavrão né, porque aquela tal, passa pela gente ai diz: vá lá (Chateaubriand).

Mas a questão da consciência né, do respeito, é ate questão de educação, porque a questão mais comum que a gente ver é a questão do desrespeito, da impaciência com os idosos né, por ser um pouquinho mais debilitado, mais lento, mais devagar as pessoas não tem tanta paciência, principalmente em filas de banco, posto de saúde (Hillman).

O banco abre dez horas né, sete horas e oito horas eles estão lá na fila e ficam no posto de saúde do mesmo jeito (Schweitzer).

E como se no PSF não tivesse prioridade né de fila pra eles né, eles falam muito isso (Hillman).

Observa-se que há depoentes que apontam o desrespeito relacionando com a violência e houve quem relacionasse a violência institucional com as longas filas e a demora no atendimento, que qualificam como desrespeito por não atender o idoso com prioridade no atendimento.

A violência institucional acontece nos diversos serviços de saúde, mas é resguardada pelo silêncio e falta de conhecimento dos usuários, inclusive dos profissionais. Na pesquisa de Berzins (2009) esse comportamento abusivo, omisso e de descuidado dos profissionais de saúde para a pessoa idosa está relacionado à forma como a sociedade percebe a velhice.

Sendo assim, profissionais de saúde necessitam de uma formação que possibilite acolher, cuidar dos usuários de forma humanizada considerando os princípios do SUS e os estabelecido pelos Códigos de Ética de cada profissional. Essa lacuna é perceptível nas falas dos depoentes desse estudo.

Minha vizinha que deveria ser uma profissional preparada pra aquilo, vai logo dizendo: - fulaninho, ele vai passar bem rapidinho. Isso acontece muito, as pessoas vão e quando chega lá a incrédula da pessoa ainda é amiga da médica, da enfermeira e além de se consultar que deveria ser rápido, batem um papinho, tomam a frente, aquela coisa toda entendeu? Aqui é visível, elas colocam muito isso, vou entrar porque fulano [...] (Chateaubriand).

Assim como já foi falado a questão assim de que muitos profissionais que trabalham no posto não são preparados ne, da melhor forma né e acabam que não tratando o idoso como ele deveria ser tratado e também a falta de medicamento, acho que isso seria uma das maiores violências né, a maioria dos idoso não tem condições de comprar aqueles remédios né que são caros (Rousseau).

Os entrevistados além de apontar o despreparo dos profissionais de saúde que atendem aos idosos, evidenciam o desrespeito de alguns profissionais no momento de espera da consulta.

Quanto à essa manifestação de violência institucional contra o usuário há um consenso nos discursos dos idosos e profissionais participantes desse estudo, os quais apontam ações de privilégio aos conhecidos desconsiderando o fluxograma e desrespeitando aquele usuário que aguarda sua vez de atendimento.

Vale salientar que esse comportamento é corriqueiro em outras áreas de instituições públicas e privadas e devem ser combatidas no dia a dia. Berzins (2009) expõe em seu estudo que o idoso não se sente seguro a combater essas ações por temer não ser atendido.

No Estatuto do Idoso, em seu capitulo IV que versa sobre o Direito à Saúde é destacado a qualificação dos profissionais.

As instituições de saúde devem atender aos critérios mínimos para o atendimento às necessidades do idoso, promovendo o treinamento e a capacitação dos profissionais, assim como orientação a cuidadores familiares e grupos de autoajuda (BRASIL, 2003).

Os profissionais entrevistados apontaram como fator positivo da Atenção Primária a estrutura física. Esse apontamento é ressaltado como importante para o acesso do idoso que busca o serviço de saúde.

Os nossos CSFs daqui de Sobral foram feitos pensando nas vulnerabilidades, na deficiência, são muito bem estruturados, realmente modelo né. Existem ainda os antigos, mas que estão sendo aprimorados. Eu acho que a estrutura física e o acesso, é uma coisa que realmente importante para o idoso [...] (Chateaubriand).

Corroborando com a fala do entrevistado, a Estratégia Saúde da Família no município de Sobral vem avançando nas melhorias de sua estrutura.

De acordo com dados do SIAB, no município de Sobral, a Estratégia Saúde da Família conta com cinquenta e seis (56) equipes distribuídas em trinta e um (31) Centros de Saúde da Família, sendo dezoito (18) na sede e treze (13) nos distritos.

O município conta com uma cobertura assistencial de 78% da população, o que equivale a 214.206 pessoas acompanhadas. Essas melhorias estruturais são fatores que contribuem para o acesso e acessibilidade dos idosos, mas não são suficientes para diminuir as violências apontadas nos serviços de saúde.

Para finalizar, ainda que tenha separado por codificação temática a violência institucional na Análise do Discurso dos entrevistados, é proficiente apreendê-las como violências que compõem uma totalidade, pois os termos "da peregrinação", "da escassez" e "do desrespeito" estão interligados e podem ser muito bem utilizados para qualificar as manifestações de violência institucional evidenciadas nesse estudo.