• Nenhum resultado encontrado

IV. A PNATER ANALISADA SOB A PERSPECTIVA DE REDES

4.2 A trajetória da Rede ATER Nordeste e sua relevância no Brasil

4.3.4 Percepções dos agricultores sobre a vida no assentamento rural

Ao serem questionadas sobre as motivações que o levaram a morar no assentamento Amaraji, a referência de viver com tranquilidade foi uma das primeiras afirmações, em que se subentende a importância da liberdade no trabalho, tal como expressam os assentados:

Tranquilidade, sossego, bem estar, paz, um lugar bom pra criar menino, sem barulho, não vê zoada de ninguém, liberdade pra plantar. Quando quer plantar agente planta; quando quer vender a gente vende (Sra. A).

Hoje eu mando no que é meu. Me levanto na hora que quero (Sr. G).

Morar no que é dos outros.. Viver no que é da gente é uma felicidade. Agente mesmo planta, agente vende (Sra. Y).

Tranquilidade, pode ficar mais à vontade, cidade é mais bagunça, agitado (Sr. I).

Porque aqui pra gente é uma vivência muito boa, ninguém meche com agente. É um lazer que agente vive. Agente vive num paraíso (Sr. H)

Outros reforçaram o próprio trabalho no roçado, no quintal, inserido na subjetividade de pertencimento ao local de origem, como o principal motivo de querer viver no assentamento. Ser trabalhador da terra, ter um vínculo com a natureza que traz satisfação e um sentido de vida, a seguir:

Trabalhar no roçado, na própria terra. Era trabalhador daqui mesmo. O que me fez mais motivado. Gosto de agricultura, de mexer com a terra. Ao invés de trabalhar para a cana, para os outros, eu preferi viver. (Sr. O).

Porque meu pai veio para cá, terminei de se criar, estudei até a 5ª série, minha mãe não teve condição de estudar, aí trabalhei com meu pai na roça, conheci esse rapaz, me casei, vivo aqui, me criei, tive 19 filhos, gosto do meu marido. Tenho uma alegria, um amor aqui. Já tenho 6 bisnetos e 28 netos (Sra k). Porque já morava no Engenho. Sempre vivi aqui. Tem minhas coisinhas pra trabalhar, minhas plantas, minha bananeira prata, maça. Sossego, onde nasci e me criei e convivi com a família. Gostoso, as árvores, frutas, sossego, dorme fora e ninguém meche. Tem água encanada e moradia (Sra. H).

Tranquilidade, tem a moradia, o ar puro, a água, acordar com o canto dos pássaros. Queria depender de minha parcela. Colher as coisas da terra, aqui agente tem, agente não compra (Sr. D).

Uma motivação que transpareceu em vários dos assentados foi a noção de luta para poder continuar vivendo na e da terra (Figura 22):

Ocupamos o Engenho Amaraji. O Sindicato e a Fetape ajudaram a fazer a Reforma Agrária. Foi quando conheci a luta dos trabalhadores e o MST em 1991. Em 2005 a luta pela terra era mais difícil (Sr. D).

Figura 22. Formação inicial do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Rio Formoso-PE.

Fonte: Acervo de José Augusto da Silva

O modo de vida, hábito, costume de um povo são igualmente referenciados nos depoimentos dos assentados, como logo abaixo:

O costume, o que é seu, trabalha para você mesmo. Tem gente conhecida, têm as amizades (Sra. D).

Me acostumei a morar em sítio. A qualidade de vida, alimentação saudável. Antes tinha vergonha, vivia em casa alugada (Sra J).

Trajetória no assentamento Amaraji

Nas entrevistas realizadas, o despertar da luta pela terra em Rio Formoso surgiu por causa do desemprego que assolava a região, mais especificamente, devido às dívidas contraídas pelo Engenho Amaraji na época, deixando de pagar os seus próprios trabalhadores. Alguns trabalhadores rurais da cana passaram a se integrar a movimentos sociais, como o MST, a recorrer aos sindicatos e a Fetape para pressionar o INCRA. Por esse motivo, este agricultor relatou que fez parte do acampamento no Engenho Amaraji, em 1998, juntamente com outros trabalhadores locais igualmente desempregados e na ânsia de lutar pela conquista de um pedaço de terra.

O camponês não tinha a carteira assinada, documento, os direitos de décimo terceiro, férias. Os patrões se revoltaram e demitiram. Aí muita gente ficou sem terra e trabalho, uns 40 mil. Teve muitas desapropriações (Sr. F).

Na época, a Central Barreiros da família Bezerra foi desapropriada em blocos. O dono do Engenho Amaraji não estava pagando os impostos e quando faleceu deixou sérias dívidas. Se o agricultor trabalhava 6 dias, ele só pagava 3 e ficava devendo a todo posseiro do engenho. Após Zé Bezerra falecer, o seu filho Roberto Bezerra assumiu o engenho, entrou no ramo hoteleiro e acabou por falir. Em relatos diversos, o Zé Bezerra era bem conhecido como uma pessoa boa que cuidava do engenho e do seu povo, diferentemente da relação estabelecida de seu filho com os moradores.

Um outro agricultor (Sr. N) afirmou que ajudou nas mobilizações, lutou através do sindicato e argumentou que, na época, o Incra era contra a desapropriação. Após a pressão dos trabalhadores rurais, o Incra só veio desapropriar posteriormente à ocupação feita no Engenho Amaraji. Finamente, o Incra ainda pagou uma parte pela terra, cerca de 1 milhão.

O processo de desapropriação ocorreu de forma diferenciada dos demais engenhos da Região. Antes que o MST ocupasse o engenho Amaraji, os próprios posseiros do engenho se reuniram com o apoio fundamental da união do sindicato rural, na pessoa de Zé Paulo, e da Fetape para ocupar e lutar pela desapropriação que se deu em 2000. Em 2001 já passaram a morar nos lotes divididos pelo Incra. Segundo Sr. J, “dizia o povo: Amaraji entrou na reforma Agrária. Não acreditava”.

Não foi um período fácil pois a área estava repleta de cana, com a terra enfraquecida e em muitas partes improdutiva. A passagem da vida de trabalhador rural para o reconhecimento enquanto agricultor familiar, com o estabelecimento do assentamento rural, foi relembrada pelos entrevistados como uma fase que “teve muita dificuldade, agente sabia se virar. Quem não sabia..”, Sr. B. Entretanto, outros mencionavam que a principal diferença entre a época que era trabalhador rural e se tornou assentado era ter a moradia.

A vida no acampamento

A necessidade de fazer uma ocupação no Engenho Amaraji tinha chegado. Era preciso incentivar, ocupar, morar, fazer campanha para arrecadar alimentos. Uma cozinheira do acampamento chegava a preparar comida para 60 famílias. Um companheiro chegava com o pão na cabeça, outro com frutas, iam em supermercado, padaria, prefeitura, todos que pudessem contribuir para a luta da terra.

Muitos não podiam dormir no local, as mulheres que tinham filhos pequenos geralmente passavam o dia no acampamento e voltavam para dormir em casa, no próprio engenho. Fato este que fez com que alguns considerassem um acampamento meio simbólico, pelo fato de muitos acabar voltando para casa à noite. Mas durante o dia estavam todos mobilizados, como bem relata o entrevistado:

Marcava presença e voltava. A semana toda. Pedia no supermercado carne, feijão, junto com Zé Francisco e Zé Rosa, Ivaldo Quirino.. Era animado danado. Nesse tempo tinha que ir na feira para comer que não tinha mais patrão (Sr. F)

Uma questão surge, embora se tratasse de um momento tenso, de reivindicação, pressão e disputa pela terra, ao mesmo tempo, diversos relatos demonstraram como era um tempo reconhecidamente bom, o tempo de acampado, dentre algumas falas:

Achava bonito, um bucado de gente assentada conversando, dizia uma coisa, dizia outra. Chegava gente de Recife, gente importante, professora levava aluno (Sra. D).

Arruado, barraquinha de lona, assim era o tempo de engenho. O povo era muito unido, a união era maior. Se fazia uma reunião, chama o povo e tinha que fazer a lona. O povo saia atrás de tudo, de Prefeito e sindicato (Sr. C).

Eu tinha 11 anos. Era um monte de gente. Um monte de mulher cozinhando. Vinha de manhã, achava bom lutar (Sr. I).

Vivi no acampamento, naquelas barracas simples. Sempre chegava gente para dar força, ajudava muito (Sr. G).

O acampamento não ocorreu apenas no engenho Amaraji, pouco depois o grupo resolveu se reunir e foram acampar na sede do Incra também, em Recife, para pressionar a desapropriação do engenho. Lá chegou a ser mais tenso e temeroso de acordo com os entrevistados. Um deles deixou claro como se sentia: “uma ovelha indo para o matadouro”.

Documentos relacionados