• Nenhum resultado encontrado

[...]Eu não tenho mais a cara que eu tinha

No espelho essa cara já não é minha...

Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia Eu não encho mais a casa de alegria Os anos se passaram enquanto eu dormia E quem eu queria bem me esquecia...

Não vou me adaptar! [...] (TITÃS, 2007)

A adolescência pode ser compreendida por um período da vida em que o jovem experimenta as mais variadas modificações físicas e psíquicas. São inúmeros

os fatores que permeiam esse estágio da vida humana. Para muitos adolescentes essa fase pode vir acompanhada de múltiplas inquietações. Suplicy et al. (2000 p. 29) asseguram que esse é um momento em que

o adolescente experimenta uma reorganização do modo de viver, descobre novas sensações e conceitos, procura se entender e se conhecer nesse novo corpo e se situar diante de novas responsabilidades sociais.

Os fatores biológicos, culturais, sociais e históricos fazem com que a adolescência seja encarada como um período complexo e instigante. As diversas modificações físicas da puberdade vinculadas as alterações de comportamentos psíquicos abrem o caminho para o início da vida adulta. No contexto social,

o adolescente percebe que começa a ser cobrada sua entrada (desejada e temida) no mundo adulto, em diversos planos: profissional, efetivo etc. As mudanças do corpo e a insegurança psíquica são vividas como algo incontrolável, que ele não domina e cujas consequências nem imagina. Suplicy et al. (2000 p. 30)

A psicologia e diversas áreas da ciência têm se debruçado em estudos para melhor compreender e conceituar a adolescência. Pesquisas nesse campo destacaram que a psicanálise tem uma marca registrada na estruturação do conceito de adolescência, como objeto de estudo, a partir do século XX, com o psicólogo e educador americano, Stanley Hall (AGUIAR; BOCK; OZELLA, 2001). Esses autores afirmam que o conceito proposto por Hall identifica a adolescência como um período sinalizado por apreensões e perturbações diretamente relacionadas com o despontar da sexualidade.

No Brasil, os trabalhos de Içami Tiba, psiquiatra e escritor, são referência nessa área de estudo. Em sua obra Puberdade e Adolescência, Tiba (1985) explica que a puberdade pode ser definida como maturação filogeneticamente programada do sistema reprodutor sendo a adolescência uma fase de reestruturação do núcleo do eu. Bock (2007) discorre sobre a adolescência como um estágio de desenvolvimento que se inicia após a puberdade, mas que não apresenta um tempo de duração estável. Merecem destaque as referências que a mesma autora faz sobre essas ideias no que tange as mudanças conflitantes que ocorrem nas estruturas psíquicas/corporais, familiares e comunitárias, ressaltando que nessa fase em que o jovem reivindica sua liberdade e autonomia em busca de prazer e atenção, emergem lutos e fragilidades psíquicas, levando o adolescente a agir, muitas vezes, de forma obsessiva, agressiva

e desafiadora.

Diversos estudos apontam que a adolescência é vivenciada de forma singular e controlada pelas condições sociais e culturais dos jovens, o que implica dizer que o contexto no qual o adolescente está inserido tem forte influência nesse momento da sua vida. Para Lopes (2014, p. 38)

a adolescência está associada a diferentes condições de inserção ou exclusão social e guarda diferentes formas de ser e estar no mundo, que devem ser identificadas e compreendidas por nós.

Para o norteamento de políticas públicas algumas organizações estabelecem um período cronológico para a identificação da adolescência. A Organização das Nações Unidas (ONU) circunscreve a adolescência à segunda década da vida de dez a dezenove anos e considera que a juventude se estende dos 15 aos 24 anos define juventude como a fase entre quinze e vinte e quatro anos de idade, o que não impede que diferentes nações definam esse período de outra forma. Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) define adolescente como o indivíduo que se encontra entre os dez e dezenove anos de idade e, no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece outra faixa etária - dos doze aos dezoito anos. Dessa forma, ficam evidentes as contradições ao se falar sobre idade cronológica. A Caderneta do Adolescente, publicada e disponibilizada pelo Ministério da Saúde, traz a informação de que essa fase se dá de doze a dezoito anos de idade, com base no ECA. Porém, afirma que os serviços de saúde consideram a adolescência a fase entre dez e dezenove anos, pois, a partir dos dez anos, iniciam-se várias transformações no seu corpo, no seu crescimento, na sua vida emocional, social e nas suas relações afetivas.

Mais importante que delimitar uma idade para essa fase da vida, é compreender o processamento dessa transição. Sobre essas definições cronológicas, Eisenstein (2005, p. 1) enfatiza que:

devido às características de variabilidade e diversidade dos parâmetros biológicos e psicossociais que ocorrem nesta época, e denominadas de assincronia de maturação, a idade cronológica, apesar de ser o quesito mais usado, muitas vezes não é o melhor critério descritivo em estudos clínicos, antropológicos e comunitários ou populacionais.

O início da adolescência coincide com o início da puberdade. Nessa linha, Heidemann (2006, p. 17) analisa que “o processo de adolescer pressupõe o

amadurecimento corporal, sexual, cerebral, psicológico, social e profissional”. A autora destaca que esse processo circunda toda a sociedade por meio da família, grupos sociais, instituições de ensino, legislações, serviços de saúde, e tantos outros cenários que se articulam na existência do adolescente.

Imerso num turbilhão de emoções o adolescente começa a entrar em contato com um período de descobertas das próprias limitações, pela busca da autonomia e pela necessidade de integração social. A curiosidade por experiências inéditas e a vontade de viver novas sensações nas suas relações interpessoais e nos momentos socioculturais, dá ao indivíduo um sentimento de liberdade e crescimento. Oliveira (2006) lembra que a filosofia ousou em dizer que os jovens são seres apaixonados e capazes de se deixar arrebatar por impulsos, mesmo quando se imaginavam guiados por aspirações nobres.

Emoções e aventuras são inerentes à juventude. Explicar precisamente a ordem de todos os acontecimentos que levam ao desenvolvimento de uma criança até a fase adulta, nesse hiato chamado adolescência, é tarefa desafiadora frente a quantidade de fatores que permeiam esse assunto. Diante de todos os esses estudos, aqui descritos, que especificam os fatores biológicos como indicadores do início da puberdade é possível compreender que esse estágio pode ser considerado o marco para a identificação dessa transmutação criança/adulto.

Não obstante a tudo que já foi mencionado, é compreensível que, justamente durante a adolescência, o jovem comece a intensificar o seu processo de encontro consigo mesmo e com o meio social. Heidemann (2006, p.19) afirma que:

é na fase da adolescência que o ser humano, de forma mais sistemática e agressiva, se questiona enquanto ser, enquanto existência. Não é fácil para o adolescente encontrar referenciais para a sua descoberta interior

Para a autora algumas características vão sendo observadas no comportamento do adolescente como por exemplo o afastamento da família, o que provoca uma separação progressiva. Destaca, ainda que, nessa fase “os pais não tratam mais os filhos adolescentes como crianças, com direitos de criança, e o adolescente também não é considerado adulto, com direitos de adulto.” (HEIDEMANN, 2006, p.21). Estabelece-se aí um conflito. O jovem reivindica sua autonomia e os pais, no intuito de protegê-lo, tentam protelar sua liberdade. A autora reitera que o adolescente passa, então, a fazer coisas escondidas, porque contar tudo para os pais implica assumir uma dependência familiar.

Outra característica apontada por Heidemann (2006) é a organização de grupos e tribos. Segundo ela, a sensação de pertencimento a um grupo ou tribo, para o adolescente, é prazerosa porque revela seus interesses em comum. Esse exercício estabeleceria um convívio social e político, proporcionando o desenvolvimento do indivíduo.

Em um estudo realizado por Bock (2007) sobre a adolescência como construção social, diversos conceitos registrados em livros destinados a pais e educadores foram analisados. A autora aponta criticamente a visão “naturalizante” da

psicologia sobre a adolescência e reitera que, na perspectiva sócio histórica, esse período não pode ser interpretado como uma etapa natural do desenvolvimento e tampouco um evento inerente a infância e a vida adulta. A adolescência é, para a autora, resultado de uma construção que reverbera na “subjetividade e no desenvolvimento do homem moderno e não como um período natural do desenvolvimento. É um momento significado, interpretado e construído pelos homens” (BOCK, 2007, p.68).

Documentos relacionados