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Percurso da escolarização da Literatura no Brasil

3.2 ESCOLA E LITERATURA

3.2.1 Percurso da escolarização da Literatura no Brasil

Joaquim Norberto de Souza e Silva (2002), por meio de um repertório de textos de sua autoria, sistematizou estudos sobre a história da literatura brasileira. Em seus escritos contemplou aspectos como a introdução histórica da literatura no Brasil, desde as tendências dos primeiros habitantes para a poesia, perpassando a catequese e a instrução dos indígenas, percorrendo os estudos sobre a Literatura Brasileira, numa sequência cronológica.

A referência a esse estudo para a presente pesquisa justifica-se na medida em que se considera a obra como “uma das primeiras tentativas de sistematização da literatura brasileira”7. Apesar da posição do autor ser bastante ideológica e, por vezes, ufanista, ao tratar das origens indígenas do Brasil. A produção de Silva (2002) contribui para legitimar o caráter pedagógico da leitura literária e ilustrar como acontece o tratamento escolar da Literatura no Brasil desde os Jesuítas. Percurso importante para se chegar à tentativa de promover o acolhimento do leitor com propostas mais interativas, que se fazem necessárias para a educação na era da complexidade.

Para dar conta desse panorama histórico da presença da Literatura no Brasil, Silva (2002) mostra, incialmente, a propensão dos brasileiros para as letras e a poesia, antes mesmo da chegada dos europeus e como essa tendência influenciou na civilização do país. Afirma o autor que o brasileiro, dentre os povos americanos, foi o primeiro a combater pela sua liberdade e também a ensaiar-se nos diversos ramos da literatura.

Nesse sentido, a presença de uma literatura desde os primórdios de nossa história, ao lado da luta pela soberania da nação, ajudaram a construir os caminhos que levaram à liberdade. Conforme o autor, “[...] quando o brado enérgico e vivificador da independência retumbou do Ipiranga às fronteiras do novo império americano, libertando um povo oprimido e proclamando a progenição8 de uma nova e poderosa nação, nós já o éramos pela nossa literatura!” (SILVA, 2002, p. 38).

O povo brasileiro engrandecia-se através dos temas eternizados nas canções e poesias. O autor afirma também que

[...] ainda não éramos nação, e já tínhamos historiadores que memorassem a glória da pátria, poetas que celebrassem a vitória de seu compatriotas e oradores que do alto da tribuna sagrada incitassem aos feitos do heroísmo, que logo às primeiras páginas honram a nossa história (SILVA, 2002, p. 38).

Sobre a predisposição do provo brasileiro à música e à poesia, refere o historiador que os primeiros europeus que desbravaram nossas florestas durante o século do descobrimento da América “são testemunhas da existência de um povo heroico, cujos cânticos de guerra, ao som de seus murmurés9, atroaram os ares, cujas endechas10 de amor, acompanhadas a voz de seus membis11, animaram os lares” (SILVA, 2002, p. 168).

Para finalizar essa imersão sobre o cultivo da poesia entre os povos primitivos do Brasil, o autor destaca que muitas dessas composições não receberam o merecido cuidado no recolhimento e tradução, perdendo-se no tempo. Algumas dessas criações literárias “poderão ainda ser encontradas nas bibliotecas dos mosteiros, especialmente da Bahia” (SILVA, 2002, p. 169), servindo para demonstrar, na

8 Progenição: palavra não dicionarizada. Equivale a progênie, com sentido de origem, procedência. No

contexto da citação tem sentido de origem, geração, nascimento.

9 Instrumento de que os índios se serviam, feito de ossos de defuntos.

10 Composição lírica ou musical que expressa profunda tristeza, pesar causado pela morte. 11 Flauta indígena feita da tíbia dos animais ou dos inimigos.

atualidade, a presença da música e da palavra poética como elemento de identificação de nossos ancestrais indígenas.

A poesia é o primeiro e último grito que solta qualquer povo, desde os primeiros tempos de sua existência até o último momento de sua decadência ou de seu aniquilamento; são seus cantos balbuciados no berço ou murmurados à beira do sepulcro, repletos da singeleza dos seus primeiros anos, da linguagem dos seus amores ou das tradições de seus antepassados, e portanto de sua história, que nos podem dizer o que eles foram sobre a face da terra, onde não passaram sem deixar sinal de sua existência (SILVA, 2002, p. 168-9).

Na sequência deste percurso pelas origens históricas da literatura no Brasil, há a vinda dos padres jesuítas para as terras do Novo Mundo com a missão de moralizar e catequizar índios e colonos. Silva (2002, p. 209) afirma que o índio, declarado livre pelas leis da metrópole, achou nos jesuítas um defensor de seus direitos contra a cobiça dos colonos, que “reduzia à degradante condição de escravo quem tinha nascido para ser um homem”.

O fruto do trabalho dos religiosos da Companhia de Jesus de emaranhar-se pelas florestas, chegar ao íntimo das comunidades indígenas e pregar o nome de Deus, evidencia-se na construção de muitos colégios, geralmente situados ao lado das igrejas. Outro aspecto relevante da presença dos jesuítas, como elemento importante para a consolidação de uma literatura nacional, foi a introdução do teatro com finalidades catequéticas. Nascido no interior das igrejas, o teatro beneficiou a intervenção jesuítica na constituição de nossa civilização e instituiu-se como ferramenta artística e civilizadora.

Letícia Malard (1985, p. 8) refere que “o ensino da Literatura é o mais antigo do Brasil”, iniciado nos educandários fundados pelos jesuítas. Segundo a autora, os estudos de literatura limitavam-se aos clássicos gregos, lidos com o propósito de valorizar a beleza do mundo antigo, as qualidades do estilo literário e do conteúdo moral da poesia, decorada e declamada em público. Nesse sentido, afirma também que o enorme espaço que a Literatura ocupava nesses colégios correspondia à finalidade do ensino jesuítico em seu todo, “formar catequistas para converter os indígenas, e letrados capazes de fazer belos poemas e sermões” (MALARD, 1985, p. 8).

Algumas marcas da metodologia de ensino dos padres jesuítas ainda perduram em práticas de ensino atuais. Principalmente no que se relaciona à valorização dos

textos clássicos, às formas mais elaboradas de escrita e ao conteúdo moralizante dos textos literários, além da prática do teatro e da música como recursos pedagógicos.

No percurso cronológico sobre a presença da Literatura como disciplina escolar, Malard (1985, p. 8-9) observa que, apesar da ênfase ao estudo da poesia e dos textos clássicos desde a fundação das primeiras instituições escolares, a Literatura Brasileira só foi incluída no currículo dos colégios no início da República, através da reforma educacional de Benjamin Constant, em 1889. Corresponde a esse período também a escolarização da Literatura na França, país que muito influenciou nossa cultura e do qual herdamos algumas prática e concepções para o ensino escolar do texto literário.

Malard (1985, p. 9) afirma que, segundo os padrões franceses, a educação seguia de perto os moldes da Antiguidade Clássica, com a “valorização dos manuais de retórica, a memorização de biografias de autores, ao lado de uma listagem de suas obras principais e alguns comentários críticos”. A autora também sinaliza que essa metodologia de ensino adentrou pelo século XX, até o final de sua primeira metade, e observa que, sendo realizado desta forma, “o ensino de Literatura era distanciado da realidade, formalista, sem privilegiar o contado direto com o texto literário, completo e concreto” (MALARD, 1985, p. 9).

A partir da década de 60, as biografias e listas de obras são substituídas por análises e interpretações de textos literários à moda francesa. Malard (1985, p. 10) argumenta que essa situação permanece até hoje no ensino de Literatura, especialmente no nível médio, quando é considerada com “artefato textual, que esconde segredos a serem desvendados ou armadilhas a serem desarmadas pelos alunos, sob pena de reprovação”.

Delineado o percurso da presença da literatura como prática cultural e libertadora dos povos primitivos do Brasil, recuperando aspectos de sua escolarização sob influência da Companhia de Jesus, será detalhado a seguir algumas concepções difundidas nos documentos legais sobre educação, que legitimam e normatizam o ensino de Literatura no Brasil. Na sequência, serão discutidas algumas práticas literárias escolares, analisando como esses saberes se apresentam nas atividades pedagógicas e nos materiais didáticos.