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O uso indevido de drogas tem sido tratado, na atualidade, como questão de

ordem internacional, objeto de mobilização organizada das nações em todo o

mundo. Seus efeitos negativos tornam instáveis as estruturas sociais, ameaçam

valores políticos, econômicos, humanos e culturais dos estados e sociedades e

infligem considerável prejuízo aos países, contribuindo para o crescimento dos

gastos com tratamento médico e internação hospitalar, além do aumento dos índices

de acidentes de trabalho, de acidentes de trânsito, de violência urbana e de mortes

prematuras e, ainda, para a queda de produtividade dos trabalhadores.

Afeta homens e mulheres, de todos os grupos raciais e étnicos, pobres e

ricos, jovens, adultos e idosos, pessoas com ou sem instrução, profissionais

especializados ou sem qualificação. Há que se pensar em qual a melhor estratégia

para lidar com estas pessoas que usam de forma problemática a droga. Durante as

nossas conversas, foram citadas algumas, citaram a necessidade de investir na

escola, com abordagens direcionadas principalmente às crianças, a oferta de cursos

e possibilidades de trabalho e tratamento digno, com respeito às diferenças.

- A espiritualidade que é o tripé da nossa instituição... mas precisa de recurso... Precisa de mais cultura... aula de violão... mais educação, ter estudo né? Aula de música,

Aula de computação... a pessoa pega faz esse tratamento aqui, ele sai sem preparo nenhum. É onde já começa a interferir nas quedas lá fora. Ele volta a usar droga porque a sociedade como um todo não tem um apoio para esses pessoas. Nem as próprias igrejas!... (Pedro)

- Para parar, um serviço. Trabalhar eu trabalhava, peguei essa doença e não to conseguindo trabalhar meu serviço mesmo, trabalhar mesmo normal, minha profissão. (Antonio)

- Eu quero um emprego, eu quero trabalhar vou começar a ter controle do meu dinheiro. Eu quero isso. (Luiz)

- Falta ter o NA (Narcóticos Anônimos) mais presente aqui no CAPS, ter uma sala aqui que funcionasse diariamente. Uma espécie de desabafo... ao final do dia de compartilhar e até mesmo o que tá interno aqui dentro pra dizer o que o que ao final do dia aconteceu pai de família, no trabalho... às vezes o cara teve um dia de trabalho e teve uma discursão com a esposa, aquela coisa que ele não sabe como resolver e muitas vezes o refúgio dele era ele correr pra droga. . (José)

A demanda de um NA evidencia a necessidade de ser ouvido, demanda esta

contemplada também em algumas falas da Maria:

- Eu já tentei muitas vezes, mas eu achei que vale mais a pena aqui no CAPS, o carinho deles é diferente, você sente que não é só por causa do dinheiro! Você observa. Eles perguntam “como você tá? Como foi o final de semana seu?” Aqui tem até um grupo que pergunta, isso você se sente amado! Isso que te dá força, não é tá preso em um lugar. (Maria)

- A pessoa perguntar, como foi teu final de semana, como você tá? Bom dia! Boa tarde! Boa noite! Isso é que te dá força, é você ver aquela preocupação dos funcionários,

você saber que não é só dinheiro que é importante pra eles. Que é uma amizade. É igual a minha técnica de referência (pessoa responsável pelo acompanhamento do usuário no CAPS), aquela ali é uma santa! (abriu um sorriso largo), eu amo ela! Quando você sente amor pela gente, isso ajuda a gente, a autoestima melhora, você vê o peso da doença a autoestima melhora. (Maria)

- Ai, eu queria que fosse igual o CAPS, carinho. Porque tem muitos funcionários que trabalham em um lugar de saúde mas que não tem amor, acha que só ir lá trabalhar. Em questão de saúde, você tem quer ter amor, trabalhar por amor se não tiver amor pelo próximo não adianta você tá lá no lugar só pra receber dinheiro. Tem que ter um certo dom. (Maria)

- Tem muito lugar que não aceita o remédio, porque é evangélica, eles tem que entender que Deus deu entendimento para o homem, que o remédio é de Deus. Aí a pessoa sai, antes do prazo, pessoa vai e fuma mesmo, eles não pode chegar e falar “você não vai tomar mais remédio, não é assim de uma hora pra outra, essa parte é muito pessoal. (Ana)

- O médico fala, ah é normal ter recaída, o médico tem que tirar essa mentalidade, o médico tem que para de mostrar que a gente é fraco, o médico tem que dar é força para a gente. O traficante não vai na sua casa, se um traficante for na minha porta eu chamo é a policia! (deu um discreto sorriso). Na minha casa ninguém não aceita não! Minha mãe não aceita nem amizade normal, imagine usuário!!! (deu um sorriso mais longo) Então recaída, como eles usa não é certo. Recaída não é normal. A pessoa que vai atrás, se você tem amizade errada, deixar de andar atrás, essas amizades não quer você pela sua amizade! Quer você porque você tem dinheiro, porque você tá bonita! Os homens vão te olhar, vão te dá dinheiro! Quando eu fazia programa, tava com o corpinho bonitinho ainda, eles sabiam que eu ia ganhar dinheiro, e eles diziam: -“ não ela vai ter dinheiro, daqui a pouco nós vamos fumar. (Ana)

Não foi citado por eles em nenhum momento o trabalho da redução de danos,

neste momento de análise e leitura atentei para esta situação. Cabe aqui ressaltar

que, em contraste com os defensores do modelo que associa uso de drogas à

doença, o modelo de redução de danos

“aceita o fato concreto de que muitas pessoas usam drogas e apresentam outros comportamentos de alto risco e admite que visões idealistas de uma sociedade livre de drogas não têm quase nenhuma chance de tornarem-se realidade” (MARLATT, 1999, p. 46)

Tem-se então, como aponta Acselrad (2000), uma alternativa à interferência

do Estado na vida privada como forma de superação dos problemas, uma vez que

reconhece ser ineficaz pretender erradicar, a partir de uma relação de poder

autoritária, uma prática que tem raízes na história pessoal e social. Nesse sentido, o referido autor, aponta que “a educação sobre drogas na perspectiva da redução de

danos, não tem a pretensão de impedir a própria experiência do uso” (p.166). E mais

adiante afirma: “Compreendendo que a decisão do uso se dá no espaço privado,

que ela é, portanto, pessoal, aposta-se na consciência crítica, na responsabilidade de cada um diante de si mesmo” (ACSELRAD, 2000, p. 167).

Segundo Bravo (2002), “cada modelo social é produtor de ideologias que têm

a função de produzir dispositivos institucionais que legitimam e justificam contradições de natureza política geradas na vida social”. Para este autor as

políticas em saúde mental são consequência de fenômenos estruturais

organizadores das relações sociais. Qualquer tentativa de reformulação destas

políticas acarreta uma discussão ampla do modelo social que as possibilitou. Assim,

ao propor uma alternativa às abordagens tradicionais, a proposta de redução de danos apresenta-se como “representante dessa revolução político-ideológica

referente aos usuários de drogas, na medida em que está centrada na reinserção social dos usuários, como sujeitos de direitos e deveres” (BRAVO, 2002, p. 46)

Nossa experiência permite afirmar que, quando atuamos em uma perspectiva não proibicionista, a noção de droga que impera no meio social – a de que faz mal, mata ou transforma pessoas sadias em doentes e delinqüentes – é abalada. Atuar em uma perspectiva não proibicionista é ser atravessado, afetado pelas histórias de vida das pessoas acessadas em campo. Muitas vezes, é ter que fechar os olhos para as injustiças sociais que ficam evidentes, é ver a beleza em cada atitude delicada dessas pessoas que nos recebem em suas casas e abrem suas vidas como se fôssemos grandes amigos. O fazer o campo descortina um universo repleto de paradoxos (SILVA, 2010).

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