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Pereira Barreto: um positivista no campo da ação

No documento gabrielapereiramartins (páginas 70-73)

CAPÍTULO 3 – O positivismo no Brasil: duas manifestações da linguagem dos sentimentos

3.1 Luis Pereira Barreto: da linguagem da razão à linguagem dos sentimentos

3.1.1 Pereira Barreto: um positivista no campo da ação

A idéia de influência mútua do meio sobre o organismo e do organismo sobre o meio extrapola as perspectivas médicas para as interpretações de cunho histórico positivista do Brasil. Pereira Barreto concebe a humanidade como um organismo complexo, no qual cada homem é um membro dependente da harmonia coletiva, de modo que, se não houver harmonia neste corpo coletivo, o indivíduo adoece, estado característico das sociedades que se encontram no segundo estágio da história da humanidade, no estado metafísico.

De acordo com Pereira Barreto, a sociedade brasileira acabara de entrar nesse estágio metafísico, cujo caráter é transitório e cuja missão é criticar a teologia e preparar o acesso ao regime positivo definitivo. O que marca a passagem do período teológico para o metafísico são os acontecimentos de 1872, a “questão com os bispos”, pondo em dúvida o poder dos clérigos como responsáveis pelo poder espiritual da nação185. As discussões geradas pela “Questão Religiosa” deixam a população em dúvida quanto a seus valores, instalando um estado que, de acordo com Pereira Barreto, faz emergir as doenças características da época: as gastralgias e as nevroses. Essas doenças refletem o estado social e moral em que se encontra a população, em uma sociedade na qual a razão egoísta individual prevalece sobre a razão altruísta no plano das relações sociais, expondo a fragilidade de laços sociais, uma vez que falta aos indivíduos o sentimento de coesão, de pertencimento a uma coletividade, qualquer que seja a sua natureza: família, pátria, ou mesmo a humanidade186.

Ao estudar as moléstias e epidemias que assolam o Brasil, considerando-as como doenças da contemporaneidade, Pereira Barreto contribui para identificar causas sociais na doença, de maneira a não ver o homem isolado em um estudo especializado de laboratório, ou seja, isolado dos fenômenos sociais dos quais é parte.

Em decorrência da perspectiva adotada, a gênese social da doença, Pereira Barreto empreende uma série de campanhas, dentre elas a campanha sanitarista, a campanha contra a febre amarela, a campanha da terra roxa, da viticultura, da imigração européia, o melhoramento do café, entre outras tantas, cujo objetivo é o desenvolvimento do Brasil.

Na campanha contra a febre amarela, Pereira Barreto se posiciona favoravelmente à vacinação, ponto este de mais uma divergência com a Igreja Positivista, que condena a

185 BARRETO, Luis Pereira. As três filosofias: Filosofia teológica. In: BARROS, Roque Spencer Maciel de

(Org.). Obras Filosóficas de Luís Pereira Barreto. São Paulo: Edusp; Grijalbo, 1.v, 1967. p.140.

186BARRETO, Luis Pereira. Teoria das Gastralgias e das Nevroses em Geral. In: BARROS, Roque Spencer

vacinação obrigatória e rejeita a bacteriologia. Pereira Barreto desenvolve uma “teoria hídrica” de transmissão da febre amarela, segundo a qual, inicialmente, identifica a transmissão da doença pela água contaminada. Posteriormente, em estudos realizados na cidade de Campinas, estado de São Paulo, ele abandona a teoria hídrica e conclui que a transmissão da doença é feita pelo mosquito, que se desenvolve em água empossada. É a linha de pensamento seguida por Oswaldo Cruz em suas pesquisas, no mesmo ano de 1904, na cidade do Rio de Janeiro187. Oswaldo Cruz encabeça pesquisas sobre doenças tropicais que então assolam o país e dirige a campanha sanitarista do Rio de Janeiro, no começo do século XX. Uma das ações da campanha sanitarista é a decretação da obrigatoriedade da vacinação, em 1904, o que gera um estado de desordem na cidade do Rio de Janeiro, provocando a rebelião de populares contra o que eles consideram uma invasão despropositada de suas casas e de suas vidas, rebelião conhecida como a Revolta da Vacina188.

Pereira Barreto é favorável à obrigatoriedade da vacinação porque acredita na eficácia da teoria bacteriológica, defendendo a necessidade de erradicar as pestes que impedem o Brasil de caminhar rumo ao desenvolvimento material, social, intelectual e moral. Ele acredita que os benefícios acarretados pelo controle de doenças e pelo avanço da salubridade, são capazes de atrair a imigração européia para trabalhar em solo brasileiro, favorecendo a implementação de um novo modo de pensar, mudando aos poucos o espírito da nação, rumo ao estágio positivo.

A posição de Pereira Barreto se antepõe, conforme anteriormente explicitado, a aquela dos representantes da Igreja Positivista, para os quais aquilo que não se vê a olho nu é abstração metafísica, do que decorre a inutilidade de vacinas189.

Outro empreendimento de Pereira Barreto é campanha da terra roxa, terra produtiva essencial para o desenvolvimento do Brasil. A província de São Paulo, de acordo com as teses de Pereira Barreto, é o local onde se concentram as terras roxas, de modo que essa província deve, então, encabeçar a marcha regeneradora do país rumo ao desenvolvimento. Os terrenos de grande valor agrícola, a exemplo do massapé, são mais ou menos, degenerescência da formação roxa, e sua composição química agrícola pode ser facilmente convertida à categoria

187 BARRETO, Luis Pereira. As três filosofias: Filosofia teológica. In: BARROS, Roque Spencer Maciel de

(Org.). Obras Filosóficas de Luís Pereira Barreto. São Paulo: Edusp; Grijalbo, 1.v, 1967. p. 202.

188 CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:

Companhia das Letras. 1987. p. 91 - 139.

189

TEIXEIRA MENDES, Raimundo. Ainda a questão da varíola e da vacina. Apostolado Positivista do Brasil: Rio de Janeiro, n. 264, 13 de jul. 1908. p.3. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm>. Acesso em: 13 set. 2009.

de terreno roxo190. Compete à química agrícola esclarecer cientificamente o valor da fertilidade de seu solo para a grandeza da nação191.

A campanha da viticultura e da melhora do café se semelhante bastante à da terra roxa. Uma das propostas de Pereira Barreto é mostrar a possibilidade do cultivo da uva no Brasil, atraindo mão de obra italiana, povo especialista no cultivo da uva. Uma das barreiras a vencer é a inospitalidade do clima tropical. O ar dos trópicos tornara-se sinônimo de febre amarela. De acordo com Pereira Barreto, para driblar esse problema é preciso tornar o país salubre e vencer as condições climáticas, por via da ciência, mostrando que o Brasil é capaz de produzir, não só café e borracha, mas uva, a Vitis Vinifera, que o colono europeu vê não só como um arbusto, mas como uma pessoa, um membro da família 192.

Para fundamentar a idéia de que o Brasil tem clima propício para o desenvolvimento da uva, Pereira Barreto faz uma investigação sobre a origem da vinha, vinculando esta à Ásia, lugar muito mais quente que a Europa. Lembra ainda que o suco da uva é tão bom quanto o leite materno, sendo extremamente rico em albumina, em caseína vegetal, e sobretudo, em fosfato, em ácido-fosfórico, este, o agente capital da inteligência. Por isso, onde há longos verões, o uso do suco de uva é de extrema importância para regular o funcionamento fisiológico do corpo, para a renovação do sangue, dos nervos e ossos193.

Defendendo tais teses, Pereira Barreto acredita na entrada do Brasil em um cenário diferente, a partir do momento em que se cultive a vinha intensivamente, assim como já se fazia com o café. O consorcio do café com a uva favorece o desenvolvimento do Brasil: conhecido por suas propriedades estimulantes das faculdades intelectuais, o café fornece o alimento para o cérebro, enquanto a uva propicia o estímulo ao coração, o cordel da alma, o néctar de toda a poesia. Este duplo cultivo possibilita a unidade do espírito e do coração, efetivando a síntese das três grandes faculdades: atividade, sentimento e inteligência194.

Percebe-se, portanto, que a linguagem dos sentimentos não está presente apenas em trabalhos médicos, pois Pereira Barreto ressalta a importância dos sentimentos para o estado

190 BARRETO, Luis Pereira. A Terra Roxa. A Província de São Paulo, São Paulo, 02 de dez. 1876. 1º artigo da

série. Disponível em: <http://www.genealogiafreire.com.br/jeo_a_terra_roxa.htm>. Acesso em: 10 nov. 2009.

191 BARRETO, Luis Pereira. A Terra Roxa. A Província de São Paulo. São Paulo, 03 de dez. 1876. 2º artigo da

série Disponível em: <http://www.genealogiafreire.com.br/jeo_a_terra_roxa.htm>. Acesso em: 10 nov. 2009.

192

BARRETO, Luis Pereira. O prêmio Provincial à Cultura da Vinha I, São Paulo (13/03/1887) apud BARROS, Roque Spencer Maciel de. A evolução do pensamento de Pereira Barreto. São Paulo: Grijalbo, 1967. p.181.

193 BARRETO, Luis Pereira. A Vinha e a Civilização: conferência pronunciada em 1896. In: PAIM, Antonio

(Org.). Plataforma Política do Positivismo Ilustrado. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981. p. 19.

194 BARRETO, Luis Pereira. A Vinha e a Civilização: conferência pronunciada em 1896. In.: PAIM, Antonio

de saúde da Humanidade, elementos esses que permeiam seus projetos de ação política ou pedagógica.

3.2 Semelhanças e diferenças entre Pereira Barreto e a Igreja Positivista de Miguel

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