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PEREIRA, Levi Marques 2009 Os Terena de Buriti: formas organizacionais, territorialização e representação da identidade étnica Dourados, Editora UFGD, 170 pp*

PatriK tHamEs FranCo**

* texto completo disponível em: http://www.ufgd.edu.br/editora/catalogo/os-terena-de-buriti ** doutorando em antropologia social (Unicamp)

Revista Ñanduty | Vol. 1 - N. 1 | julho a dezembro de 2012 proposta por Strathern (1988), e auxiliado

pelo método genealógico de Rivers, Pereira sugere que a aldeia aparece como uma con- figuração de troncos. O tronco é uma clara expressão da chefia hereditária. O tronco, ou kurú, se aplica a uma parentela bilateral reunida por relações de consangüinidade em torno do Big Man, e cuja relação com outros troncos configura uma aldeia.

O terceiro capítulo, o mais importan- te do livro, ou pelo menos o mais citado, é apresentado pelo autor como um “ensaio exploratório” (Pereira 2009:85) sobre os componentes essenciais do ethos Terena. Pereira sugere que os Terena possuem uma “feição típica, facilmente identificável pe- los integrantes desse grupo étnico” (Pereira 2009:83), cuja explicação se daria fora do paradigma interétnico. A inclinação à flexi- bilização e adaptação frente a outras sociali- dades e outros atributos relacionados a uma estética social do cotidiano, para lembrar jo- anna Overing (1999), explica a primazia da convivialidade e diplomacia sobre a preda- ção e o conflito enquanto princípios básicos de ordenamento da vida social.

A inspiração para a formulação do con- ceito de ethos curiosamente não procede de Gregory Bateson (1958), mas do sociólogo Norbert Elias e seus estudos sobre a socie- dade de corte francesa. Pereira sugere que a “formação social” dos Terena (hospitalida- de, cordialidade, fino trato, maneira amena de falar) se aproxima, enquanto tipologia, da sociedade de corte (Pereira 2009:96). O conjunto desses componentes daria forma ao ethos, cujo lócus estaria no plano do gesto e da etiqueta (Pereira 2009:103).

O quarto capítulo também explora ou- tro tema de fundamental importância: a re- lação com a exterioridade. Os Terena nunca negaram o interesse por uma vida integrada ao mundo dos brancos, fato que chamou a atenção de muitos antropólogos interessados nos paradigmas de aculturação. Mais uma vez Pereira se afasta dessas formulações, buscando possíveis respostas não na nação, mas no mundo vivido indígena. O autor nos

remete às redes de relações mantidas com os Guaicurú no Chaco, para mostrar que a faci- lidade dos Terena em contrair boas relações com o exterior é anterior ao contato com os brancos, e que por isso não se explica apenas por esta via.

O quinto capítulo atende a dois grandes debates: a construção da identidade em ce- nário interétnico, e a sociocosmologia indí- gena. A primeira parte fica por conta de uma reflexão sobre o problema da tradição a par- tir do contexto da modernidade. Mas o pon- to forte do capítulo se concentra na segunda parte, onde o autor recupera importantes ele- mentos da sociocosmologia Terena. O dis- curso de Dona Senhorinha, uma especialista religiosa, revela uma sofisticada cosmologia povoada pelos Natiacha [naati: chefe; acha: mato], uma categoria de seres espirituais que gerenciam a caça e a relação com o animal, uma interessante teoria indígena da natureza e da cultura infelizmente ainda pouco explo- rada pelos etnólogos.

Os Terena de Buriti é antes de tudo sen- sível ao mundo vivido indígena. Sem dúvida um importante incentivo para a nova etno- logia Terena, cujo foco tem se voltado cada vez mais para temas pouco explorados pe- los clássicos, tais como a noção de pessoa, a onomástica, o parentesco e a produção dos corpos e das substâncias. À guisa de conclu- são, entretanto sem a pretensão de esgotar o assunto, saliento que além de contribuição à etnologia sul americana, Os Terena de Buriti é também boa literatura. O leitor encontrará não apenas importantes insights, mas tam- bém o rigor e a sensibilidade do trabalho de um etnólogo bem (in) formado.

BiBliografia Citada

BATESON, Gregory. 1958. Naven. Califor- nia, Stanford University Press.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. 2002. Os Diários e suas Margens: viagem aos terri- tórios Terêna e Tükúna. Brasília, Ed. UnB.

Revista Ñanduty | Vol. 1 - N. 1 | julho a dezembro de 2012 OVERING, joanna. 1999. “Elogio do Coti-

diano: a confiança e a arte da vida social em uma comunidade amazônica”. Mana, Rio de janeiro, 5(1).

STRATHERN, Marilyn. 1988. The Gender of the Gift: problems with women and pro- blems with society in Melanesia. Berkeley, University of California Press.

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Revista Ñanduty | Vol. 1 - N. 1 | julho a dezembro de 2012

PPGAnt- Programa de Pós-Graduação em Antropologia UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados Dourados - MS - Brasil http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/nanduty

Ñanduty

Revista

PPGAnt - UFGD

O livro “La experiencia del otro: una introducción a la etnoarqueologia”, de au- toria de Alfredo Gonzáles Ruibal, apresen- ta muito mais do que o título propõe, tendo em vista a amplitude das abordagens e dis- cussões a respeito da etnoarqueologia. Essa obra apresenta uma linguagem clara e didá- tica, dedicada aos profissionais que buscam conhecer melhor o objeto de estudo deste subcampo da Arqueologia. Embora o autor tenha se dedicado a estudar a Idade do Ferro, na Península Ibérica (pesquisa de doutora- do), atualmente preocupa-se com a arqueo- logia contemporânea e com temas como: as guerras, as migrações em massa, entre ou- tros, realizando pesquisas na Espanha, Etió- pia, Guiné Equatorial e Brasil.

Ao longo das 177 páginas, divididas em quatro capítulos, são apresentadas questões de cunho teórico-metodológico e reflexões sobre o futuro da etnoarqueologia. Mesmo de forma modesta, o autor ressalta as interfa- ces entre a etnoarqueologia e outros campos da arqueologia, como a arqueologia histó- rica, a arqueologia experimental etc., mos- trando uma ampliação das pesquisas.

O tema central do livro abrange as perspectivas do pensar e fazer etnoarqueoló- gico. Por se tratar de uma obra em espanhol e ainda não traduzida, o leitor poderá encon- trar dificuldade de compreensão requerendo,

muitas vezes, leituras prévias.

O primeiro capítulo, “Teoría y Méto- do”, além de trazer um panorama sucinto da etnoarqueologia, apresenta também a função deste subcampo de pesquisa, que tradicional- mente dedicou-se a estudar grupos étnicos prestes ao desaparecimento, investigando a produção da cultura material desses gru- pos. Esse olhar para a produção da cultura material – da origem à morte – auxiliará os arqueólogos no entendimento dos processos de formação dos registros arqueológicos.

Ruibal, ainda nesse capítulo, apresenta algumas das tendências teórico-metodológi- cas pelas quais a etnoarqueologia passou e vem passando, sobretudo na perspectiva da arqueologia processual e a pós-processu- al, citando os seus maiores representantes (Lewis Binford e Ian Hodder, respectiva- mente), e as pesquisas etnoarqueológicas re- alizadas por eles. Cita, também, os trabalhos teóricos de etnoarqueologia de autoria de Gustavo Politis, Nicholas David e a Susan Kramer. No entanto, o autor não se prende às pesquisas do chamado mundo anglo-sa- xônico, mas aborda igualmente aquelas de autoria de pesquisadores franceses (dando um pequeno destaque a estas), belgas, su- íços, alemães e latino-americanos. Segundo ele, nesses últimos anos a investigação et- noarqueológica mostrou-se promissora, es-

RESENHA

RUIBAL, Alfredo Gonzáles. La experiencia del otro: una introducción a la etnoarqueologia. Madri: Ediciones Akal.